Muitos devem estar achando que o advogado enlouqueceu ou que o professor deve estar esclerosado (sou do tempo da arteriosclerose, o Alzheimer é mais moderno), pois o que pode ter em comum entre a sauna e o Direito Penal?
Neste feriado de carnaval aproveitei para fazer uma sauna em um dos clubes mais tradicionais de Belo Horizonte/MG, frequentado pela classe "B" e talvez a "C", classe "A" não frequenta clube, pois fazem seu próprio. Bom, neste clube, além de quadras, academia, piscinas etc., tem uma excelente sauna a vapor. Como em todo clube e em toda sauna de respeito, também, tem suas regras. Assim, logo na entrada está escrito com letras de forma e garrafais que possibilita até um míope como eu ler à distância que é: i. Proibido fazer barba na sauna; ii. Proibido usar qualquer tipo de creme, óleo, hidratante etc. e iii. Proibido a entrada de menores de 16 anos, além de algumas recomendações para o uso saudável da sauna.
Infelizmente, apesar das proibições e sem previsão de qualquer sanção, alguns desrespeitam as "normas". Sem olvidar que segundo Kelsen (teoria pura do Direito) não existe norma primária sem sanção. De acordo com a concepção kelseniana a ordem jurídica expressa um "dever ser", e, assim, uma vez constatada determinada conduta, seguir-se-á determinada sanção. Então, entende-se que a conduta que condiciona a sanção é que é a proibida, ao passo que a conduta oposta é a correta, a prescrita.
Portanto, se é proibido, alguma punição deve existir. Embora não escrita junto às proibições, com certeza há no estatuto do clube algum tipo de sanção para aqueles que violam as "normas" do clube, inclusive, na utilização da sauna. Creio que as punições vão desde a multa, passando pela suspensão, até a pena máxima de expulsão.
Devo confessar, independente de tortura, que não suporto, além de nojento, marmanjos fazendo barba na sauna, mulheres usarem cremes e até se depilarem e a frequência de crianças em local inadequado até para saúde destas. Mas, nem por isso penso que tais condutas devam ser criminalizadas. Para aqueles que insistem em desrespeitar o próximo, sobretudo no calor e na nebulosidade da sauna a vapor, penso ser adequado a multa e em alguns casos extremados a suspensão do clube.
Do princípio penal da intervenção mínima decorre o caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal. Do primeiro emana que só se deve recorrer ao Direito Penal depois de esgotado todos os mecanismos de proteção de determinado bem jurídico. A pena criminal é um remédio sancionador extremo, que segundo o ensinamento de Nilo Batista (in Introdução crítica ao direito penal brasileiro), "deve ser ministrado apenas quando qualquer outro se revele ineficiente" e, mesmo assim, quando se tratar de ataques a bens jurídicos fundamentais e essenciais para vida digna e em sociedade. Claus Roxin, aqui citado por Nilo Batista, observou que a "utilização do Direito Penal 'onde bastem outros procedimentos mais suaves para preservar ou reinstaurar a ordem jurídica' não dispõe da 'legitimação social'". Do caráter fragmentário pode-se afirmar que o Direito Penal não compreende um sistema exaustivo de proteção de bens jurídicos, apenas e tão somente os bens fundamentais é que devem ser objetos da proteção penal. Não é demais lembrar que através do direito penal o Estado impõe a mais grave das sanções jurídicas que o individuo pode suportar: a pena privativa de liberdade.
De tal modo, pode-se afirmar que a pena de prisão (remédio sancionador extremo) é como a morfina (alcaloide do ópio, fármaco narcótico de alto poder analgésico usado para aliviar dores severas) só deve ser ministrada em casos extremados – ofensas graves a bens jurídicos fundamentais –, pois seus efeitos colaterais são terríveis, podendo levar à morte. Por conseguinte, para uma leve dor de cabeça (condutas de menor gravidade e de menor potencial ofensivo) basta que seja ministrado uma aspirina, um dos medicamentos mais consumidos no mundo, neosaldina, paracetamol, etc. Para condutas de menor gravidade não é necessário recorrer ao Direito Penal, do mesmo modo que para dores menores não se recorre a morfina, elas receberam tratamento adequado em outros ramos do Direito.
Assim, por mais odiosa, abjeta, errada, imoral, pecaminosa, pervertida, desviada, que uma conduta possa ser, ainda que cometida sob uma temperatura próxima dos 50ºC, por si só não é suficiente para ser objeto de criminalização. Principalmente se esta conduta não lesione direitos de terceiros; não exceda o âmbito do agente e que se trate apenas de condutas desviadas.
Como bem salienta Maria Lúcia Karam (in De Crimes, penas e fantasias), "das condutas privadas, ou seja, aquelas que não afetam bens ou interesses de terceiros, não se pode dizer que sejam permitidas ou proibidas juridicamente, não cabendo dar a elas qualificação jurídica, na medida em que, por sua própria definição, o Direito não deve alcançá-las".
Diante de tudo, continuarei fazendo sauna esperando que um dia as pessoas tomem consciência dos bons modos e das boas maneiras de convivência ou que o clube tome alguma providência, mas jamais, por mais asqueroso que seja, desejarei que as referidas condutas sejam criminalizadas e que para seus autores seja ministrada a "morfina".
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