O jornalista Rodrigo Haidar, nas Anotações sobre o julgamento dos embargos infringentes manifesta uma justa preocupação: "quando um juiz vê uma ação judicial como causa política as chances de que sejam cometidas injustiças crescem vertiginosamente".
Sua preocupação, contudo, não se dirigiu ao julgador que já declarou que "em muitas situações, em lugar de se limitar a aplicar a lei já existente, o juiz se vê na necessidade de agir em substituição ao legislador" ou que "o STF terá de continuar a desempenhar, com intensidade, os dois papéis que o trouxeram até aqui: o contramajoritário, que importa em estabelecer limites às maiorias; e o representativo, que consiste em dar uma resposta às demandas sociais não satisfeitas pelas instâncias políticas tradicionais" (sic).
Dirigiu-se, ao contrário, ao ministro Barbosa que, com seu personalíssimo destempero, disse a quem tivesse ouvidos: a atual composição da Suprema Corte deu apenas o primeiro passo em sua "sanha reformadora".
Não me agradam os arroubos sanguíneos do presidente – mas isso se deve muito mais ao gosto que deriva da minha natureza pacífica, que de fato a algum defeito no discurso dele. É questão de forma, não de conteúdo.
No conteúdo, desculpe-me o jornalista Rodrigo Haidar, mas o que disse o senhor presidente é de estarrecedora realidade: a Corte Suprema abriga hoje um espírito reformista cujos frutos mais célebres saltaram do invento preferido pelo dr. Guillotin – lui-même, aliás, um exemplo do que se pode chamar de "humanismo de resultados": era contra a pena de morte e propôs a decapitação pela tenebrosa invenção (que não foi dele, diga-se), por tê-la como mais humana e indolor. Um verdadeiro precursor da política de "redução de danos", que a tantos encanta por aí.
Torno ao tema: de fato, é preocupante que um juiz enxergue uma ação judicial como causa política; mas é muito mais grave – e, infelizmente, muito mais presente – que um juiz se valha de sua posição para proferir decisões que atendam ao seu ideário político.
O que me parece é que a humildade socrática não macula esses próceres, certos que estão de tudo o que sabem – e sabem especialmente o que é melhor para o outro, para o povo, para a humanidade. Prenhes dessa certeza moral, sabem que devem implementar as suas ideias, custe o que custar: sua intenção é boa, como condenar a imoralidade dos seus meios?
Estão tão certos de que representam esse bem universal que não enxergam o próprio desequilíbrio; não vêem que também eles têm um viés político – e se apressam em apontar o dedo àqueles que se opõem, acusando-os justamente do que fazem: neste caso, de politizar o Poder Judiciário.
Esse método do espírito revolucionário é tão novo quanto a República Jacobina, aquele iluminado período em que se entendia que o terror não era mais que Justiça agilizada, emanação da virtude e uma consequência da própria democracia. Os mais graves atentados aos valores humanos, não é de hoje, cometem-se sempre em nome deles mesmos.
Enfim, pior que enxergar uma ação judicial como causa política é o oposto disso: não perceber que subjaz uma causa política à ação judicial. E não denunciá-la. O discurso breve e duro do ministro Barbosa lembra que, como na Prússia de 1745, ainda há juízes em Berlim – mas já estão todos indo embora. Como na França de 1789.
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