Migalhas de Peso

Ordem e progresso. A qualquer custo?

Protestar contra tudo é abstrato. Protestar contra algo, em particular, é específico e produz resultados mais concretos. Há que se ter sobriedade, uma vez que a linha entre o certo e o errado costuma ser tênue.

18/8/2013

Corrupção, injustiça e impunidade são palavras que fazem parte do consuetudinário brasileiro. A má-fé conjugada de desonestidade é tema que contamina o seio do país desde as primeiras páginas dos livros que versam nossa História. A irresponsabilidade vista na saúde pública, nas escolas e nas ruas evidenciam os graves problemas que o Brasil enfrenta. O serviço público, onde a competência deveria ser elemento ético e não técnico, principalmente no que se refere aos governantes, caiu em absoluto desmerecimento. Trata-se de uma realidade alicerçada em violações de toda ordem e desobediências de toda sorte, abruptamente socada nas gargantas dos – até então - mudos brasileiros.

Desviar os olhares das reais mazelas de uma sociedade sofrida e faltar com o mínimo de sensibilidade são as principais atitudes que caracterizam os líderes de nossa capital, Brasília – onde o poder está entronizado. As últimas semanas demonstraram que o brasileiro resolveu escolher as batalhas e guerras que deseja travar. São muitas, de fato. Há as exceções, aqui representadas pelos desinteressados, pobres de espírito, vândalos e aproveitadores. Há o problema da descentralização que, de certa forma, gera um pouco de desorganização. Protestar contra tudo é abstrato. Protestar contra algo, em particular, é específico e produz resultados mais concretos. Há que se ter sobriedade, uma vez que a linha entre o certo e o errado, a luz e as trevas, costuma ser tênue. Não pretendo desmerecer aqui qualquer tipo de manifestação, por óbvio. No entanto, sou forçado a acreditar que trilhamos por um caminho perigoso. O objetivo do presente texto não é o de resmungar contra o povo brasileiro e suas manifestações, uma vez que o resmungo é o refúgio do preguiçoso. Preguiçoso não faz, não escreve. Não se revolta, não vai às ruas, não contribui. Não pensa, não reflete. Não oferece saídas, muito menos provoca o debate. O momento em que vivemos não pode, nem deve ser confundido com aventura do ponto de vista histórico, mas sim audácia. O audacioso se organiza, se prepara e vai à luta. O aventureiro simplesmente vai e morre, já que nunca possuiu foco ou objetivo a ser alcançado, nem soube por qual estrada trilhar. Para quem nunca soube para onde ir, nenhum vento é a favor.

Percebo que a sede de sangue de alguns revoltados continua. Todos se revoltam com a corrupção, é claro. Justo. No entanto, me refiro aos que são movidos pela emoção e pelo temperamento. Aos que se recusam a abrir as janelas da mente e, por isso, vivem no cárcere intelectual. Pensam na exceção, não na regra e acabam por prejudicar aos outros e a si mesmos. Agora gritam, imploram pela criação de um Direito Penal do inimigo [1], traduzido em normas de repressão e que assume caráter inquisitório e punitivista. Tudo movido pela pressão popular, pelo gosto de sangue na boca e pelo coração que nos engana de forma consuetudinária. Muitos preferem abrir mão de suas próprias garantias e direitos conquistados ao longo da História para arriscar uma perigosa manobra cujo objetivo é o de colocar corruptos na guilhotina a qualquer custo – o que configura verdadeira afronta aos dois grandes pilares de uma democracia: a liberdade e a legalidade. Cabeças penduradas costumam dar o exemplo, já pregava a Coroa. Novos tipos penais, aumento de penas e punições exemplares. Tudo para abrandar o coração, acalmar o espírito e trazer, ainda que de forma ilusória, aquilo que chamamos de sensação de segurança, além de errônea interpretação e sensação de justiça.

Espero, sinceramente, que não sejamos vítimas do óbvio, já que ele nos coloca no cárcere da mesmice. E que o povo brasileiro não se intimide, mas também seja prudente e sóbrio – uma vez que nos fora dada a maravilhosa capacidade da construção dos pensamentos, da arte de refletir e maturar as ideias. Que as lutas aconteçam, as mudanças venham e que jamais permaneçamos na janela, vendo o mundo passar e contemplando "a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores e o mesmo jardim..." [2].

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[1] Para Jakobs deve haver dois tipos de direito. Um que é dirigido ao cidadão, que, mesmo violando uma norma recebe a oportunidade de “restabelecer” a vigência desta norma através de uma pena - mas ainda assim, mesmo sendo punido, é punido como um cidadão – mantendo, pelo Estado, o seu status de pessoa e o papel de cidadão reconhecido pelo Direito. Há, porém, outro tipo de Direito, o Direito Penal do Inimigo, que é reservado àqueles indivíduos que pelo seu comportamento, ocupação ou práticas, segundo Jakob, “se tem afastado, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito, isto é, que não proporciona a garantia cognitiva mínima necessária a um tratamento como pessoa”, devendo ser tratados como inimigos.

[2] Trecho da canção “A praça”, de autoria de Carlos Eduardo da Corte Imperial, nascido na cidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES, no dia 24 de novembro de 1935. Produtor artístico, envolvido no lançamento das carreiras de Roberto Carlos, Elis Regina, Wilson Simonal, Clara Nunes e outros artistas.

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* Leonardo Lopes de Almeida Duarte é advogado e professor de Direito na Academia do Corpo de Bombeiros Militar do Estado de MG.

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