Migalhas de Peso

O processo eletrônico e a morosidade da Justiça

O PJe deve ser compreendido como mais uma medida, dentre muitas outras urgentes e necessárias, que poderá auxiliar na aceleração dos julgamentos.

27/4/2013

Décadas de 80 e 90 do século XX. A maioria das varas e tribunais brasileiros ainda não dispõe de equipamentos de informática, de modo que o controle de prazos e andamento dos processos, a documentação de atos e os julgamentos dependem apenas de meios tradicionais e pouco ágeis, como as máquinas de escrever e os registros em papel, não raras vezes manuscritos.

Divulga-se, então, às vezes com fervor religioso, inclusive na mídia, que a informatização é a grande meta do Judiciário, pois sem dúvida solucionará os graves problemas de morosidade dos julgamentos.

Segunda década do século XXI. Depois de muitos recursos gastos pela União e Estados na compra de equipamentos, os resultados positivos da informatização são inegáveis, mas a morosidade dos julgamentos persiste, aumenta e continua a ser um dos grandes males do judiciário.

Acumulam-se pesquisas, estatísticas, discussões e críticas, mas a nova solução é anunciada e encontra muitos adeptos, alguns também com fé religiosa, e até na mídia: o processo judicial eletrônico ou "PJe" é a grande solução para a morosidade.

Não há nenhuma dúvida de que o processo eletrônico é um avanço tecnológico do qual não se deve prescindir e que já deveria ter sido totalmente implantado no Judiciário há pelo menos uma década. A experiência dos Juizados Especiais Federais que usam exclusivamente processos eletrônicos é um de muitos exemplos eloquentes.

No entanto, surgem muitas dúvidas quando se afirma, como é possível observar nos últimos meses em declarações de autoridades, propagandas institucionais ou editoriais e artigos de jornais, que o processo eletrônico é a solução definitiva para a morosidade, até mesmo para evitar, por exemplo, a criação de novas unidades judiciárias.

Como todo sistema informatizado, o processo eletrônico dependerá de ajustes e adaptações às necessidades do dia a dia, frequentes correções de erros ou "bugs", treinamento eficaz dos operadores, amplo acesso à Internet com velocidade de conexão razoável, nem sempre disponível para os órgãos judiciários e advogados, além de dois outros elementos capitais, mas aparentemente esquecidos: a colaboração efetiva de todos aqueles que lidam com o sistema e a mudança de mentalidade sobre o próprio "modo de ser do processo".

E mais: de nada adiantará novamente o investimento de significativos recursos públicos, por vezes amparado em um discurso meramente retórico, sem atentar racionalmente que a implantação do processo eletrônico não é a solução mágica para a morosidade, pois muitas outras diversas causas de atraso dos julgamentos continuarão presentes e sem nenhuma solução próxima, como o formalismo aliado ao bacharelismo de nossa cultura jurídica, a notória insuficiência do número de servidores e juízes, o emaranhado legislativo, o anacronismo de leis processuais que incentivam milhões de demandas temerárias e recursos protelatórios, e, preponderantemente, a administração pública das três esferas de governo (União, Estados e Municípios) como a primeira colocada na instauração de processos, de forma direta ou indireta.

Portanto, se realmente a pretensão é tornar o judiciário mais rápido e eficiente, é imprescindível que o processo eletrônico seja compreendido como apenas mais uma medida, dentre muitas outras urgentes e necessárias, que poderá auxiliar na aceleração dos julgamentos, desvinculando-o, todavia, do pensamento mágico ou de discursos retóricos.

Caso contrário, o mito da "informatização do judiciário" dos anos 90 e que também contribuiu com a atual tragédia para aqueles que aguardam há anos um julgamento, se repetirá como uma farsa para as futuras gerações.

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* Georgius Luís Argentini Principe Credidio é juiz Federal, ex-juiz de Direito (1989-1995), ex-juiz do Trabalho (1995-2003) e Mestre em Direito Público (UFPE).

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