Juridiquês
Eça de Queirós - personagens e cenas jurídicas de um homem do Direito
Em uma das "Cartas Inéditas de Fradique Mendes", de Eça de Queirós, pinçamos o seguinte trecho :
"O homem, mentalmente, pensa em resumo e com simplicidade, nos termos mais banais e usuais."
"Termos complicados, são já um esforço de literatura – e quanto menos literatura se puser numa obra d'arte, mais ela durará".
Mas se mesmo nos textos litetrários não convém exagerar na "literatura" para não perder o leitor, que dirá então em textos cuja finalidade não é o passatempo ?
Jamais se identificará o homem com aquilo que não compreende. Esse era o segredo simples que Eça de Queirós nos revelava.
Na obra de arte, isso significa perder o leitor.
Para o exercício das atividades jurídicas, que se sustentam pela palavra, outro não é o destino.
Só que neste caso, perder o leitor significa distanciar-se de seu objetivo principal : a consolidação de um Direito. Ou seja, perder o leitor pode significar perder a causa.
No Brasil, convencionou-se chamar de "juridiquês" o uso excessivo de vocábulos técnicos pelos profissionais da área jurídica. O problema é de tamanha relevância que a própria Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) resolveu lançar em 2005 uma campanha para simplificar a linguagem utilizada por magistrados, advogados e promotores de Justiça no exercício de seu mister (eis aqui um exemplo do que qualificam como juridiquês, o uso de "mister" em vez de ofício, profissão).
O fato é que investir numa espécie de reeducação linguística é o desafio.
Essa reeducação, ensina-nos Eça de Queirós, deve contemplar dois aspectos. O primeiro, evidentemente, é a questão da linguagem. E explica :
Você tem um personagem e quer dizer dele – 'que era afortunado nas suas coisas, mas nunca fora generoso e por vezes se mostrara falso' [...]
Você, portanto, procura sinônimos estranhos e raros, que mostrem riqueza de léxico, e põe sua frase assim: -'Era varão escançado, porém nunca se mostrara largueado e no seu convívio despontava de honra por mendacismo e lançadiço'. [...]
Você de certo provou riqueza de léxico e agradou a dois ou três gramáticos – mas nenhum rapaz, nenhuma mulher, nenhum homem, ninguém ficou compreendendo como era o seu personagem. E como ninguém tem paciência para folhear o dicionário, você ficou incompreendido – e foi como se não escrevesse !
O segundo aspecto é o do próprio desenvolvimento da idéia no decorrer do texto. De acordo com Eça de Queirós, uma apresentação "copiosa e folhuda" é ainda mais fatal que o problema da linguagem.
O escritor de léxico abundante não pode dizer que "Elvira chorou" sem complicar esse ato tão simples, com tantas incidentais sobre o sabor das lágrimas, o fel ou o júbilo que eles continham e os anjos que as recolheram nas mãos, e as pérolas em que elas se transformaram, e a pouca atenção que o Universo lhes deu e a perfídia do homem, e a infâmia do brasileiro – que o leitor, aturdido, escassamente fica sabendo se Elvira estava chorando, ou rezando as contas, ou cantando ao piano a Traviata !
O problema desse tipo de apresentação, com vimos, está na confusão que pode provocar no leitor, o qual terá de voltar ao texto repetidas vezes se este for entrecortado por vírgulas, podendo até mesmo ser desviado da idéia central em casos de descrições demasiadamente longas.
Está, sobretudo, nas mãos dos acadêmicos de Direito o poder de estreitar a relação entre as pessoas e Judiciário.
É verdade que cada área do conhecimento possui um leque de vocábulos e modos próprios de escrita, e o Direito não é exceção.
Mas, visto que da linguagem forense depende o estado pleno de cidadania de um país, resta saber se vamos nos empenhar em diminuir, manter ou aumentar os espaços entre os iniciados e os não iniciados na "Disciplina da Convivência Humana".
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