Migalhas Quentes

Discurso

Proferido pelo Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima

27/12/2004

 

Discurso

 

Leia abaixo discurso proferido pelo Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima, Juiz Diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte e membro do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais, em 18/12, na solenidade da diplomação dos candidatos eleitos nas eleições municipais de 2004.

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Discurso proferido na solenidade da diplomação dos candidatos eleitos nas eleições municipais de 2004.

 

Rogério Medeiros Garcia de Lima, Juiz Diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte, 18 de dezembro de 2004.

 

As eleições municipais de 2004 propiciam algumas reflexões.

 

A primeira, sem dúvida, diz respeito à consolidação da democracia brasileira. A cada pleito, os cidadãos patrícios demonstram maior espírito cívico e exercício consciente do sufrágio.

 

Para tamanho êxito, contribui decisivamente a Justiça Eleitoral. Este ramo do Judiciário surgiu com a Revolução de 1930 e visou suprimir a estrutura política arcaica até então prevalecente (Fávila Ribeiro. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 3ª ed., 1988, pág. 94). Experimentamos hoje o pleno êxito da urna eletrônica, tecnologia importada por diversos países. No entanto - alerta o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, presidente do Superior Tribunal Eleitoral - se a urna eletrônica garante a verdade formal das eleições, ainda temos o enorme desafio de assegurar a sua verdade material. Para tanto, precisamos combater rigorosa e eficazmente os abusos de poder político e econômico. Em outras palavras, as famigeradas práticas de “uso da máquina pública” e financiamento ilícito nas campanhas eleitorais não podem continuar conspurcando a manifestação dos eleitores.

 

Preocupam-nos sobremaneira, pois, as tentativas de subtrair eficácia aos rigores da Lei Federal nº 9.840, de 28 de setembro de 1999, mediante iniciativas legislativas ou decisões de nossos tribunais superiores. Referida lei acrescentou o artigo 41-A ao texto da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições), para punir a “captação de sufrágio”, conduta mediante a qual o candidato doa, oferece, promete ou entrega, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição.

 

É preciso não esquecer que a Lei nº 9.840 resultou de iniciativa conjunta da Ordem dos Advogados do Brasil, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa e associações de Igrejas evangélicas. Foram recolhidas mais de um milhão e duzentas mil assinaturas de cidadãos em todo o país. Desde a vigência do dispositivo legal, foram cassados centenas de políticos ímprobos em todo o país.

 

Outra reflexão diz respeito ao prestígio de que desfruta a Justiça Eleitoral perante a opinião pública. Recente pesquisa, realizada pelo IBOPE e divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, demonstrou que o Judiciário é visto como muito moroso pela sociedade brasileira. A população, entretanto, em sua maciça maioria, conhece e elogia a Justiça Eleitoral, a Justiça Trabalhista e os Juizados Especiais. Exatamente os ramos judiciários mais ágeis e mais próximos dos cidadãos comuns.

 

Esse prestígio é desfrutado independentemente da chamada “Reforma do Judiciário”. Os juízes eleitorais são os mesmos juízes de direito, munidos, porém, de legislação ágil e eficaz. Não se iludam os brasileiros: a “reforma” do Judiciário, recentemente promulgada pelo Congresso Nacional, é mero “artigo de perfumaria”. Pouco contribuirá para a melhoria da prestação jurisdicional. A Justiça necessita ser contemporânea do tempo que vivemos. Urge modernizar o Judiciário brasileiro. Não mais  condizem com o mundo atual os ritos processuais burocráticos, os autos de processos avolumados de papéis, as insuficientes dotações orçamentárias atribuídas ao Poder Judiciário, a estrutura hermética e não-democrática de governo dos tribunais, o carreirismo propiciado pelas promoções sem critérios de juízes, as contratações de servidores sem a seleção do concurso público e a insensibilidade diante dos problemas sócio-econômicos da Nação.

 

Tão primordialmente quanto do necessário controle das atividades administrativas do Judiciário, precisamos de leis processuais que eliminem papelório, rituais e recursos em demasia. Com a utilização da informática, poderemos economizar tempo, papel e esforços físicos. Muitos atos a cargo dos oficiais de justiça, por exemplo, poderão ser realizados virtualmente, poupando-lhes a desumana faina diária do ir e vir pelas respectivas comarcas.

 

Dos governos e grandes empresas espera-se que abandonem o hábito de recorrer à Justiça para protelar o pagamento de débitos incontestáveis. Dos advogados, que  não forcem a inquirição de testemunhas absolutamente inúteis ao esclarecimento dos fatos e não interponham recursos protelatórios.   

 

Enfim, a preocupação fundamental dos operadores do Direito deve se referir à sociedade a que servimos. Temos de nos dedicar integralmente ao Direito e à Justiça. Para o notável jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni (Poder Judiciário. São Paulo: Editora RT, trad. Juarez Tavares, pág. 79), a Revolução Francesa de 1789 foi desencadeada muito mais contra o poder arbitrário da Justiça do que contra o Rei de França.

 

A derradeira reflexão diz respeito a ser o Judiciário instituição brasileira. Se há uma Justiça precária, é porque há um País precário. Precários são os Poderes da República e a sociedade civil. O cientista social francês Michel Debrun (A Conciliação e Outras Estratégias. São Paulo: Brasiliense, 1983, pág. 13), estudioso da política brasileira, vislumbrou indefinida capacidade de auto-reprodução da nossa realidade política. Sucedem regimes e governos, mas ressurgem redivivos os mesmos personagens e os mesmos hábitos oligárquicos e patrimonialistas.              

 

A questão judiciária não foge à regra geral. Há décadas todos reclamam, inclusive os magistrados, da morosidade da Justiça brasileira. Contudo, nada tem sido feito para erradicá-la. As Fazendas Públicas federal, estaduais e municipais são as protagonistas dos processos judiciais. Violador de direitos constitucionais dos cidadãos, contribuintes, servidores públicos e aposentados, o Poder Público responde por mais de 80% dos processos represados nos diversos tribunais brasileiros. No entanto, a Justiça brasileira apresenta mazelas encontradiças no âmbito dos demais poderes, como nepotismo e mega-salários pagos a alguns poucos funcionários privilegiados. Ela é o espelho da sociedade brasileira. Não é melhor nem pior do que as instituições em geral.

 

Sérgio Buarque de Holanda, no clássico Raízes do Brasil (Rio de Janeiro. José Olympio,1976:106-107), definiu o brasileiro como “homem cordial”. Possui sociabilidade aparente para obter vantagens pessoais e evitar cumprir a lei que o contrarie. É o famoso “jeitinho” brasileiro.

 

Muitos dos que chamam juízes de “corruptos”, são os mesmos que elegem políticos almejando benesses pessoais. Não idealizam o representante que administrará e elaborará leis em nome dos cidadãos, mas o “amigão” que vai resolver seus problemas: emprego, bolsa de estudo, tratamento médico gratuito, transferência do filho para a universidade pública e outros congêneres. Vai livrá-los de problemas com o delegado de polícia ou o fiscal de tributos, se possível ajeitando a remoção do “incômodo” funcionário para localidade bem distante.

 

São os mesmos que sonegam imposto de renda, não fornecem recibo ou nota fiscal a clientes e consumidores, subornam o guarda de trânsito e o fiscal da fazenda, compram drogas de traficantes ou fazem apostas em jogos ilícitos. Contudo são todos muito bons, boníssimos. Corruptos são os outros.

 

Não podia ser diferente no âmbito do Judiciário. Com  quinze anos de exercício da  magistratura, posso afirmar que os juízes recebem pedidos a todo instante. Qualquer cidadão tem um parente, amigo ou amigo do amigo de um magistrado. Usando esses canais, pede “uma mãozinha” no julgamento do seu processo. Quando o pedido é apenas para agilizar o andamento da causa, poderemos até relevar. Todavia, o mais das vezes o “jeitinho” almejado, explícita ou implicitamente, é a decisão a seu favor, ainda que contra a lei.

 

No fundo, no fundo, somos todos iguais.

 

Ao concluir esta manifestação, não há negar a imensa honra deste magistrado por haver presidido o último pleito municipal em Belo Horizonte. Foram eleições históricas e de repercussão nacional. Deparamo-nos com candidatos, eleitos e não-eleitos, de ímpar conduta política. As campanhas se desenvolveram em níveis éticos satisfatórios. O eleitorado portou-se de modo exemplar. A Justiça Eleitoral pôde cumprir com tranqüilidade seu dever.

 

O conduzir o pleito da capital mineira não foi obra exclusiva do Juiz Diretor do Foro Eleitoral, o menos importante dos personagens envolvidos. Não podemos deixar de destacar a ação do Tribunal Superior Eleitoral, capitaneada pelo presidente Ministro Sepúlveda Pertence e o corregedor-geral Ministro Peçanha Martins, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, capitaneada pelo presidente Desembargador Kelsen Carneiro, o corregedor-geral Desembargador Pinheiro Lago, o Diretor-Geral Dr. Levindo Coelho, magistrados e servidores, especialmente os lotados na 26ª Zona Eleitoral da Capital, do Ministério Público, de advogados e dos partidos políticos.

 

O especial agradecimento vai para os milhares cidadãos convocados para atuar com denodo nas seções eleitorais.

 

A imprensa mineira, mais uma vez, foi insuperável na nobre missão de conferir transparência ao pleito e à apuração dos resultados, em tempo real.

 

Às senhoras e senhores diplomados, prefeito, vice-prefeito e vereadores, é preciso lembrar que o notável filósofo Aristóteles subordinava a ética à política (Giovanni Reale. História da Filosofia Antiga. São Paulo: Edições Loyola, trad. Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine, 1994, p. 405). Compreendia o homem, segundo a tradição grega dominante, unicamente como cidadão. Punha a cidade completamente acima da família e do homem individual: o indivíduo existia em função da cidade e não a cidade em função do indivíduo. Diz expressamente Aristóteles:

 

“Se, de fato, idêntico é o bem para o indivíduo e para a cidade, parece mais importante e mais perfeito escolher e defender o bem da cidade,; é certo que o bem é desejável mesmo quando diz respeito só a uma pessoa, porém é mais belo e mais divino quando se refere a um povo e às cidades”.

 

A todos, desejo pleno êxito no exercício dos mandatos que lhes foram democraticamente outorgados.

 

Muito obrigado!

___________

 

 

 

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