Como vimos na matéria de ontem, Euclides foi assassinado na manhã de 15 de agosto de 1909, na casa de Dilermando de Assis, no bairro da Piedade, no Rio de Janeiro.
A íntegra da denúncia e da pronúncia do réu você pode conferir nos trechos que seguem.
Vá, migalheiro, formando seu juízo, pois você também será jurado neste julgamento.
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Veja o original dos autos ampliado (clique na imagem):
Justiça do Distrito Federal
Juízo de Direito da 1a vara criminal - 1° Tribunal do Júri
Processo n° 1909 de 1909
Autora: Justiça Pública
Acusado: Dilermando Cândido de Assis (réu)
Vítima: Dr. Euclides da Cunha
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A denúncia
A conclusão. Rio 25.9.1909
Costa Ribeiro
O adjunto dos promotores públicos, com exercício nesta Pretoria, vem dar denúncia contra Dilermando Cândido de Assis, brasileiro, do Estado do Rio Grande do Sul, solteiro, aspirante do Exército, sabendo ler e escrever, pelo fato que passa a expor e que se passou no dia 15 de agosto do corrente ano, cerca de 10 horas da manhã, na casa da Estrada Real de Santa Cruz n° 214, onde o denunciado residia com seu irmão Dinorah Cândido de Assis, aspirante da Marinha.
Colhe-se com segurança das peças do inquérito junto que havia algum tempo o denunciado entretinha relações adulterinas com a esposa do conhecido escritor, Dr. Euclides da Cunha. Este tinha suspeitas dessa desgraça, alimentadas por uma longa série de circunstâncias, de que nos dão conta depoimentos das testemunhas do inquérito. Basta, porém, que nos refiramos aos antecedentes próximos do caso em questão.
Assim é que, tendo-se ausentado no dia 12 de agosto, sob pretexto de procurar uma outra casa para onde se mudar, essa senhora nessa noite não voltou à residência, tendo pernoitado fora dela, sem que seu marido soubesse onde, apesar de ter saído a indagar. Saindo ele novamente a sua procura no dia seguinte (13), encontrou-a em casa da mãe da mesma, no Campo de S. Cristóvão n° 165, onde entre ambos ficou combinado que ela permaneceria até o dia seguinte, sábado, quando deveria ir visitar no Ginásio Nacional e trazer para casa seu filho menor Euclides. Mas a excitação de Dr. Euclides da Cunha exasperou-se quando, no sábado, depois de dar pela manhã a sua aula no Ginásio Nacional, indo à casa de sua sogra, foi informado de que sua mulher ali não passara a noite, nem lá chegara até aquela hora; e tocou ao auge por isso que nesse dia de sábado e na noite deste para domingo, ela nem apareceu em casa nem deu notícia de si.
Foi sob a violenta impressão provocada por estes fatos que o Dr. Euclides da Cunha, armado de revólver e informado da residência do sedutor de sua esposa, para ali se dirigiu na manhã de domingo, 15 de agosto, com a certeza moral de que lá encontraria sua mulher. Ali chegado, foi recebido e introduzido na sala de visitas por Dinorah Cândido de Assis.
Deste momento em diante, é impossível reconstruir com exatidão em seus pormenores o drama que se desenrolou. Que o Dr. Euclides, cujo estado de espírito era bem conhecido pelos dois moços, tenha sido o primeiro a atacar a Dilermando a tiros de revólver, abrindo com violência a porta do quarto, em que este se achava; que tenha sido o primeiro agredido também a tiros por Dilermando, abrigado por detrás de uma das portas do seu quarto, é impossível apurar e as afirmações nesse sentido são meramente conjecturas. O certo é que, no corredor que liga a sala de visitas à de jantar e para o qual dão portas dois quartos ocupados logo o primeiro por Dilermando, o outro por Dinorah, houve entre o Dr. Euclides da Cunha, armado de um revólver Smith & Wesson, calibre 22, e Dilermando, que lançara mão de um revólver do mesmo fabricante, calibre 38, um forte tiroteio, do qual resultaram, em Dilermando, os ferimentos por arma de fogo, de que nos dá notícia o auto de corpo de delito de fls. 10, em Dinorah que, desarmado, interviera em auxílio de seu irmão, procurando defendê-lo, tolhendo a ação do outro, o ferimento escrito no auto de fls. 12 e no Dr. Euclides da Cunha os ferimentos seguintes : na parte média do braço esquerdo, no punho e [ilegível] saindo a bala na face palmar da mão, e no dorso, à direita, dos quais nos dá conta o auto de exame cadavérico a fls. 36.
Depois disto, em face das declarações do denunciado, das de seu irmão, das testemunhas e da inspeção do local do crime, tudo se esclarece. Impossibilitado de continuar na luta pelas lesões sofridas, principalmente a do punho direito, que lhe tolhia o manejo da arma, o Dr. Euclides da Cunha recua, volta à sala de visitas, toma pela porta que dava acesso ao jardim, desce a pequena escada e encaminha-se para o portão. É neste momento preciso que o denunciado à espreita o segue, surge à soleira da porta da sala de visitas e, num movimento de cólera e de vingança, que bem denotam as palavras "Espera cachorro", ouvidas por uma das informantes, contra aquele homem inerme e em retirada, seu parente, a quem devia atenções, que retribuíra com o mais nefasto procedimento, ferindo-o cruamente em sua honra, desfecha do alto em pleno peito, um tiro que o prostrou morto : o ferimento circular, na região infraclavicular direita, lesando o pulmão no lobo superior, que descreve em primeiro lugar o auto de fls. 36. A descrição pericial, concorde com o depoimento das testemunhas e dos informantes, confirma que a direção do tiro foi de cima para baixo (v. fls. 38 v.).
Não pode o denunciado acobertar-se com a justificativa da legítima defesa. É requisito essencial desta a atualidade da agressão (art. 34 n. 1 do Cód. Penal), e este falha absolutamente no caso. O perigo estava passado, o mal já consumado, os ferimentos, que impossibilitavam a continuação da agressão, visíveis e notórios, o agressor em retirada: o ato praticado em tais condições contra esse homem não foi de defesa, foi de exasperação e de vingança.
Nestes termos, estando o denunciado incurso nas penas do art. 294 § 2.° do Código Penal, agravado pela circunstância do art. 39 § 5.° do mesmo Código, requer o abaixo assinado se proceda aos termos do sumário da culpa, citado o denunciado para esse fim o acusa, digo, fim e as testemunhas e os informantes abaixo arrolados para deporem sobre o fato, sob as penas da lei.
P. Deferimento.
Testemunhas:
1) Henriqueta Medeiros de Araujo - Estrada Real de Santa Cruz, 183
2) Constantino Fontainha - Idem, 216
3) Joaquim Vaz de Araujo - Idem, 185
4) Anna de Almeida Lima - Idem, 214
5) Maria Augusta Fontainha Cabral - Idem, 216
Informantes:
1) Celina Fontainha Cabral
2) Dinorah Cândido de Assis
3) Solon da Cunha
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A pronúncia do réu
Vistos estes autos de sumário crime por denúncia do M. Público contra Dilermando Cândido de Assis, como incurso no art. 294 § 2° do Código Penal:
Na denúncia de fls. 2 alega o Dr. Adjunto dos Promotores perante a 13 Pretoria que na manhã de 15 de agosto do corrente ano de 1909, na casa n° 214 da Estrada Real de Santa Cruz, residência do denunciado, este armado de um revólver, disparou-o contra o Dr. Euclides da Cunha, fazendo-lhe, na região infraclavicular direita, o ferimento descrito no auto de autópsia de fls. 39, que lesou o pulmão direito do ofendido, produzindo-lhe a morte imediata.
Em nessa ocasião não houvera agressão contra o denunciado por parte do ofendido; ao contrário, este, que estava desarmado e ferido, descera a escada e encaminhava-se para o portão do jardim, procurando sair, quando o denunciado que o espreitava e seguia, surgiu à soleira da porta da sala de visitas e matou-o pela forma acima descrita;
Procedeu-se a formação da culpa com a presença do denunciado que foi qualificado e interrogado, não oferecendo defesa alguma, opinando o M. Público pela pronúncia nos termos da denúncia.
Considerando que a perícia médico legal no cadáver da vítima atesta como causa mortis — hemorragia do pulmão direito, devida a ferimento por arma de fogo, atravessando de um lado a outro esse órgão. Que a prova dos autos faz certo ter sido o denunciado o autor dessa lesão corporal que, por sua natureza e sede, foi a causa eficiente da morte do ofendido;
Julgo procedente a denúncia para pronunciar, como pronuncio, Dilermando Cândido de Assis incurso no art. 294 § 2° comb. com o art. 295 do Código Penal. O Escrivão lavre o nome do réu no rol dos acusados e o recomende na prisão onde se acha. Custas afinal Rio, 27 de dezembro de 1909.
Antonio Marques da Costa Barbosa
Seguem certidões e despachos de expediente.
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