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Entrevista - Reformas constitucionais política e tributária

O professor Clémerson Cléve - escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados – foi destaque em entrevista publicada pelo jornal Gazeta do Povo sobre as reformas constitucionais política e tributária.

6/10/2008


Entrevista

 

O professor Clémerson Cléve - escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados – foi destaque em entrevista publicada pelo jornal Gazeta do Povo sobre as reformas constitucionais política e tributária.

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Constitucionalista reflete sobre reformas constitucionais

Nos vinte anos da CF/88, o país discute a necessidade de promover as reformas política e tributária. Sobre o assunto, em entrevista concedida ao jornalista Rhodrigo Deda, do jornal Gazeta do Povo, o constitucionalista Clèmerson Merlin Clève, Professor Titular dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná e da UniBrasil, disse o seguinte:

Rhodrigo Deda: Qual a sua opinião sobre a necessidade das reformas (especialmente a tributária e a política) realizadas na CF/88?

Clèmerson Clève : A Constituição foi alterada mais de sessenta vezes, nestes vinte anos de vigência, se computadas também as emendas aprovadas por ocasião da revisão de l993. A mudança constante da Constituição erode a sua força normativa, alertava um constitucionalista célebre. Mas o congelamento do seu texto pode, por outro lado, significar a sua superação pelos fatos. A Constituição de l988 é, como sabemos, expansiva, analítica, detalhista. Daí a necessidade de modificações, de reformas para atualizá-la, especialmente no contexto de um mundo mutante, líquido, em trânsito constante para outros estados ou condições. No caso do Brasil, muitas das emendas são criticáveis, outras necessárias, embora muitas vezes redigidas sem apuro técnico. O Congresso nesse campo deve atuar de modo cauteloso, sempre com parcimônia. O segredo da duração da normativa constitucional é o equilíbrio entre a permanência e a mudança. Dito isso, cumpre concordar que as reformas política e tributária são necessárias, inevitáveis mesmo. O teste da experiência constitucional aponta para a tarefa de reformar a Constituição nos sítios citados. A questão, entretanto, não é tão simples. Do diagnóstico compartilhado não emergirá obrigatório consenso em relação à singularidade do remédio.

Falemos, em primeiro lugar, sobre a reforma tributária. Todos sabemos que o país apresenta hoje uma carga tributária considerável. Ela em si não constitui problema, se os recursos decorrentes são aplicados de modo adequado, para a satisfação das demandas da sociedade, a realização dos direitos, particularmente os sociais, proclamados pelo texto constitucional, em uma palavra, para a prossecução dos interesses públicos. Não há uma fórmula pronta. As sociedades são livres para, dentro de um horizonte razoável, que não inviabilize o empreendimento humano, definir a carga de tributos que pretendem suportar. Há, mesmo, um dever fundamental de pagar impostos, a boa doutrina adverte. Afinal, todos haveremos de contribuir para a manutenção da república. O problema não é a carga, mas a distribuição eqüitativa dela, a sua racionalidade, o que exige em termos de custos (dinheiro e tempo) para o cumprimento das obrigações acessórias, a sua transparência. E aqui, é preciso concordar que o nosso sistema tributário, a começar pelo constitucional, peca pela falta de racionalidade, por sua excessiva complexidade, pela distribuição injusta de sua incidência. A famosa guerra fiscal constitui mal menor quando comparada a tudo isso. Sem dúvida, então, a reforma tributária é necessária. Inevitável mesmo, inclusive para que o país possa proporcionar justiça tributária, sempre de olho, por outro lado, nas exigências que o processo de globalização impõe à nossa economia. Ocorre, que a reforma tributária que ora tramita no Congresso Nacional, inclusive violadora do pacto federativo, não é aquela necessária, e muito menos aquela reclamada pela sociedade brasileira. Apresenta, é verdade, num texto confuso e padecente de falta de qualidades técnicas, alguma simplificação, maior dose de racionalidade. Mas fica por aí. Nosso sistema continuará injusto e complexo. É uma pena.

Em relação à reforma política, igualmente cumpre discutir o que se pretende. Aqui também há problemas. Vejo alguma dificuldade na aprovação da reforma necessária. Talvez o Congresso altere o sistema político um pouco aqui, algo acolá, mas tudo sem a extensão que o país reivindica. Que problemas precisam ser resolvidos? Ora, temos dificuldades naquilo que envolve a autenticidade da representação. Vemos, no Congresso, em função de sua composição e do modo como os parlamentares alcançam seus mandatos, alguns interesses super-representados ao lado de muitos representados de modo insuficiente. A agenda política nem sempre reflete os anseios do país. Além disso, há o problema da fidelidade partidária (parcialmente resolvido pelo Judiciário, TSE e STF), as dificuldades do sistema proporcional, a hiper-representação de alguns Estados, o abuso das medidas provisórias a trancar a pauta do Congresso, entre tantos outros. De outro lado, está-se a experimentar, do ponto de vista jurídico, um hiperpresidencialismo que, do ponto de vista político, precisa compor uma base de apoio, quase sempre instável, para poder governar. Ou seja, um presidencialismo forte do ponto de vista jurídico que, do ponto de vista fático e político, não consegue esconder sua debilidade, sempre dependente de acordos efêmeros com os parlamentares que formam a sua base de sustentação no Congresso, mas não apenas com eles. E aqui, a moeda de troca são os cargos públicos e as emendas orçamentárias. Daí, ter razão o Ministro Gilmar Mendes, quando diz que o orçamento deve assumir caráter impositivo. Vou além. Devem ser proibidas as emendas individuais e repensadas as transferências voluntárias da União para Estados e Municípios, base de toda negociação para a aprovação de emendas e ulterior liberação dos recursos num orçamento sempre contingenciado pelo Executivo para melhor poder negociar quando necessário. Como se vê, o desafio é enorme. Não estou convencido, entretanto, que esta legislatura esteja à altura de tarefa de tal magnitude.

- Há o risco de as reformas constitucionais referidas dificultarem o acesso à cidadania e à efetivação dos direitos sociais?

Não, esse risco não corremos, penso. Os direitos sociais, para a sua efetivação, demandam recursos públicos. A diminuição da carga tributária não está inscrita na agenda da reforma tributária. Seus defensores, neste ponto, cuidam de apresentá-la como neutra. A considerar a experiência recente, poderá significar até um pequeno incremento das receitas do Estado. Também a cidadania, pensada exclusivamente enquanto manifestação do universo político (sabemos que o conceito, hoje, é mais amplo), não corre risco com a possível reforma. Temos, hoje, no Brasil, afortunadamente, consenso em relação à bondade da democracia. Aliás, seria o caso de se cogitar até de um fortalecimento da cidadania, se levados em consideração pelo Congresso as propostas para a ampliação das técnicas de democracia direta, como propõe a OAB. Mas isso não significa que os problemas acima apontados serão resolvidos a curto prazo. Como disse, sou cético neste ponto.

- O tema da reforma política foi levantado pelo presidente do STF, em entrevista publicada pela Folha de SP, na segunda feira. Disse o Ministro Gilmar Mendes:

"Há um problema de funcionalidade decorrente do próprio mecanismo do sistema eleitoral, que adotamos desde 1932, o modelo proporcional, que dificulta a formação de maioria para um modelo decisório e está produzindo distorções. De um lado, a intervenção excessiva do Executivo, distorções na realidade orçamentária, que acredito ser um ponto sério de reforma, para ter um Orçamento digno deste nome, real, efetivo, minimamente impositivo. Você pode ter necessidade de adaptação, mas hoje temos grandes problemas, inclusive da manipulação do sistema político, pelas tais emendas parlamentares. A feitura do Orçamento à medida que a fila anda, com a abertura de créditos extraordinários a cada momento para situações que são corriqueiras. É preciso rediscutir."

Como fazer uma reforma que corrija essas distorções? Do ponto de vista político, qual sua opinião sobre a viabilidade da aprovação pelo atual parlamento de uma reforma dessa natureza?

Creio ter respondido a estas duas perguntas por ocasião do enfrentamento das questões anteriores.

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