Migalhas Quentes

MS coletivo impetrado pela AASP no TJ/SP contra taxa de desarquivamento de processo

Íntegra do Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela AASP - Associação dos Advogados de São Paulo no TJ/SP contra taxa de desarquivamento de processo.

18/7/2008


Taxa

Íntegra do Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela AASP - Associação dos Advogados de São Paulo no TJ/SP contra taxa de desarquivamento de processo.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRIMEIRO VICE-PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – ÓRGÃO ESPECIAL.

A ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO – AASP, associação civil sem fins lucrativos, qualificada no incluso instrumento de mandato (docs. 01), por seus advogados, vem, respeitosamente à presença de V.Exa., com fundamento no art. 5º, XXI, LXIX e LXX da Constituição Federal e na forma da Lei nº 1.533/51, impetrar o presente

M A N D A D O D E S E G U R A N Ç A C O L E T I V O

contra ato do Excelentíssimo Senhor DESEMBARGADOR PRESIDENTE DESSE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ou quem lhe faça as vezes no exercício da coação impugnada, pelas seguintes razões de fato e de Direito.

D O S F A T O S

A Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) estabelece, dentre várias, as seguintes prerrogativas, verbis:

“Art. 7º São direitos do advogado:

(...)

XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos;

(...)

XV - ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;

XVI - retirar autos de processos findos, mesmo sem procuração, pelo prazo de dez dias;”

Em que pese a clareza dos dispositivos mencionados, o direito do advogado de acesso aos autos de quaisquer processos, garantido por lei, vem sendo cerceado, no âmbito da Justiça Estadual de São Paulo, em relação aos processos arquivados, sejam eles findos ou aqueles mantidos nos Ofícios de Justiça.

Isso porque o desarquivamento de autos, obviamente necessário para sua consulta, deve ser obrigatoriamente precedido do recolhimento de valor fixado e atualizado periodicamente por essa d. Presidência do Tribunal de Justiça1, exigido a cada pedido de desarquivamento feito em cartório.

O fundamento para a exigência residiria no fato de o desarquivamento de processos gerar custos para a Administração Pública, como se verifica dos considerandos da Portaria nº 2.850/95, que originariamente instituiu a cobrança, verbis:

“Considerando as medidas tomadas para a modernização do arquivamento de processos findos dos Ofícios Judiciais, visando, inclusive, sua boa conservação;

Considerando que o desarquivamento de processos findos dos Ofícios Judiciais representa custo para o serviço público de natureza forense prestado pelo Tribunal de Justiça;

Considerando a instituição, pela Lei Estadual nº 8.876, de 02 de setembro de 1994, do Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça de São Paulo, com a finalidade de prover recursos para, entre outras, assegurar a modernização administrativa do Tribunal do Justiça;

Considerando os estudos levados a efeito no processo nº 10/95 – DEPRI,....”.

Conforme se observa da leitura do trecho supratranscrito, o ato do Sr. Presidente desse Tribunal de Justiça reconheceu, expressamente, tratar-se o desarquivamento de autos de prestação de serviço público de natureza forense.

Por outro lado, a exigência seria supostamente alicerçada na Lei nº 8.876, de 2 de setembro de 1994, que instituiu o Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça de São Paulo, para o qual é destinado o produto da arrecadação da taxa ora comento, consoante determinado pelo art. 3º da Portaria nº 6.431/2003.

Ocorre que a cobrança em questão não merece prosperar, na medida em que viola frontalmente o princípio da estrita legalidade, perpetrado pelo artigo 150, I, da Carta Magna e reforçado pelo artigo 97, do CTN, como se demonstrará a seguir.

Considerando tais vícios, a Impetrante oficiou o DD. Presidente desse E. Tribunal de Justiça de São Paulo (Of. nº S-1857/2007 – doc. 02), a fim de que fosse afastada a cobrança de valores para o desarquivamento de autos.

Nada obstante os argumentos da Impetrante, foi recebida resposta do Sr. Juiz Assessor da Presidência, “de ordem do Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça”, que se limitou a consignar que “o assunto em questão já foi objeto de apreciação e decisão da Egrégia Presidência, sendo que a cobrança desse serviço está autorizada na Lei 8.876/94, artigo 3º, inciso IX, conforme cópias dos pareceres que encaminho em anexo” (Ofício nº 1029/07 – doc. 03).

Data maxima venia, não pode a Impetrante conformar-se com a exigência em tela.

Senão, vejamos.

D O D I R E I T O

I – PRELIMINARMENTE

1) Da Legitimidade Ativa ad causam.

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar a legitimidade ativa da Impetrante para a propositura da presente demanda. Com efeito, trata-se de associação civil, sem fins lucrativos, fundada há mais de 65 anos, que tem por finalidade, dentre outras, defender direitos, interesses e prerrogativas de seus associados e dos advogados em geral, podendo impetrar, em seu favor, mandado de segurança coletivo (artigo 2º, letras “a” e “g” do Estatuto da Associação dos Advogados de São Paulo – docs. 01).

Nesse sentido e consoante reza o artigo 5º, LXX, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988, o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por “organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados” (destacamos).

Ademais, o C. Supremo Tribunal Federal decidiu que a “associação regularmente constituída e em funcionamento pode postular em favor de seus membros ou associados, não carecendo de autorização especial em assembléia geral, bastando a constante do estatuto” (RE nº 141.733, DJ 01/09/95 - destacamos), orientação esta que foi cristalizada pela Súmula 629: “a impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”.

Por fim, cumpre ressaltar que, ainda que se considere que os associados da Impetrante não sejam os únicos interessados na questão ora posta em debate, tal fato não impede a presente impetração, a teor do que dispõe expressamente o §2º do art. 1º da Lei n 1.533/51: “Quando o direito ameaçado ou violado couber a varias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança” (destacamos).

Dessa forma, a pertinência subjetiva ad causam da Impetrante não é prejudicada ainda que o conjunto de interessados não seja composto, apenas, pelo grupo de interessados sob sua específica proteção. Em outras palavras, a coexistência de outros titulares não priva qualquer deles da própria iniciativa, para a qual todos têm legitimidade autônoma.

Corrobora esse entendimento jurisprudência pacífica dos C. STJ e STF, como se observa, exemplificativamente, dos seguinte julgados, verbis:

“MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. ASSOCIAÇÕES. LEGITIMAÇÃO ATIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS E DIFUSOS. ART. 5º, LXX, "b" da CF/88.

1. Não se pode aceitar como óbice à legitimação ativa da associação o fato de, também, estar defendendo direitos individuais dos seus associados e, dentre os interessados estarem pessoas estranhas aos seus quadros, pois, pelo alcance da norma contida no art. 5º, LXX, ‘b’ da CF/88, a hipótese não é de representação, mas de defesa dos interesses de seus filiados e, também, da categoria.

2. Precedentes do STJ e do STF.

3. Recurso provido.”

(STJ - RMS 4.821/RJ, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 04.05.1999, DJ 31.05.1999, p. 155 - destacamos)

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ASSOCIAÇÃO. DEFESA DOS INTERESSES DOS ASSOCIADOS EM LITÍGIO. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. DESNECESSIDADE.

I - A associação regularmente constituída e em funcionamento pode postular em favor de seus membros ou associados, não carecendo de autorização especial em assembléia geral.

II - A legitimação para manejar a ação de segurança é atribuída aos entes consignados no art. 5.º, inciso LXX, da CF/88, e independe de autorização de quaisquer interessados.

III - Precedentes do STJ.

IV - Recurso provido, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para que se pronuncie sobre a questão de fundo da impugnação mandamental, excluído o assunto da legitimidade.”

(STJ - RMS 7.846/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEGUNDA TURMA, julgado em 12.03.2002, DJ 22.04.2002, p. 182 - destacamos)

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. C.F., art. 5º, LXX, ‘b’.

I. - A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. C.F., art. 5º, LXX.

II. - Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação.

III. - O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe.

IV. - R.E. conhecido e provido.”

(STF - RE 193.382/SP, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 28.06.1996, DJ 20.09.1996, p. 34547 - destacamos)

Ademais, trata-se, na hipótese, de matéria de interesse predominante dos associados da Impetrante, regulada por dispositivo legal específico, qual seja, o já mencionado art. 7º, incisos XIII, XV e XVI, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil).

De todo o exposto resulta a patente legitimidade ativa da Impetrante para a presente impetração, que guarda pertinência com os seus objetivos estatutários e com as prerrogativas de seus associados.

2) Do Cabimento do Mandado de Segurança Preventivo.

Justifica-se a impetração do presente remédio constitucional por se tratar de imposição de valores para desarquivamento de processos decorrente de “ato administrativo praticado por magistrado” – no caso, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente Desse E. Tribunal de Justiça – “no desempenho de funções de administração da justiça”, os quais, conforme leciona Hely Lopes Meireles, “sujeitam-se a correção por via do mandamus” (in “Mandado de Segurança”, Ed. Malheiros, 16ª Edição, 1988, p. 26), a quem cabe suspender a exigência impugnada.

Na hipótese, o valor cobrado para efeitos de desarquivamento dos autos é exigido previamente ao gozo do serviço público correlato, de modo que, a cada novo requerimento nesse sentido, deve ser procedido o respectivo pagamento, sem o qual não se terá acesso aos autos do processo.

Desta forma, trata-se de exigência a que o requerente do desarquivamento não pode se furtar, sequer para efeitos de seu questionamento, sendo a impetração preventiva a única forma de se evitar a consumação do ato coator em questão sem que seja o interessado privado de seu direito legalmente reconhecido ao exame dos autos de quaisquer processos, findos ou em curso.

Nesse contexto, não há que se falar em decadência do direito à impetração, nos termos da maciça jurisprudência do C. STJ, demonstrada, exemplificativamente, pelo seguinte julgado, verbis:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS – ANO-BASE 1989 – IPC – OTN-FISCAL – IMPETRAÇÃO EM 1994 – DECADÊNCIA – ART. 18 DA LEI 1.533/51 – INOCORRÊNCIA.

1. Esta corte tem entendido que, em se tratando de writ preventivo, não há que se falar no prazo decadencial do art. 18 da Lei 1533/51.

2. Recurso especial provido.”

(REsp 769.599/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.09.2007, DJ 26.09.2007 p. 204)

De outro lado, há ainda que se considerar que a exigência em questão configura ato de trato sucessivo, que se renova a cada requerimento de desarquivamento, de modo que, também por esta razão, não haveria de se cogitar em decadência na hipótese.

Sobre o tema, merecem destaque os ensinamentos de Hugo de Brito de Machado, verbis:

“Realmente, sendo possível a formulação periódica da exigência fiscal, mediante auto de infração lavrado sempre que finda o período de apuração do imposto sem que tenha havido o pagamento correspondente, é possível contra cada um desses autos de infração um mandado de segurança. Do mesmo modo, é possível a impetração preventiva tendo em vista o receio de lavratura de cada um deles. E em sendo assim, é evidente que o prazo de decadência recomeça a cada período em que a exigência fiscal tida como indevida é formulada, ou se tem receio de que venha a ser formulada” (in “Mandado de Segurança Preventivo e Decadência do Direito à Impetração”, Revista Dialética de Direito Tributário nº 83, 2002, p. 77 – destacamos).

Ainda que, no caso concreto, não se cuide de cobrança sujeita à lavratura de auto de infração, trata-se de exigência fiscal (cujo caráter de tributo se demonstrará a seguir) formulada a cada pedido de desarquivamento de autos, configurando-se claramente a hipótese de ato de trato sucessivo, que não está sujeito ao prazo decadencial previsto no artigo 18 da Lei nº 1.533/51.

Nessa esteira, prossegue Hugo de Brito, verbis:

“A jurisprudência tem feito a ‘distinção entre ato administrativo único, mas com efeitos permanentes, e atos administrativos sucessivos e autônomos, embora tendo como origem norma inicial idêntica. Na primeira hipótese, o prazo do art. 18 da lei do mandado de segurança deve ser contado da data do ato impugnado, na segunda, porém, cada ato pode ser atacado pelo writ e, assim, a cada qual corresponderá prazo próprio e independente’ (STF Recurso Extraordinário nº 95.528-PR, rel. Ministro Néri da Silveira, publicado na RT nº 112, pp. 278/281).

Em se tratando de relação tributária continuativa, não há dúvida de que se terá diante da segunda hipótese, vale dizer, cada ato pode ser atacado pelo writ, e a cada um deles, portanto, se inicia novo prazo para a impetração” (op. cit. – p. 78 – destacamos).

A este respeito, já lecionava Hely Lopes, em sua mencionada obra, verbis:

“Nos atos de trato sucessivo, como no pagamento de vencimentos ou outras prestações periódicas, o prazo renova-se a cada ato e também não corre durante a omissão ou inércia da Administração em despachar o requerido pelo interessado” (destacamos – p. 41).

No caso concreto, a cobrança de valor para desarquivamento de autos é ato que gera exigência autônoma a cada pedido efetuado pelo interessado, motivo pelo qual se trata, inequivocamente, de ato de trato sucessivo, autorizando a impetração a qualquer momento em que se tenha o justo receio de cobrança.

Nesse sentido, ressalte-se o seguinte trecho de acórdão proferido pelo C. Superior Tribunal de Justiça em caso similar, verbis:

“(...). Não houve a decadência porque o ato impugnado, a Circular nº 125 (doc. de fl. 41), cujos efeitos renovam-se diariamente, é ato de trato sucessivo, não se podendo falar em extinção do direito de requerer mandado de segurança (art. 18 da Lei 1.533/51)” (REsp 227.778/RS, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21.10.1999, DJ 29.11.1999 p. 139 - destacamos).

Também o Pretório Excelso examinou a questão, adotando o mesmo entendimento:

“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO DECADENCIAL PARA IMPETRAÇÃO. INOCORÊNCIA. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. PROVIMENTO DO RECURSO.

O prazo de impetração do mandado de segurança é de 120 dias, contados da data da ciência do ato impugnado (art. 18 da Lei 1.533/1951). Contudo, em se tratando de prestações de trato sucessivo, o prazo renova-se a cada ato.

Precedentes.

Recurso a que se dá provimento.”

(RMS 22.736/DF, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, julgado em 03.05.2005, DJ 05.08.2005 p. 119 – destacamos)”

Da íntegra do julgado, vale destacar o seguinte trecho do voto relator:

“Conforme assentado pelo Pleno no julgamento do MS 21.248 (rel. min. Marco Aurélio, DJ 27.11.1992), o prazo para interpor mandado de segurança, em se tratando de prestações de trato sucessivo, renova-se a cada ato. Se inexistir indeferimento expresso da pretensão, não há que se falar em decadência. Confira-se, nesse sentido, o seguinte trecho do voto do ministro Carlos Velloso:

‘Não houve indeferimento expresso. O que ocorreu foi a incidência da lei, e, tratando-se de prestações sucessivas, a cada mês seguinte ao mês de abril de 1991, renovou-se o prejuízo. Assim, Sr. Presidente, inexistindo o ato expresso de indeferimento, tanto que, no caso, tem-se mandado de segurança preventivo, segue-se a inocorrência da decadência, tendo em vista, conforme disse, tratar-se de prestações sucessivas’ ” (destacamos).

Portanto, sob qualquer enfoque em que se analise a questão ora posta em debate, há que se reconhecer, de forma inequívoca, o cabimento da presente impetração no caso concreto.

II – NO MÉRITO

1) Da natureza jurídica das custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais.

O tema pertinente à natureza jurídica das custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais há muito é objeto de exame pela doutrina e jurisprudência, que analisaram o conceito de serviço público, interpretando-o à luz do conceito constitucional de taxa – espécie de tributo –, para definir se as custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais estariam subsumidos à idéia de preço público ou à de taxa.

A corrente majoritária e vencedora firmou premissas a partir das quais tornou-se inafastável a caracterização das custas e emolumentos como tributos, da espécie taxa.

De fato, a atividade estatal, consistente na administração da Justiça, insere-se no conceito de serviço público, seja quando exerce sua atividade fim – solução de conflitos – seja quando exerce sua atividade meio – condições para o exercício da competência jurisdicional.

Outrossim, todo serviço público – aquele que pode ser prestado e que admite utilização pelo contribuinte – e que for específico e divisível poderá ensejar a instituição de taxas, a teor do comando constitucional contido no artigo 145, II, da Constituição Federal de 1988.

O C. STF, sob a égide a carta anterior, examinando a constitucionalidade do Decreto nº 16.685, de 26.02.1981, do Governo do Estado de São Paulo, decidiu que sua natureza não é de preço público, mas sim, de taxa, em razão do que não podiam ter seus valores fixados por decreto, porque sujeitos ao princípio constitucional da legalidade2. No mesmo sentido a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 116.208-MG3.

Já na vigência da Constituição Federal de 1988, a Suprema Corte manteve uníssono entendimento, decidindo que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se quer no que concerne à sua instituição e majoração e mesmo à sua exigibilidade, ao regime jurídico constitucional pertinente aos tributos.

Nesse diapasão, verifiquem-se os seguintes julgados, verbis:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TAXA JUDICIÁRIA. NATUREZA JURÍDICA: TRIBUTO DA ESPÉCIE TAXA. PRECEDENTE DO STF. VALOR PROPORCIONAL AO CUSTO DA ATIVIDADE DO ESTADO.

Sobre o tema da natureza jurídica dessa exação, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de se tratar de tributo da espécie taxa (Representação 1.077). Ela resulta da prestação de serviço público específico e divisível, cuja base de cálculo é o valor da atividade estatal deferida diretamente ao contribuinte. A taxa judiciária deve, pois, ser proporcional ao custo da atividade do Estado a que se vincula. E há de ter um limite, sob pena de inviabilizar, à vista do valor cobrado, o acesso de muitos à Justiça. Ação direta julgada parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 2º e 5º do artigo 114 do Código Tributário de Goiás.”

(ADI 948-6/GO, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, Tribunal Pleno, julgado em 09.11.2005, DJ 17.03.2000, p. 02 – destacamos – íntegra anexa – doc. 04)

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. 959, do Estado do Amapá, publicada no DOE de 30.12. 2006, que dispõe sobre custas judiciais e emolumentos de serviços notariais e de registros públicos, cujo art. 47 - impugnado - determina que a ‘lei entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 2006’: procedência, em parte, para dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivos questionado e declarar que, apesar de estar em vigor a partir de 1º de janeiro de 2006, a eficácia dessa norma, em relação aos dispositivos que aumentam ou instituem novas custas e emolumentos, se iniciará somente após 90 dias da sua publicação. II. Custas e emolumentos: serventias judiciais e extrajudiciais: natureza jurídica. É da jurisprudência do Tribunal que as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais tem caráter tributário de taxa. III. Lei tributária: prazo nonagesimal. Uma vez que o caso trata de taxas, devem observar-se as limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre essas, a prevista no art. 150, III, c, com a redação dada pela EC 42/03 - prazo nonagesimal para que a lei tributária se torne eficaz.”

(ADI 3.694-7/AP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 20.09.2006, DJ 06/11/2006, p. 221 – destacamos – íntegra anexa – doc. 04).

De outro lado, em que pese o entendimento já exarado por esse C. Tribunal de Justiça (MS 064.246-0/0-00, Rel. Desembargador Fonseca Tavares), no sentido de que “se a ordem jurídica não obriga a utilização do serviço público, não ficará o preço sujeito às restrições do sistema tributário”, tal conclusão não se coaduna com a premissa estabelecida na própria decisão, no sentido de que “o exemplo clássico de serviço público próprio é o da prestação jurisdicional” (destacamos).

Como leciona Roque Carrazza, “o serviço público é bem indisponível. O Estado não dispõe do serviço público: presta-o, nos termos da lei, para atender, conforme determina a Constituição, ao interesse público. É, pois, rex extra commercium e, nesta medida, insuscetível de negociação. Claro está, pois, que não pode ensejar a cobrança de preço, que, além de pressupor igualdade das partes contratantes, exige disponibilidade do objeto do negócio” (in “Curso de Direito Tributário”, Ed. Malheiros, 23ª Edição, 2007, p. 527).

Com efeito, não se trata, na hipótese presente, de preço público, pois este só se verifica quando o particular tem a opção de satisfazer suas necessidades de outra forma que não pela utilização do serviço público. A este respeito, bem elucida Hugo de Brito Machado, verbis:

“Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias dos tributos. O contribuinte estará seguro de que o valor dessa remuneração há de ser fixado por critérios definidos em lei. Terá, em síntese, as garantias estabelecidas na Constituição

(...) À liberdade que tem o Poder Público na fixação do preço público, sem a necessidade de lei a estabelecer os critérios para a determinação do valor devido, corresponde a liberdade do cidadão de utilizar, ou não, o serviço correspondente.

(...) Se o contribuinte não tem essa liberdade, porque é compulsória a utilização do serviço, o Poder Público estará igualmente limitado pela ordem jurídica no pertinente aos critérios para a fixação do valor a ser cobrado, que será um tributo” (in “Curso de Direito Tributário”, Ed. Malheiros, 27ª Edição, 2006, p. 442 - destacamos).

Ora, no caso da atividade ora em comento, qual seja, o desarquivamento de processos, não é dada outra opção ao interessado que não a de se utilizar do serviço público para tal fim, não lhe sendo facultado providenciar de qualquer outra maneira o acesso aos autos arquivados.

Nem se diga, aliás, que a concessão da prestação do serviço a terceiros, particulares, desnaturaria o caráter público da atividade, transformando-a em relação contratual, por meio da qual se legitimaria a cobrança de preço por prestação de serviço público.

Nesse sentido, prossegue Carrazza: “(...) se o legislador quiser fazer ressarcir, pelos usuários, serviços públicos específicos e divisíveis efetivamente prestados ou postos à disposição, só poderá fazê-lo por meio de taxa (de serviço, no caso).” Mais adiante, consigna: “Este quadro não se altera se os serviços forem prestados mediante concessão ou permissão. A política tarifária, a que alude o art. 175, parágrafo único, III, do Diploma Fundamental, deve ser realizada não pelo utente do serviço público, mas pela pessoa política que o concedeu ou permitiu. Melhor dizendo, o destinatário imediato desta norma constitucional não é o fruidor do serviço público concedido ou permitido, mas o Poder Público concedente ou permitente” (op. cit. – destacamos).

Nessa esteira já decidiu o C. Pretório Excelso, verbis:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO.

1. Já ao tempo da Emenda Constitucional nº 1/69, julgando a Representação nº 1.094-SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que ‘as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais’, por não serem preços públicos, ‘mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa’ (RTJ 141/430, julgamento ocorrido a 08/08/1984).

2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do RE nº 116.208-MG.

3. Esse entendimento persiste, sob a vigência da Constituição atual (de 1988), cujo art. 24 estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislar sobre custas dos serviços forenses (inciso IV) e cujo art. 150, no inciso I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, a exigência ou aumento de tributo, sem lei que o estabeleça.

4. O art. 145 admite a cobrança de ‘taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição’. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução - do Tribunal de Justiça - e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. 5. Aqui não se trata de ‘simples correção monetária dos valores anteriormente fixados’, mas de aumento do valor de custas judiciais e extrajudiciais, sem lei a respeito.

6. Ação Direta julgada procedente, para declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 07, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.”

(ADI 1.444-7/PR, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 12.02.2003, DJ 11.04.2003, p. 25 – destacamos – íntegra anexa – doc. 05)

Uma vez demonstrado que as custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais têm natureza tributária, da espécie taxa, resta verificar se as premissas antes referidas aplicam-se à hipótese em exame.

No caso, há, nitidamente, existência de serviço público. De fato, trata-se de atividade meio exercida pelo Poder Judiciário para viabilizar a administração da justiça.

Por sua vez, o serviço é, efetivamente, prestado (desarquivamento de processos) e utilizado pelo contribuinte. Há, pois, referibilidade direta entre o serviço e o contribuinte. Ainda, o serviço público prestado é específico e divisível e a prestação pecuniária é compulsória.

Estão presentes na hipótese concreta, portanto, os requisitos que identificam e determinam a natureza jurídica do valor cobrado como taxa, espécie tributária subordinada a todos os princípios que regem a tributação (artigo 145, II, combinado com o artigo 150 e seguintes da CF), em especial o princípio da estrita legalidade (artigo 150, I, da CF-88).

2) Da Violação ao princípio da estrita legalidade – art. 150, I, da CF-88 e artigo 97, do CTN – Inconstitucionalidade e ilegalidade da Portaria nº 6.431/2003 (e Portaria nº 7.219/2005).

O princípio de legalidade, inserido no art. 5º, II da Carta Magna e reiterado no art. 150, inciso I, no capítulo concernente às limitações ao poder de tributar, é tratado por toda doutrina como peça basilar da democracia e do Estado de Direito, verdadeiro princípio-vetor, o “mais universal”4 de todos, sobre o qual se alicerçam os fundamentais direitos e garantias.

Também o CTN, em seu artigo 97, reitera a necessidade de lei na instituição/majoração de tributos, no bojo do que já determina a Carta Magna:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”

É pacífico que, para efeitos de criação de tributos, torna-se indispensável, inclusive por imperativo dirigido ao legislador, que somente a lei institua qualquer obrigação tributária, única e efetiva garantia do contribuinte da obrigação, de modo a impedir qualquer margem à discricionariedade da Administração.

O propósito do princípio da reserva legal é justamente de só autorizar à lei a criação de imposições e, de outro lado, proibir excessos interpretativos que dêem elasticidade aplicacional à mesma lei, por parte das autoridades encarregadas de empregá-la.

Além disso, a Portaria, como ato administrativo de caráter secundário, não tem competência para inovar na ordem jurídica, estando adstrito ao conteúdo veiculado pela lei no qual se fundamentou.

Em matéria tributária, a LEI constitui a regra de orientação da Administração, conforme decidido pela Suprema Corte em inúmeros julgados, valendo destacar a decisão proferida na ADIN nº 1.296/97, mais precisamente o voto do Min. Celso de Mello, que bem sintetiza o entendimento ora esposado:

“É preciso enfatizar que a essência do direito tributário reside na integral submissão do poder estatal à rule of law, de tal modo que, respeitados os postulados fixados pela própria Constituição, a eficácia da atividade governamental em matéria tributária resulte sempre condicionada por tudo quanto haja sido fixado pelo legislador em sede jurídica adequada, vale dizer, por tudo quanto tenha sido ditado pelo Poder Público em lei.” (destaques originais)

Ainda nesta linha, a decisão proferida pelo Eg. TRF da 3ª Região nos autos da AMS nº 170.252, em decisão fundamentada no magistério do Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, verbis:

“Nos termos do art. 5º, II, ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’. Aí não se diz ‘em virtude’ de decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se ‘em virtude de lei’, logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se, em lei, já existir delineada a contenção ou imposição que o ato administrativo venha a minudenciar.(Elementos de Direito Administrativo, 3ª ed., pg. 50)” (Rel. Homar Cais., julgado em 26.06.96 - doc. 06)

Diante das manifestações doutrinárias e jurisprudenciais, não há como deixar de reconhecer a inconstitucionalidade da exigência perpetrada na Portaria nº 6.431/2003 (complementada pela Portaria nº 7.219/2005), editada pelo Sr. Presidente desse E. Tribunal de Justiça, em manifesta violação ao princípio da estrita legalidade, que rege os tributos em geral.

Nem se diga que a Portaria nº 6.431/2003, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo encontraria seu fundamento de validade na Lei nº 8.876, de 02 de setembro de 1994, que instituiu o Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A lei instituidora do fundo não tem o condão de legitimar a exigência, posto tratar-se de ato legislativo instituidor de Fundo, insuficiente a convalidar a cobrança de taxa, sujeita ao princípio da estrita legalidade.

De fato, a existência de lei instituidora de fundo não substitui a lei instituidora de tributo, a quem compete a criação da taxa e a identificação de sua hipótese de incidência, em todos os seus aspectos (pessoal, material e temporal).

Por outro lado, ainda que, a partir de 1997, a vinculação da receita decorrente do pagamento das custas para desarquivamento de processos ao Fundo Especial tenha sido autorizada pela Lei nº 8.876/94, tal fato não legitima mera Portaria como instituidora de tributo, sendo necessário, ainda, que a taxa fosse instituída por lei5. Todavia, ainda que assim se fizesse, incorreria a taxa em manifesto bis in idem, conforme se demonstrará adiante.

Ante o exposto, é inconstitucional a exigência de recolhimento de valor pela prestação de serviço de desarquivamento de processos posto tratar-se de taxa, submetida, assim, ao princípio da estrita legalidade, que impõe a sua instituição por lei, em sentido formal, que descreva sua hipótese de incidência (artigo 150, I, da CF-88 e art. 97, do CTN).

Se tanto não bastasse, no que respeita aos associados da Impetrante, o acesso aos autos de processos em curso ou findos é assegurado pelo art. 7º, XIII, XV e XVI da Lei nº 8.906/94 (antes transcrito) independentemente do pagamento de qualquer verba, que, assim, também por esta razão, somente poderia ser estabelecida por norma de igual hierarquia.

3) O desarquivamento é serviço público cujo custeio já se encontra abrangido pela Taxa Judiciária, prevista na Lei Estadual nº 11.608/2003 – Vedação do bis in idem.

Finalmente, acresça-se a circunstância de que o desarquivamento está abrangido na descrição da hipótese de incidência da taxa judiciária, abrangente dos serviços públicos de natureza forense e de todos os atos processuais, inclusive, dos atos da Secretaria dos Tribunais. Com efeito, estabelecem os arts. 1º e 2º da Lei Estadual nº 11.608/2003:

“Artigo 1º - A taxa judiciária, que tem por fato gerador a prestação de serviços públicos de natureza forense, devida pelas partes ao Estado, nas ações de conhecimento, na execução, nas ações cautelares, nos procedimentos de jurisdição voluntária e nos recursos, passa a ser regida por esta lei.

Artigo 2º - A taxa judiciária abrange todos os atos processuais, inclusive os relativos aos serviços de distribuidor, contador, partidor, de hastas públicas, da Secretaria dos Tribunais, bem como as despesas com registros, intimações e publicações na Imprensa Oficial.”

Vale dizer, a taxa é instituída pela prestação de serviços que não se limitam ao trâmite processual, mas abrangem largamente todos os atos da Secretaria, de sorte que, ao menos relativamente às partes, haveria dupla incidência ao se pretender a cobrança de qualquer valor para o desarquivamento de autos sobre cuja tramitação já houve (ou haverá, nos termos da lei) instituição da taxa judiciária, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico, por força do princípio do “non bis in idem”.

Ressalte-se, ademais, que o argumento exposto no Processo nº 10/95 – DEPRI (doc. 07), no sentido de que a taxa judiciária prevista na Lei Estadual nº 4.952/85 (atual Lei nº 11.608/2003) apenas abrangeria o “custeio dos serviços judiciários incorridos somente até a extinção definitiva do processo, não servindo ao custeio das despesas verificadas, por interesse e provocação da parte ou de terceiros, após o arquivamento”, de modo que a cobrança da taxa de desarquivamento não incorreria em bin is idem, por só abranger processos findos, não procede, pois não há qualquer ressalva neste sentido, na referida legislação. Ademais, a Portaria nº 7.219/2005 incluiu a expressão “ainda que arquivados nos Ofícios de Justiça”, invadindo o campo de incidência da referida taxa judiciária da Lei nº 11.608/2003.

Em suma, a Lei Estadual nº 4.952/85 já prevê a cobrança de taxa para remuneração dos serviços judiciários em geral, de modo que a instituição de nova taxa para cobrança do serviço específico de desarquivamento de autos configuraria inafastável bis in idem.

D O P E D I D O

À vista de todo o exposto, requer a Impetrante seja-lhe deferida medida liminar apenas e tão-somente para suspender imediatamente a exigência da referida taxa de desarquivamento de autos (que, como demonstrado, não se caracteriza como preço público), dada a sua manifesta inconstitucionalidade, enquanto não editado dispositivo legal que lhe dê fundamento.

Os requisitos para a concessão da medida liminar estão presentes.

No que tange ao fumus boni juris, caracteriza-se pela impossibilidade da instituição da exação em questão por meio de mera Portaria, eis que a criação de tributos - no caso, taxa - está restrita ao princípio da legalidade (art. 150, I, da CF-88 e art. 97, do CTN).

A plausibilidade do direito decorre, ainda, de decisões judiciais que, em casos semelhantes, já pacificaram o entendimento de que as custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais têm natureza tributária de taxa, devendo se submeter aos princípios do direito tributário, mormente ao da estrita legalidade.

Já o periculum in mora decorre do fato de estarem os associados da Impetrante ilegalmente constrangidos ao pagamento de taxa manifestamente ilegítima, inclusive no que diz respeito aos autos arquivados nos próprios Ofícios de Justiça (conforme atual redação do artigo 1º da Portaria 6.431/2003, dada pela Portaria nº 7.219/2005).

Requer, uma vez concedida a medida liminar pleiteada, requisitadas as informações e ouvido o d. representante do Ministério Público, a concessão definitiva da ordem, com a integral procedência da demanda, para fins de ser afastada, em definitivo, a cobrança de quaisquer valores para fins de desarquivamento de autos enquanto não sobrevier lei que assim determine expressamente.

Dando à presente o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),

P.Deferimento.

São Paulo, de maio de 2008.

_____________________

1Em 04/02/2005, foi editada pela d. Presidência desse E. Tribunal de Justiça a Portaria nº 7.219/2005 (DJE de 16/02/2005), que altera o disposto no artigo 1° da Portaria n° 6.431/2003, determinando:“Artigo 1º - Para o desarquivamento de processos, ainda que arquivados nos Ofícios de Justiça, será recolhido valor a ser fixado e atualizado periodicamente pela Presidência do Tribunal de Justiça, que expedirá Comunicado. (Artigo 1º com redação dada pela Portaria nº 7.219/2005)”.

2Representação nº 1094-SP, Pleno, 08.08.1984, RTJ 141/430.

3R.T.J. nº 132/867.

4“Direito Tributário Brasileiro”, Aliomar Baleeiro, 9ª ed., pág. 78

5A lei que serviu de fundamento à edição da Portaria em comento, apesar de conter, dentre suas finalidades, a modernização administrativa do Tribunal de Justiça (art. 2º, inciso I), não continha, dentre as receitas taxativamente enumeradas que compõem/comporão o Fundo, alguma na qual se pudesse inserir valor exigido para o desarquivamento de processos (artigo 3º da Lei nº 8876/94). Contudo, em 14 de maio de 1997 foi editada a Lei nº 9653, que, alterando o artigo 3º da Lei nº 8876/94 incluiu o inciso IX para determinar que constituem receitas do Fundo “outras receitas”. Desta forma, a partir de então, passou a ser possível a alocação das receitas decorrentes do pagamento de custas para desarquivamento de processos ao Fundo Especial.

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