Olho por olho, dente por dente
Em algumas comarcas do interior do Estado, onde não há juízes, já são várias as ocorrências de conflitos resolvidos na base do esforço pessoal, à bala ou à faca, é o chamado olho por olho, dente por dente. Os últimos levantamentos da OAB-BA e do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado (Sinpojud) indicam que 62 comarcas das 281 existentes estão atualmente sem juízes, sem contar que na maioria delas há carência de serventuários e de oficiais de Justiça, o que faz com que muitos despachos e mandados não sejam cumpridos.
O caos que impera no Judiciário baiano - onde a gravidade da falta de juízes, serventuários e equipamentos como computadores ou telefones e o acúmulo de processos são temas obrigatórios nas reuniões de advogados e magistrados e servidores e é creditado, em boa parte, à desatenção com que os poderes Executivo, principalmente, e o Legislativo trataram o problema nos últimos anos. Há quem atribua inclusive a principal liderança política baiana, o interesse em enfraquecer o poder do Judiciário.
Para o presidente da OAB da Bahia, a aprovação este ano da nova Lei das Organizações Judiciárias do Estado - parada há tempos na Assembléia Legislativa e que voltou para receber parecer do Tribunal de Justiça - e de um orçamento compatível com as necessidades da Justiça estadual para atender à população decentemente representariam uma saída a curto prazo.
O dirigente da OAB-BA lembra ainda que a situação caótica da Justiça estadual não penaliza apenas advogados, magistrados e servidores. "Penaliza principalmente a comunidade e, mais ainda, a população carente que não vê resultados nos serviços da prestação jurisdicional". Os advogados, por exemplo, tem sofrido na pele as conseqüências desse problema. A OAB do Estado conta com 18 mil advogados inscritos, possuindo hoje um índice de inadimplência de 80% nas contribuições.
Maria José Silva, presidente do Sinprojud, também quer mudança. Ela afirma que: "na Bahia não há juízes para julgar, não há servidores para cumprir despachos quando são emitidos e há oficiais de Justiça que estão assoberbados com 200 a 300 mandados cada um; as Varas da Família juntam verdadeiras multidões e têm apenas quatro ou cinco servidores para atendê-las; e o mais triste: são as pessoas mais humildes da população em busca de direitos como pensão por alimentos".
Feira de Santana
A Vara da Fazenda Pública, localizada na comarca de Feira de Santana, detém um dos recordes mundiais: toca 65 mil processos, para um só juiz, no caso a juíza Suélvia dos Santos Reis. Um número faraônico, mesmo se comparado ao de diversos Estados brasileiros, e infinitamente acima dos padrões de países desenvolvidos.
Para dar conta dessa montanha de processos, a Vara, que responde também por Registros Públicos e Acidentes de Trabalho, conta com apenas nove serventuários e três oficiais de Justiça.
A comarca de Feira de Santana, a 110 km da Capital e segundo maior município baiano, dispõe hoje de 16 Varas judiciárias para atender a uma população de 600 mil pessoas, ou seja, cerca de 40 mil habitantes por juiz.
O mesmo diagnóstico é feito por diversas outras Subseções da OAB que julgam preocupante o aumento desproporcional da demanda da sociedade pela Justiça - em conseqüência até de novos hábitos ou das disputas na vida cotidiana, como os crescentes casos das Varas de Família.
Greve
Nos últimos dias 12 e 13 os servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia fizeram uma paralização, como forma de pressionar o governo a cumprir parte de um acordo selado em junho do ano passado para repor perdas do achatamento salarial vivido pela categoria nos últimos dez anos. Agora, a presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário (Sinpojud), Maria José Silva, a Zezé, junto com a OAB-BA, quer pressionar o governo a contratar mais servidores.
Passeata
Com o propósito de exigir o funcionamento das Varas e a presença de juízes no fórum, advogados, comerciantes e associações de moradores de uma cidade do nordeste do Estado vão se unir numa passeata, na próxima terça-feira, às 10h. É o município de Serrinha, a 170 km da Capital, que é sede da comarca que abrange os municípios de Buriti e Barroncas.
O Fórum Luiz Viana Filho, de Serrinha, está praticamente entregue às moscas. Desde outubro de 2003, o juiz da Vara Cível da comarca está afastado pelo Tribunal de Justiça e mais de 20 mil processos se acumulam, à espera de decisões.
Arnaldo Freitas Pio, um dos 41 advogados que atuam no município, e critica veementemente o total abandono a que foi relegada a Justiça na comarca. “O descrédito com a Justiça em Serrinha é tão grave e de tal relevância que os conflitos aqui já estão sendo resolvidos à bala", diz. Ele confirma ainda que “em alguns lugares da Bahia as situações que poderiam ser solucionadas por uma Justiça efetiva e que funcionasse, estão agora sendo resolvidas pela lei da selva ou a Lei de Talião – olho por olho, dente por dente”.
OAB
“A situação no Judiciário da Bahia é gravíssima, uma das situações mais adversas da Justiça brasileira e deve ser combatida não só pelos advogados da Bahia mas pela advocacia de todo o Brasil. Pretendemos levar o levantamento que o Conselho Federal fez junto ao Judiciário da Bahia e o retrato dessa situação ao presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Gilberto Caribe, e, posteriormente, vamos convocar a sociedade civil baiana a unir forças para resolver o problema. Denunciaremos à sociedade civil baiana o grave estado em que se encontra a Justiça baiana. A partir daí, criaremos um movimento organizado entre OAB e a sociedade e exigiremos das autoridades competentes uma solução urgente para o problema muito grave que ocorre naquele Estado”.
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