Perseguição política
TRF da 2ª garante indenização por danos morais a três filhas de Vinícius de Moraes
Luciana, Georgiana e Maria Gurjão de Moraes haviam ajuizado ação ordinária na Justiça Federal do RJ. A sentença de primeiro grau assegurara a promoção do poeta ao cargo de ministro de primeira classe, da carreira de diplomata. Vinícius de Moraes fora aposentado compulsoriamente em abril de 1969, em decorrência das imposições do AI nº 5. O ato foi assinado pelo então presidente Costa e Silva, em dezembro de 1968.
A decisão da 6ª Turma Especializada, proferida no julgamento de apelação cível apresentada pelas três filhas solteiras e pela União, confirma a medida adotada pelo juízo de 1º grau e concede ainda a indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil para cada uma das três autoras da causa.
O artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -ADCT estabelece a concessão de anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988 - clique aqui), foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares. O artigo assegura ainda as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo. Com base na regra, as filhas do intelectual que fora aposentado no cargo de primeiro secretário pediram em juízo a sua promoção para o cargo de ministro de primeira classe, por analogia a alguns dos colegas de seu pai, que ingressaram na carreira diplomática na mesma época e alcançaram a posição requerida.
A primeira instância, embora tenha concedido as promoções, negou o pedido de indenização com o entendimento de que ela seria direito personalíssimo e, com isso, não comporia o patrimônio herdado pelas autoras da ação. Além disso, o direito não foi exercido pelo próprio diplomata, em vida. Luciana, Georgiana e Maria, já na apelação, rebateram essa fundamentação, afirmando que seu pai não exerceu o direito porque teria sido impedido de fazê-lo. Vinicius de Moraes faleceu em 9 de julho de 1980. Elas afirmaram ainda que a aposentadoria compulsória teria causado um grande abalo moral em Vinícius e teria, inclusive, afetado sua produção artística. O “Poetinha”, nessa época, teria até abandonado alguns parceiros, como Baden Powel e Tom Jobim.
Já a União Federal alegou que a ação foi ajuizada mais de cinco anos após a promulgação do ADCT e, por isso, o direito estaria prescrito. Sustentou também que a promoção após a morte seria injusta com "todos aqueles que tiveram que submeter-se aos rigores da carreira diplomática e não lograram sucesso".
No entendimento do relator do processo no TRF da 2ª Região, desembargador federal Frederico Gueiros, nos termos da Lei nº 10.559, de 2002 (que regulamentou o artigo 8º do ADCT - clique aqui), não ocorreu a prescrição alegada pela União. Para o magistrado, com a nova regra, o prazo da prescrição deve ser contado a partir de 2002: "Ora, se antes o Superior Tribunal de Justiça já vinha entendendo que a vigência do artigo 8º do ADCT constitui o marco inicial da pretensão de indenização, pois, a partir de então concedeu-se anistia àqueles que foram atingidos por atos de motivação política, com mais razão quando existe a superveniência de um ato normativo, que disciplinando a matéria posta em debate, finda por reconhecer a dívida existente em relação àqueles que se encontram na mesma situação jurídica, no caso concreto, os anistiados".
Prosseguindo em seu voto, o desembargador Gueiros lembrou que o artigo 13 da Lei nº 10.559/02 estabelece que, no caso de falecimento de anistiado político, o direito à reparação econômica transfere-se aos seus dependentes: "Assim não há que se falar em direito personalíssimo como salientado na sentença de primeiro grau", concluiu.
Ressentimento
Segundo a imprensa da época, no dia em que o AI-5 foi editado, Vinícius de Moraes fez uma apresentação em Portugal e enfrentou, na saída do teatro, manifestação de estudantes salazaristas (doutrina criada pelo primeiro-ministro Salazar, que dirigiu Portugal de 1932 a 1968). No julgamento ocorrido no TRF, o advogado das filhas do ex-diplomata, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro Filho declamou trecho do poema "Pátria Minha", de Vinícius, que descreveria o seu desgosto com a situação política do Brasil. Com treze estrofes, o poema diz que "A minha pátria é como se não fosse, é íntima/ Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo/ É minha pátria. Por isso, no exílio/ Assistindo dormir meu filho/ Choro de saudades de minha pátria".
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Proc. 99.02.07564-9.
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