Árvores genealógicas são retratos que estampam não apenas ligações hereditárias, mas trazem em si conexões miúdas, menos salientes e, quem sabe, bem além de explicações puramente científicas.
A ligação geracional entre Carlos Mattos e Miguel Matos, avô e neto, por exemplo, reflete, com sensibilidade, como são frondosos os frutos de uma "árvore" adubada com literatura, filosofia, curiosidade e dedicação.
O filósofo
Foi na velha São Paulo de 1910 que nasceu Carlos Lopes de Mattos.
Leitor voraz, estudioso e religioso, começou a registrar suas leituras em 1924, totalizando mais de 700 livros até 1962. Inicialmente anotava apenas o título e autor, mas depois incluía dados da edição.
A lista revela sua preferência por obras religiosas, de aventura, poesia, história e geografia. Entre os autores mais lidos estão Paul Keller, José de Alencar, Machado de Assis e Júlio Verne.
Além de obras clássicas como Os Lusíadas e Dom Quixote, leu literatura infantil, biografias e obras em diferentes idiomas (alemão, latim, francês e flamengo).
Carlos ingressou no noviciado do Mosteiro de São Bento em São Paulo em 1928, recebendo o nome religioso de Gonçalo.
Iniciou os estudos de Teologia no Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, em 1933, permanecendo quase quatro anos. Destacou-se por sua dedicação aos estudos, embora criticasse aspectos da formação clerical da época, como o ensino excessivamente tradicional.
Recebeu o subdiaconato, diaconato e foi ordenado sacerdote em 29 de dezembro de 1935, celebrando sua primeira missa na Basílica de Santa Ifigênia. Durante o período, aprofundou-se em disciplinas como dogmática, apologética, moral, liturgia e homilética, além de se dedicar a traduções e redações.
Em 1936 viajou à Europa para continuar seus estudos e aprofundar sua formação religiosa e acadêmica. Ele embarcou com o objetivo de estudar em instituições monásticas e teológicas, particularmente em Louvain, Bélgica, que era, e continua sendo, um importante centro de estudos filosóficos e teológicos. Além disso, havia uma expectativa de que ele se especializasse em áreas como filologia.
O jornalista
A herança do estudioso Carlos Mattos atravessou gerações, deixando um legado de profundo respeito e admiração pela cultura, que reverbera até hoje em seus descendentes.
Um exemplo marcante desse impacto surgiu no interior de São Paulo, na cidade de Capivari, onde o espírito jornalístico de Miguel Matos foi engendrado. Afinal, na Casa Rosa, lar de seus avós, a leitura e a escrita eram cultivadas com paixão.
Inspirado pelo tio Otávio, que na infância manteve um jornal diário por cinco anos, Miguel assumiu, junto aos irmãos a missão de perpetuar o legado do "Jornal Brasil".
Imberbe, Miguel demonstrava um comprometimento incomum. Durante o verão de 1988, em pleno carnaval, dedicou-se à revitalização do "periódico". Nesta nova fase, o jornal transcendia os muros da Casa Rosa, trazendo notícias locais, campanhas e até um horóscopo cheio de humor e criatividade.
A professora doutora Maria Augusta Bastos de Mattos mantém viva a memória desse período e homenageia o editor de Migalhas ao contar essa saborosa história, registrando esse inato dom da comunicação, nos auspícios da comemoração da edição 6.000 do informativo Migalhas, que circulou em 16 de dezembro de 2024.
Hoje, a Casa Rosa de Capivari abriga o Memorial Virginia e Carlos Mattos.