A 1ª turma do STF, em decisão unânime, negou seguimento à Rcl 60.454 interposta contra uma decisão do TRT da 2ª região, que reconheceu vínculo empregatício entre uma grande rede de varejo e trabalhadores de uma oficina de costura. A decisão, relatada pelo ministro Flávio Dino, baseou-se na conclusão de que a terceirização, utilizada pela rede de varejo, configurou-se como fraude ao dissimular o real empregador. O Tribunal reafirmou que, embora a terceirização da atividade-fim seja permitida, ela não deve ser empregada como instrumento para ocultar uma relação de emprego existente.
O voto do ministro Flávio Dino pontuou que a jurisprudência do STF que permite a terceirização não impede que a relação de emprego seja reconhecida em casos onde a terceirização é utilizada de forma abusiva para encobrir subordinação direta e dependência econômica. Dino destacou que o vínculo empregatício pode ser caracterizado conforme os requisitos legais previstos na CLT, sendo a análise do caso concreto essencial para identificar se houve fraude.
"O vínculo empregatício não foi banido da ordem jurídica; trata-se de análise específica do caso", afirmou o ministro, ressaltando que essa decisão busca evitar que a jurisprudência favorável à terceirização seja mal utilizada em situações de fraude.
A AGU, que representou a União no processo, reforçou que a prática de terceirização implementada pela rede varejista configurava-se em fraude. Segundo a AGU, a empresa terceirizada responsável pelas atividades de costura não possuía infraestrutura ou autonomia para atender a produção exigida e repassava o serviço a oficinas irregulares.
Relatórios de auditoria conduzidos pelo Grupo de Combate ao Trabalho Escravo Urbano, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, revelaram que essas oficinas, além de serem irregulares, mantinham trabalhadores estrangeiros em condições degradantes, sem documentação e em regime de servidão por dívidas. Entre as situações verificadas, auditores encontraram trabalhadores alojados nas próprias oficinas e submetidos a jornadas excessivas, incluindo adolescentes.
A decisão original do TRT-2, mantida pelo STF, considerou que a rede varejista exercia controle sobre todos os processos de produção nas oficinas terceirizadas, desde o design e escolha de materiais até a definição de preços e prazos. De acordo com o Tribunal trabalhista, esses elementos configuram os critérios de subordinação e dependência econômica necessários ao reconhecimento de uma relação de emprego direta, em conformidade com a legislação trabalhista. A decisão apontou que a terceirização, neste caso, foi utilizada como um meio para fragmentar a cadeia de produção, desvirtuando o propósito original do contrato de terceirização para ocultar a relação empregatícia.
Priscila Piau, coordenadora-geral do Departamento de Controle Difuso da Secretaria-Geral de Contencioso da AGU, destacou que a decisão fortalece a proteção dos trabalhadores, prevenindo abusos na utilização de contratos terceirizados. Segundo Piau, "essa decisão representa uma vitória para os direitos trabalhistas, especialmente em um contexto onde o uso da terceirização vem sendo questionado devido a abusos".
Ela ressaltou ainda a importância de preservar o entendimento de que a jurisprudência do STF sobre terceirização não pode ser usada para afastar direitos básicos dos trabalhadores e que a análise dos casos concretos deve ser rigorosa, assegurando que a legislação não seja manipulada para ocultar situações de exploração.
- Processo: Rcl 60.454
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