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Fundos abutres: aliados das vítimas ou caçadores de lucros nas ações judiciais?

Enquanto as vítimas buscam justiça e reparações, investidores miram altos lucros. E, no meio dessa disputa, o Judiciário brasileiro acaba no banco dos réus, acusado de ineficiência por quem lucra com a tragédia.

14/10/2024

Os chamados “fundos abutres”, especializados em causas de alto retorno financeiro, têm voltado sua atenção para litígios envolvendo empresas brasileiras. Embora aleguem agir em prol da justiça social e da defesa das vítimas, essa justificativa frequentemente serve como verniz para interesses puramente financeiros, distantes de qualquer reparação justa.

Ao recorrerem a jurisdições estrangeiras, esses fundos também colocam a Justiça brasileira sob julgamento e crítica, reforçando a ideia de que preferem tribunais de fora para suas ações.

O que são fundos abutres?

Os chamados fundos abutres são compostos por investidores que têm como objetivo adquirir ações ou créditos considerados de difícil solução, mas que podem resultar em lucros elevados.

No ponto que nos interessa, esses fundos, apelidados de “abutres”, costumam patrocinar ou se envolver em ações judiciais que aparentam ter motivações humanitárias ou ambientais, especialmente em países em desenvolvimento. No entanto, o verdadeiro objetivo é puramente financeiro, sem qualquer compromisso com causas humanitárias ou ambientais.

Em geral, esses fundos investem em escritórios de advocacia que, por sua vez, buscam parceiros para iniciar as ações. Não só indivíduos são captados, mas também associações são criadas ou cooptadas, muitas vezes sem perceberem que estão sendo usadas como meros instrumentos em um jogo milionário.

Frequentemente, por meio desses escritórios, os fundos apoiam comunidades ou ONGs locais que demandam compensações por danos ambientais. Essa estratégia visa obter influência sobre os processos judiciais e maximizar retornos financeiros, especialmente quando há a expectativa de condenações financeiras significativas.

Em alguns casos, agentes políticos e jurídicos de alto gabarito são convidados, medidante gorda remuneração, a participar dessa empreitada, que, na prática, nitidamente contraria os interesses nacionais.

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Brasil no banco dos réus

Atualmente, há pelo menos cinco casos na Europa envolvendo demandas contra empresas brasileiras:

Esses casos, que serão devidamente “esmigalhados” nos próximos dias, ilustram uma estratégia de litigar em tribunais estrangeiros, onde as Cortes são celebradas como mais “sérias” – o que na prática significa um cenário ideal para lucros vultosos.

No fundo, esses litígios são menos sobre justiça e mais sobre multiplicar ganhos financeiros de maneira elegante. Afinal, a jurisdição local só serve até certo ponto: depois disso, as cifras europeias tornam-se muito mais atraentes, onde o Judiciário é visto como mais “eficiente” e as decisões, mais “confiáveis” – para quem financia, claro.

Financiamento de fundos abutres impulsiona ações judiciais no exterior.(Imagem: Arte Migalhas)

Justiça brasileira no banco dos réus

Na prática, para que esses casos sejam julgados fora do Brasil, os fundos de investimento e seus escritórios de advocacia precisam, inicialmente, estabelecer algum vínculo da empresa com o país estrangeiro onde pretendem litigar. No caso de empresas como Vale, BHP, Cutrale, Minerva e Braskem, todas possuem operações em Londres ou Amsterdã, o que facilita o estabelecimento dessa conexão.

Com essa justificativa, o próximo passo é fazer com que a ação seja aceita no país estrangeiro. Isso não costuma ser difícil, já que tais litígios trazem ganhos financeiros consideráveis ao sistema judicial local, sem nenhum custo real para o país de acolhimento. O argumento principal dos escritórios estrangeiros é que a Justiça brasileira seria lenta, injusta e “não séria” – uma crítica desdenhosa que beira a ironia.

No caso de Mariana, por exemplo, em julho de 2022, a Corte de Apelação do Reino Unido decidiu que a ação contra a BHP poderia prosseguir nos tribunais ingleses. A empresa defendia que o foro adequado era o Brasil, onde o desastre ocorreu e onde as ações de reparação já estavam em andamento. No entanto, a Corte Inglesa ignorou esses argumentos, preferindo disparar comentários pejorativos sobre a Justiça brasileira, afirmando que nossa solução seria “lenta, negligente, burocrática e ineficaz”.

Na decisão, os juízes ingleses chegaram a fazer uma análise do Judiciário brasileiro, sugerindo que ele “não estaria preparado para lidar com a multiplicidade de demandas decorrentes de um desastre ambiental dessa magnitude” – um julgamento que ignora completamente o acesso constitucional ao Judiciário brasileiro, que, ao contrário do inglês, é gratuito. Os magistrados também insinuaram que as vítimas, por serem de condição simples e vulnerável, não teriam como enfrentar a “tarefa onerosa de litigar nos tribunais comuns” do Brasil.

A crítica se estende ainda ao nosso sistema processual, que os juízes ingleses consideram propenso a atrasos devido a disputas interlocutórias. E, sem nenhum conhecimento real sobre as ações coletivas brasileiras, afirmaram que “a implementação de ações coletivas é dificultada pela ausência de um mecanismo satisfatório para julgar questões comuns de forma conjunta.” ("The implementation of class actions was hindered by the lack of a satisfactory mechanism to try common generic issues together.")

Diante desse quadro, fica claro que esses juízes ingleses se julgam perfeitamente qualificados para avaliar – e criticar – o sistema judiciário de outra nação soberana. Parece que, na visão deles, nosso Judiciário precisa de uma “mãozinha” da velha Inglaterra. Talvez eles acreditem que a Justiça brasileira deva ser tutelada, como se fosse uma extensão das antigas colônias. Ignoram que, no fundo, esses julgamentos lá fora nada mais são do que um jogo financeiro disfarçado de justiça, cujo objetivo é inflar ganhos no tribunal da Corte estrangeira.

Soberania nacional

A decisão da Corte Inglesa de aceitar litígios brasileiros em seu solo é o imperialismo britânico retrofitado. Em vez de enviar tropas, agora tribunais e advogados estrangeiros são usados para exercer controle sobre os recursos de outro país. Isso cria uma narrativa de que a Justiça brasileira não é digna ou capaz de administrar esses casos, legitimando uma transferência de jurisdição que enfraquece nossas instituições.

Assim como no passado colonial, quando o Reino Unido levou grande parte do ouro brasileiro, hoje novamente busca lucrar com nossos recursos – desta vez, sob o pretexto de justiça ambiental e humanitária. Ao declarar nosso Judiciário “ineficaz” e “burocrático”, Cortes estrangeiras abrem espaço para que o capital internacional se aproprie de valores que deveriam ser administrados no Brasil, para benefício de suas vítimas e do seu desenvolvimento. É uma nova versão da exploração colonial: sem espadas, mas com o mesmo objetivo de extrair nossas riquezas.

Ao vencedor, as migalhas

Nos próximos dias, vamos explorar em detalhes o que são esses fundos abutres e o modus operandi dessas entidades. O que já se pode adiantar é que, ao financiar essas ações, os fundos priorizam, acima de tudo, um retorno financeiro substancial. E, embora as causas sejam formalmente movidas em nome das vítimas, na prática, quem acaba ficando com a maior parte das indenizações são, sem surpresa, os próprios investidores.

No final, tudo se resume a quem realmente lucra. Afinal, esses fundos não são chamados de abutres à toa: pairam à espera da desgraça para se banquetear com as riquezas alheias.

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