Em sessão plenária do STF, nesta quarta-feira, 9, ministro Gilmar Mendes votou favoravelmente à celebração de TAC - termo de ajuste de conduta entre o MP e entidades esportivas.
Relator do caso, Gilmar havia concedido liminar que, no caso concreto, permitiu o retorno de Ednaldo Rodrigues à presidência da CBF. Ednaldo havia sido destituído após o TJ/RJ anular TAC celebrado entre a CBF e o MP/RJ.
Na sessão, o ministro propôs a conversão da liminar em julgamento de mérito. No entanto, pedido de vista do ministro Flávio Dino interrompeu o andamento do julgamento.
Caso
Trata-se de ação movida pelo PcdoB defendendo a recondução de Ednaldo ao cargo. O partido alega que a anulação pelo TJ/RJ de TAC- Termo de Ajustamento de Conduta entre a CBF e o MP/RJ, contraria dispositivo da CF que assegura autonomia às entidades esportivas.
No STJ
Em dezembro de 2023, a 21ª câmara de Direito Privado do TJ/RJ decidiu, por unanimidade, destituir Ednaldo Rodrigues da presidência da CBF, determinando José Perdiz, presidente do STJD - Superior Tribunal de Justiça Desportiva, como interventor.
Segundo a Corte fluminense, houve irregularidade no TAC assinado entre o MP/RJ e a entidade, já que o MP não teria legitimidade para intervir em assuntos internos da Confederação. Na época, o acordo permitiu que a Assembleia Geral da CBF elegesse Ednaldo Rodrigues como presidente.
Ednaldo Rodrigues impetrou pedido de suspensão no STJ para recuperar o cargo, mas a solicitação foi negada.
Ato contínuo, foi a vez do MP/RJ protocolar pedido semelhante. O pleito também foi negado.
No STF
Antes do pedido do PcdoB, o caso chegou ao STF por meio de um pedido do PSD - Partido Social Democrático.
A sigla sustentou que a nomeação de um interventor na CBF violaria a autonomia das entidades de prática esportiva, embora o interino seja justamente o presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
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O relator do processo, ministro André Mendonça, negou o pedido. Ressaltou que, apesar da complexidade e multiplicidade de incidentes relacionados ao caso, excetuados curtos e esparsos intervalos temporais, o processo transcorreu por mais de seis anos sem a vigência de qualquer medida de urgência.
A ação proposta pelo PcdoB, entretanto, teve um destino diverso, quando o ministro Gilmar Mendes deferiu liminar para determinar o retorno de Ednaldo ao comando da CBF. Segundo o ministro, a decisão não implica em intervenção estatal na entidade, mas privilegia sua autonomia, restaurando efetividade do ato próprio por meio do qual ela elegeu seus dirigentes.
Amici curiae
Nesta quarta-feira, 9, o advogado Aristides Junqueira de Alvarenga, da banca Aristides Junqueira Advogados Associados S/S, representando a Conamp - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, ressaltou a importância cultural do futebol e seu impacto social. Afirmou que a lei Pelé é clara ao destacar o patrimônio cultural que as sociedades esportivas representam no Brasil e que o futebol é um esporte que envolve a todos, "sendo rara a pessoa que não tem um clube para o qual torça", afirmou Junqueira, destacando o valor do esporte na sociedade brasileira.
O advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, representando a CBF, destacou que, embora haja marcos legais claros, como a CF e a lei Pelé, que definem a autonomia das entidades esportivas, a prática demonstra desafios quanto à correta aplicação dessas normas.
Destacou que o STF tem papel fundamental em avançar na interpretação conforme, delimitando fronteiras entre a autonomia das entidades e sua submissão à ordem jurídica.
Segundo o advogado, a decisão liminar do ministro Gilmar Mendes demonstrou a grande incerteza jurídica que paira sobre essa questão. Ele também enfatizou a necessidade de interpretação que articule as competências de todas as partes envolvidas.
Ainda, destacou o papel crescente do MP em tutelar interesses das sociedades esportivas, como questões envolvendo torcidas organizadas e apostas esportivas. Completou que o MP vem sendo chamado para regular essas situações de grande impacto social, e, sem poder manejar competências, sua atuação fica comprometida.
O advogado Matheus Pimenta de Freitas Cardoso, da banca Pimenta de Freitas Advogados, representando o Atlético Mineiro, destacou os impactos das decisões judiciais sobre os clubes de futebol, mencionando casos emblemáticos.
Afirmou que a decisão afeta diretamente os clubes, como ocorreu com o Esporte Clube Bahia. Anos atrás, o TJ/BA, interpretando normas do estatuto do clube, anulou a eleição da diretoria, destituiu os diretores, nomeou um advogado para exercer a presidência como interventor. Ele também citou o recente debate a respeito da idade mínima para admissão de atletas nas categorias de base.
Voto do relator
Em seu voto, ministro Gilmar Mendes, relator do caso, destacou a importância de interpretação correta da norma para garantir justiça, propondo a conversão do referendo em julgamento definitivo de mérito.
Abordou o papel do MP na tutela coletiva, ressaltando que a Constituição de 1988, juntamente com legislações como o CDC, ampliou essa função. Ressaltou que o MP deve proteger interesses difusos e coletivos, agindo em uma interseção entre o sistema estatal e o social.
Segundo o ministro, a legitimidade do MP para defender direitos coletivos deve ser amplamente reconhecida, com restrições apenas em situações excepcionais.
Veja trecho do voto do ministro:
Ao tratar do esporte, o ministro enfatizou sua consagração como direito social pela CF, com a lei Pelé impondo responsabilidades de transparência e gestão diferenciada.
Ressaltou que o MP tem o papel de defender o interesse público nas práticas esportivas e que o esporte, além de promover saúde e educação, é ferramenta de integração social, especialmente para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Gilmar Mendes também destacou a autonomia das entidades esportivas, mas apontou que o Estado tem competência para regulamentar sua organização, inclusive em processos eleitorais internos. Afirmou que a autonomia das entidades não está imune à regulação estatal, conforme previsto pela lei geral do esporte.
Ademais, reforçou a importância do MP em garantir o cumprimento das normas nas entidades esportivas, como a CBF, e destacou a validade dos TACs como medida de consenso e diálogo, reduzindo a intervenção estatal direta no esporte.
Ao final, votou por julgar parcialmente procedente o pedido, atribuindo interpretação conforme à Constituição aos dispositivos impugnados, para afastar qualquer entendimento que, de forma prévia, presuma a ilegitimidade do MP para atuar, no exercício de suas funções institucionais, em matérias relacionadas a entidades desportivas e à prática do desporto no país, quando houver possível violação de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, bem como quando for necessária a proteção do patrimônio público, social e cultural brasileiro.
Também entendeu que o controle jurisdicional dessa atuação, assim como das condições da ação em cada caso concreto, ficará a cargo do Poder Judiciário, levando em consideração as especificidades de cada situação.
Reconheceu, ainda, a ilegitimidade da atuação estatal em questões meramente internas das entidades, especialmente no que tange à autonormação e autogoverno. No entanto, ressaltou a possibilidade de intervenção estatal nos casos em que as normas e práticas internas estejam em desacordo com a CF e com a legislação aplicável, além das situações em que a intervenção se fundamente na investigação de ilícitos penais e administrativos ligados à própria entidade desportiva.
- Processo: ADIn 7.580