O STF começou a julgar, nesta quarta-feira, 25, se um tribunal de segunda instância pode determinar a realização de novo júri, caso a absolvição do réu tenha ocorrido com base em quesito genérico, por motivos como clemência, piedade ou compaixão, mas em suposta contrariedade à prova dos autos.
O caso estava em plenário virtual e teve pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes.
Clemência
No caso dos autos, o conselho de sentença, mesmo reconhecendo a materialidade e a autoria do delito, absolveu um homem levado ao Júri por tentativa de homicídio, pelo fato de que a vítima teria sido responsável pelo homicídio de seu enteado.
O recurso interposto pelo MP foi negado pelo TJ/MG. Segundo o Tribunal, em razão do princípio da soberania do júri popular, a cassação da decisão só é possível quando houver erro escandaloso e total discrepância.
De acordo com o TJ/MG, a possibilidade de absolvição, em quesito genérico, por motivos como clemência, piedade ou compaixão, é admitida pelo sistema de íntima convicção, adotado nos julgamentos feitos pelo júri popular.
No recurso ao STF, o MP sustentou que a absolvição por clemência não é permitida no ordenamento jurídico e que ela significa a autorização para o restabelecimento da vingança e da Justiça com as próprias mãos.
Plenário virtual
Em sua manifestação no plenário virtual, o ministro Gilmar Mendes, relator do recurso, observou que a questão a ser respondida é se o júri, soberano em suas decisões, nos termos determinados pela CF, pode absolver o réu ao responder positivamente ao quesito genérico sem necessidade de apresentar motivação, o que autorizaria a absolvição até por clemência e, assim, contrária à prova dos autos.
Ele lembrou que a reforma do CPP (lei 11.689/08), alterou de modo substancial o procedimento do júri brasileiro, ao introduzir uma importante modificação nos quesitos apresentados aos jurados.
Os jurados passaram, inicialmente, a ser questionados sobre a materialidade (se o fato ocorreu ou não) e sobre a autoria ou a participação do réu. Caso mais de três jurados respondam afirmativamente a essas questões, o júri deve responder ao chamado “quesito genérico”, ou seja, se absolve ou não o acusado.
Ao reconhecer a repercussão geral da questão constitucional, o relator destacou que o conflito não se limita a interesses jurídicos das partes recorrentes, pois o tema é reiteradamente abordado em recursos extraordinários e em habeas corpus, o que torna pertinente assentar uma tese para pacificação.
Segundo S. Exa., há relevância política e social, pois estão em discussão também temas de política criminal e segurança pública, amplamente valorados pela sociedade em geral.
Manifestções das partes
Na sustentação, o promotor André Estêvão Ubaldino Pereira defendeu que o Tribunal de Justiça deve manter a possibilidade de anular decisões do júri popular quando estas forem contrárias às provas dos autos, para proteger o direito à vida, principalmente das populações mais vulneráveis, como negros e pobres, que são as principais vítimas de homicídios.
Já Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, procurador de Justiça de São Paulo, sustentou que a falta de motivação nas decisões do júri não impedia seu controle judicial.
O causídico refutou a ideia de que as absolvições não poderiam ser recorridas, esclarecendo que, mesmo em países de common law, era possível solicitar novos julgamentos em casos de interferência.
Destacou que o sistema jurídico brasileiro é distinto, e o quesito absolutório genérico do júri não se compara ao modelo de “not guilty” anglo-americano, que possui controles rigorosos.
Em sua sustentação, Rafael Rafaelli, que atuou pelo GAETS - Grupo De Atuação Estratégica Das Defensorias Públicas Estaduais Nos Tribunais, sustentou que a soberania do júri é essencial como um espaço de poder do povo e uma proteção fundamental para os acusados.
Ele alertou que restringir essa soberania poderia prejudicar a defesa, pois em um segundo júri, o acusado seria influenciado por um relatório do tribunal de apelação.
Já João Henrique Imperia Martini, que representou o MDA - Movimento de Defesa da Advocacia, sustentou que a soberania do júri e a absolvição por clemência não são práticas comuns, enfrentando diversos obstáculos no sistema de Justiça.
O advogado expressou a sensação de derrota que a defesa sente ao entrar em um julgamento, influenciada pela mídia e pela estrutura desigual do tribunal.
Hugo Leonardo, representando o IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa, argumentou que a impunidade dos homicídios não decorre do quesito de clemência, mas da falta de investigação eficaz, visto que mais de 90% dos casos resultam de prisões em flagrante.
Criticou a transformação do júri em um mecanismo de repressão penal e destacou que a Constituição não exige fundamentação para as decisões do júri, que se baseiam nos debates realizados em plenário.
Aristides Junqueira Alvarenga, representando a CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, ressaltou a importância da soberania do tribunal do júri, mas questionou se essa soberania poderia se sobrepor a outros princípios constitucionais, como a vedação de concessão de graça ou benefícios para crimes hediondos, incluindo homicídio qualificado, conforme a lei 8072/90.
Por fim, Alessandra Martins Gonçalves Jirardi, representando a ANPV - Associação Nacional dos Prefeitos e Vice-Prefeitos da República Federativa do Brasil, afirmou que a soberania dos veredictos permite decisões que vão além da mera análise jurídica, incorporando aspectos sociais e culturais.
Alessandra destacou que a independência dos jurados é crucial e que a absolvição por clemência é válida mesmo quando há evidências de autoria e materialidade do crime.
- Processo: ARE 1.225.185