Por unanimidade, a 2ª turma do STJ entendeu que a CPTM pode cobrar a operadora Tim pelo uso de áreas subterrâneas para passagem de cabos de fibra ótica, já que a linha metroviária tem natureza jurídica de bem público de uso especial.
O caso envolvia a disputa entre a operadora e o metrô de São Paulo acerca da continuidade do uso de cabos de fibra ótica instalados no subsolo da rede metroviária.
A Tim queria manter o direito de uso sob o princípio da gratuidade, com pagamento apenas pelos custos de manutenção das salas técnicas e energia, sem necessidade de celebração de novo contrato.
Há mais de 20 anos a operadora utiliza o subsolo do metrô de São Paulo para instalação de sua rede de fibra ótica. O uso foi regulado por um contrato de concessão entre as partes.
Com o fim do contrato de concessão, surgiu a discussão acerca da continuidade do uso gratuito do subsolo para a instalação da infraestrutura de telecomunicações, em especial à luz do art. 12 da lei 13.116/15 (lei geral de antenas), que estabelece a gratuidade do direito de passagem em vias públicas e bens de uso comum do povo.
O TJ/SP decidiu que os túneis do metrô são bens de uso especial, não sendo aplicável a gratuidade prevista na lei geral de antenas, e que a manutenção do uso dos túneis pela Tim depende da celebração de um novo contrato.
A Tim recorreu da decisão ao STJ, sustentando que os túneis do metrô deveriam ser considerados bens de uso comum do povo, o que garantiria a gratuidade do uso, independentemente de um novo contrato. Além disso, a empresa destacou que a descontinuidade do serviço afetaria milhões de usuários em São Paulo e em outros Estados.
O então relator do caso, ministro Og Fernandes, deferiu liminar para manter o uso da rede de fibra ótica pela Tim até o julgamento final do recurso, desde que a empresa fizesse o depósito judicial dos valores exigidos pelo metrô para cobrir os custos de manutenção e energia. Na decisão, o ministro destacou risco de grave dano à prestação de serviços de telecomunicação e à integridade do sistema se a malha de fibra ótica fosse desligada.
No julgamento do mérito nesta terça-feira, 17, o atual relator, ministro Afrânio Vilela, negou o pedido da Tim. Destacou que, embora a legislação permita a incorporação de cabos e equipamentos de telecomunicações ao patrimônio do metrô ao fim do contrato de concessão, no mérito do caso em questão, a regra de gratuidade prevista no art. 12 da lei 13.116/15 (lei geral de antenas) não se aplica ao uso dos túneis do metrô.
O ministro explicou que a gratuidade é uma exceção à política estabelecida no art. 11 da lei 8.987/95 (lei de concessões), que permite a obtenção de receitas alternativas por meio de fontes complementares, visando à modicidade das tarifas.
Contudo, essa exceção deve ser interpretada de forma restritiva e não abrange o direito de passagem reivindicado pela Tim, já que os túneis do metrô de São Paulo não podem ser classificados como bens de uso comum do povo conforme exigido pela legislação.
O ministro entendeu que o art. 99, II, do CC, classifica os bens públicos com base em sua destinação. Assim, destacou que os túneis do metrô são bens de uso especial, destinados exclusivamente ao serviço de transporte público, e não para fins genéricos ou isonômicos que caracterizam os bens de uso comum.
Segundo o relator, a função primária de bens de uso comum é atender a interesses coletivos ou individuais de forma ampla e não restrita, o que não ocorre no caso dos túneis do metrô, que estão afetados ao serviço de transporte subterrâneo de passageiros.
Também apontou a falta de generalidade e isonomia no uso dos túneis, uma vez que o acesso é limitado aos usuários do serviço de transporte. Portanto, concluiu que o subsolo do metrô se encaixa melhor na definição de bem de uso especial, afastando a possibilidade de gratuidade pretendida pela Tim.
Afrânio Vilela ainda ressaltou o excesso regulatório do decreto 10.480/20, em especial no art. 9º, que indevidamente proíbe a cobrança de contraprestação pelo direito de passagem para instalação de infraestrutura de telecomunicações em bens públicos de uso comum.
Ao final, o ministro confirmou a validade do acórdão do TJ/SP, que concluiu pela improcedência do pedido da Tim e revogou a liminar que conferia gratuidade à operadora.
O voto foi acompanhado pelos ministros Francisco Falcão, Maria Thereza de Assis Moura e Teodoro Silva Santos.
Natureza jurídica
Os bens de uso comum são destinados ao uso geral da população, como ruas, praças e estradas, que podem ser utilizados por todos de forma ampla e irrestrita. Esses bens servem para atender a necessidades coletivas, como mobilidade e lazer, sendo seu uso, em regra, gratuito e acessível a qualquer cidadão.
Por outro lado, os bens de uso especial são destinados a uma finalidade pública específica, geralmente vinculada à prestação de serviços públicos ou à administração pública. Exemplos incluem prédios governamentais, hospitais públicos, escolas e, no contexto de disputas recentes, os túneis de metrô.
Esses bens não são acessíveis ao uso indiscriminado da população, sendo reservados para o cumprimento de funções específicas do Estado ou para a realização de atividades administrativas. Diferente dos bens de uso comum, o uso dos bens de uso especial pode ser condicionado, restringido ou até envolver a cobrança de tarifas, dependendo de sua função.
- Processo: REsp 1.990.245