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Decisão da Justiça proíbe vídeo polêmico de Daniela Cicarelli

A 4ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP aceitou ontem parcialmente o recurso do empresário Renato Malzoni e proibiu o site You Tube de veicular novamente as imagens em que ele aparece ao lado da apresentadora Daniela Cicarelli, em uma praia da Espanha.

29/6/2007


TJ/SP

Decisão da Justiça proíbe vídeo polêmico de Daniela Cicarelli

A 4ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP aceitou ontem parcialmente o recurso do empresário Renato Malzoni e proibiu o site You Tube de veicular novamente as imagens em que ele aparece ao lado da apresentadora Daniela Cicarelli, em uma praia da Espanha.

Caso a decisão não seja cumprida, o You Tube fica sujeito ao pagamento de uma multa de R$ 250 mil, que poderá ser executada em 30 dias a partir de agora. A decisão estabelece ainda que o site, tendo conhecimento na natureza ilegal da informação, tem o dever de tomar as providências necessárias para impedir a sua recolocação no sistema, sob pena de ser responsabilizado pelo ato.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

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ACÓRDÃO

Superveniência da sentença de 1º Grau julgando improcedente a ação – Predominância da tutela antecipada proferida no agravo de instrumento nº 472.738-4, aplicado o princípio da hierarquia da jurisdição, o que impede que o Juiz de 1º Grau revogue decisões emitidas pelo Tribunal de Justiça – Precedentes do STJ [Resp 765.105 e Resp 742.512].

Execução de tutela antecipada - INTERNET – Questão relacionada com a exibição de vídeo do casal filmado fazendo sexo na praia, que justificou a emissão de tutela antecipada para impedir a veiculação em sites que hospedam essas e outras filmagens; sendo impossível a instalação de um filtro de acesso e não sendo razoável bloquear o site, determina-se que o provedor adote medidas concretas de cumprimento da sentença, sob pena de pagar a multa diária de R$ 250.000,00 – Provimento, em parte, determinando ao YOUTUBE a imediata instalação de um sistema de rastreamento e eliminação dos vídeos, com exclusão de acesso aos usuários que forem identificados reinserindo o material em seus links, inclusive lan houses.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 488.184-4/3, da Comarca de SÃO PAULO, sendo agravante RENATO AUFIERO MALZONI FILHO e agravado YOU TUBE INC.

ACORDAM, <_st13a_personname productid="em Quarta Câmara" w:st="on">em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento, em parte, ao recurso.

Vistos.

RENATO AUFIERO MALZONI FILHO tirou agravo contra o r. despacho que negou o bloqueio de acesso ao site YOU TUBE, tendo em vista a desobediência ao julgado do Tribunal no AgIn. 472.738-4, insistindo na interdição do web-site (www.youtube.com) até que seja implementado o sistema que impeça a exposição do vídeo clandestino revelador de imagens do pretendente e de sua namorada, Daniela Cicarelli, na praia de Cádiz, na Espanha.

É de ser lembrado que a Quarta Câmara, por maioria de votos, concedeu tutela antecipada de natureza interdital, objetivando preservar resíduos dos direitos de personalidade dos envolvidos, que não deram consentimento expresso para divulgação de cenas de sexo e que, inclusive, caracterizariam a prática de crime, tanto no Brasil como na Espanha.

O agravo está sendo processado com liminar, em virtude de decisão lançada para providências por parte de empresas brasileiras que controlam o tráfego internacional de web-site, visando à colocação de um filtro que impedisse acesso às imagens do casal, sendo que, em cumprimento a essa determinação, por má execução no Juízo de Primeiro Grau, terminou acontecendo o bloqueio completo do site, causa de uma intensa repercussão e debates sobre os limites da atuação do Judiciário quanto ao controle de conteúdo da Internet. O desbloqueio foi imediato [fl. 144/146].

Convém detalhar as principais ocorrências a partir dessa fase do presente recurso:

1. A EMBRATEL peticionou confessando sua perplexidade diante da divergência entre o que foi determinado pelo Desembargador Relator e a ordem emitida pelo Juízo de Primeiro Grau sobre o bloqueio do site, quando declarou a impossibilidade técnica de instalar filtro nos links de acesso [fl. 157].

2. A IMPSAT COMUNICAÇÕES LTDA. informou ter cumprido as decisões e informa, igualmente, a impossibilidade, como provedor de acesso, de restringir determinadas áreas de um site [fl. 173].

3. A TELECOMUNICAÇÕES também afirma ser irrealizável a tarefa do bloqueio devido a dificuldades de padronizar um identificador do vídeo, pela manipulação dos associados que compartilham do site youtube [fl. 195].

4. A BRASIL TELECOM apresentou uma manifestação de desagrado com a postulação, defendendo, inclusive, a ineficácia da providência alvitrada, porque os interessados conseguem, até com facilidade, furar os bloqueios e acessar, por fontes internacionais, o site youtube. Lembra, ainda, que seria impraticável exercer controle de todo o conteúdo para restringir o vídeo do casal, por representar uma medida extraordinária e capaz de afetar direitos tuteláveis de terceiros [fl. 336].

5. O COMITE GESTOR DA INTERNET DO BRASIL – CGI.br solicitou sua admissão como “amicus curiae” [fl. 357], sendo que a Turma Julgadora decidiu, por unanimidade, recusar a oferta, rejeitando a participação, embora agradecesse o empenho demonstrado em prol da efetividade da jurisdição, tendo sido anotado no Acórdão [fl. 672]:

Caso o Comitê Gestor queira mesmo cooperar com o Judiciário e proteger a coisa julgada constitucional (art. 5º, XXXVI, da CF), basta agir no âmbito de sua competência administrativa e institucional, no sentido de fazer cumprir o que se decidiu, sendo que para esse mister não é preciso que ingresse no debate jurídico que se desenvolve para persuadir os destinatários da sentença ao seu cumprimento”.

Resume-se, agora, a intervenção da sociedade norte-americana YOUTUBE LLC., que reclama da nulidade da citação na ação principal, mencionando os arts. 12, 215 e 247, do Código de Processo Civil [fl. 225]. Depois, argumenta que está isenta de responsabilidade porque a modelo que protagoniza as cenas transmitidas pela Internet é uma figura pública, incapaz de ser protegida, sendo que também explora o fato de o vídeo ter caído em uma espécie de domínio público, graças a divulgação no Programa da TV Espanhola “Dolce Vita”. Segue afirmando que, como provedor de hospedagem não está obrigado a realizar controle [monitoramento] do conteúdo “dos atos de navegadores”, reportando ao art. 15 da Diretiva 2000/31, da Comunidade Européia. Defendeu que o bloqueio do site poderá provocar o periculum in mora inverso, na medida em que compromete expectativas legítimas de milhares de pessoas interessadas nos serviços de entretenimento que são prestados pela rede e finaliza reivindicando redução da multa estabelecida [R$ 250.000,00], por considerá-la exagerada.

Consta da petição xerocopiada à fl. 662, que Daniela Cicarelli manifestou, de forma expressa, seu interesse em que as requeridas da ação sejam compelidas a deixar de exibir o filme no qual aparece com o seu namorado Renato Aufiero Malzoni Filho.

Decide-se.

O YOUTUBE LLC. juntou cópia da r. sentença proferida na ação ajuizada por RENATO AUFIERO MALZONI FILHO e DANIELA CICARELLI LEMOS, pela qual o D. Magistrado rejeitou os pedidos e revogou as medidas concedidas nos agravos de instrumento, requerendo que o Tribunal declare prejudicado o presente recurso.

A situação informada nos autos não é novidade, devido a possibilidade de o Juiz de Primeiro Grau julgar improcedente uma ação quando o Tribunal, em agravo de instrumento, concedeu a tutela antecipada, nos termos do art. 273 do CPC. Evidente que prevalece a decisão do Tribunal, que é pronunciamento de Grau superior ao do Juízo de Direito. O colendo STJ examinou o incidente e aplicou o princípio da hierarquia dos poderes, conforme acórdão da lavra do Ministro CASTRO MEIRA, Resp. 742.512, DJ de 21.11.05:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO <_st13a_personname productid="EM PROCESSO CAUTELAR JULGADO" w:st="on">EM PROCESSO CAUTELAR JULGADO POSTERIORMENTE À SENTENÇA. DÚVIDA QUANTO Á PERDA DE OBJETO. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. AUSÊNCIA.

1. A superveniência da sentença no processo principal não conduz, necessariamente, à perda do objeto do agravo de instrumento. A conclusão depende tanto "do teor da decisão impugnada, ou seja, da matéria que será examinada pelo tribunal ao examinar o agravo, quanto do conteúdo da sentença" (O destino do agravo depois de proferida a sentença. Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de Outros Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Série 7. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier - coordenadores. São Paulo: RT, 2003).

2. A questão soluciona-se pela aplicação de dois critérios: a) o da hierarquia, segundo o qual a sentença não tem força para revogar a decisão do tribunal, razão por que o agravo não perde o objeto, devendo ser julgado; b) o da cognição, pelo qual a cognição exauriente da sentença absorve a cognição sumária da interlocutória. Neste caso, o agravo perderia o objeto e não poderia ser julgado.

3. Se não houver alteração do quadro, mantendo-se os mesmos elementos de fato e de prova existentes quando da concessão da liminar pelo tribunal, a sentença não atinge o agravo, mantendo-se a liminar. Nesse caso, prevalece o critério da hierarquia. Se, entretanto, a sentença está fundada em elementos que não existiam ou em situação que afasta o quadro inicial levado em consideração pelo tribunal, então a sentença atinge o agravo, desfazendo-se a liminar.

4. Trata-se de medida cautelar no curso da qual não houve alteração do quadro probatório, nem qualquer fato novo, entre a concessão da liminar pelo tribunal e o julgamento de improcedência do pedido do autor. Prevalência do critério da hierarquia. Agravo de instrumento não prejudicado.

5. Ausência de julgamento ultra petita.

6. Recurso especial improvido”.

Essa diretriz está sendo observada, consoante se poderá verificar da ementa do Acórdão do Ministro ARI PARGENDLER, publ. em 30.10.2006, no Resp. 765.105 TO, in Revista Jurídica Notadez, n. 352, p. 203, verbete n. 27355:

"TUTELA ANTECIPADA - Subseqüente sentença de mérito - Subsistência do agravo que ataca a antecipação da tutela - A sentença de mérito superveniente não prejudica o agravo de instrumento interposto contra a tutela antecipada; a aludida tutela não antecipa simplesmente a sentença de mérito - antecipa, sim, a própria execução dessa sentença, que, por si só, não produziria os efeitos que irradiam da tutela antecipada. Recurso especial conhecido e provido".

Portanto, a r. sentença, embora com respeitáveis argumentos, não prevalece no capítulo em que revogou a tutela antecipada. A tutela antecipada interdital deferida no agravo nº 472.738-4 continua em vigor, até que ocorra o trânsito em julgado da sentença de 1º Grau.

No velho livro de “Practica Civil e Commercial”, do Professor Barão de Ramalho [Typ. Imparcial, São Paulo, 1861, p. 201], constava que, “na execução do julgado é que consiste principalmente o exercício da justiça”. As sentenças são proferidas para serem cumpridas, e não cabe tergiversar sobre esse princípio, sob pena de comprometimento da credibilidade da instituição, com reflexos desastrosos para a segurança jurídica, principalmente em tutelas mandamentais, nas quais há direta associação com o conceito de imperium, ou seja, da função do juiz em expedir ordens e fazê-las cumprir mediante as medidas necessárias para obtenção do resultado equivalente ao que seria obtido em caso de cumprimento voluntário [art. 461, § 5º, do CPC].

Discute-se, nesse agravo, como cumprir a decisão do Tribunal, emitida em favor de Renato e Daniela, o que obriga enfatizar a impropriedade de rediscutir a questão relacionada com o direito material tutelado, como pretende o YOUTUBE. O sistema jurídico permite que se emita tutela antecipada sem oitiva do réu [e foi o que ocorreu], e isso implica afirmar que o destinatário da antecipação deverá, caso não se conforme com o que foi decidido, interpor os recursos constitucionais adequados para desconstituir o julgado. Aliás, essa referência é oportuna para rejeitar a argüição de nulidade da citação, porque a sentença que se executa foi expedida inaudita altera parte, representando uma exceção ao princípio do art. 5º, LV, da Constituição Federal, coisa que torna irrelevante a eventual irregularidade da citação. Portanto, os supostos vícios da convocação do YOUTUBE são apropriados para a ação que tramita <_st13a_personname productid="em Primeiro Grau" w:st="on">em Primeiro Grau e não necessariamente para desfecho do presente agravo, tirado para encontrar o meio de cumprir uma decisão passada em julgado [art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal].

Apesar da ressalva sobre a impertinência de impugnar o Acórdão, cabe uma palavra sobre o direito de Renato e da própria Daniela que, ao contrário do que foi reproduzido pela mídia, continua perseguindo a exclusão do vídeo, conforme ela própria menciona na petição de fl. 662/663. A sentença é muito transparente ao estabelecer um limite para a transgressão do direito de imagem dos jovens que foram flagrados fazendo sexo na praia. É necessário acabar com essa exposição e tudo o que se escreveu sobre uma suposta legalidade de se punir libertinagem, retransmitindo o vídeo ad aeternum e sem cortes, encarna o fútil propósito de uma significativa parcela de opiniões em defesa do sacrifício de valores dos culpados pelos erros de conduta. Não se justifica perpetuar esse castigo moral que está sendo impingido aos autores, porque não é justo ou jurídico manter, indefinidamente, uma parte da vida deles exposta ao público, como se estivessem expiando um pecado digno da execração pública.

O Acórdão atentou para um valor fundamental da dignidade humana [art. 1º, III, da CF], optando pela consagração de um enunciado jurídico que estabeleça um basta contra essa atividade criminosa e que se caracteriza pela retransmissão, contra a vontade das pessoas filmadas clandestinamente, de imagens depreciativas e que humilham os protagonistas, seus conhecidos, os parentes e suas futuras gerações. De todas as manifestações que foram emitidas em jornais e revistas, com o sensacionalismo imprudente dos jejunos do direito, não há uma voz que aponte uma boa razão para que a intimidade do casal permaneça devassada, como foi, até porque são cenas delituosas. A quem interessa isso, perguntei, quando relatei o Acórdão, e não foi dada resposta. Não é, que fique bem claro, preocupação com essa ou outra pessoa, notória ou simples, mas, sim, defesa de uma estrutura da sociedade, na medida em que a invasão de predicamentos íntimos constitui assunto que preocupa a todos, até porque a imprevisibilidade do destino poderá reservar, em algum instante, esses maus momentos para nós mesmos ou pessoas que nos são próximas e caras.

O relator não determinou que fosse bloqueado o site YOUTUBE, tendo isso ocorrido por uma equivocada interpretação do Juízo de Primeiro Grau, que, traduzindo de forma errada o que constou do despacho, expediu ofícios para que se interditasse o site por completo. O nome desse juiz foi citado, indevidamente, como defensor da censura, o que constitui uma leviandade, porque contraria tudo o já escrevi sobre o assunto [Ênio Santarelli Zuliani, Comentários à Lei de Imprensa, RT, coordenação de Luiz Manoel Gomes Júnior, 2007, p. 54]:

Censura é a restrição indevida da consciência cívica, que, pela sua extraordinária capacidade de interação, verdadeiro espetáculo da evolução humana, é irrestringível. Cancelar o que é ilícito, no entanto, não ofende o valor relevante da liberdade de pensamento e de comunicação; pelo contrário, consagra a sua eficácia”.

O YOUTUBE articula-se, para justificar a inserção do vídeo e o acesso irrestrito, com a analogia, pretendendo convencer de que determinadas situações, mesmo que teoricamente ofensivas a direitos da personalidade, ganham licitude quando conhecidas [domínio público das obras literárias]. Uma coisa é esvaziar o direito autoral de um poema ou canção centenária festejada pelo povo como se fosse patrimônio da humanidade; outra, bem diferente, é pretender que o banalizar da vulgaridade conquiste a legalidade. Não. Ainda que testemunhemos a mediocridade e com ela nos resignemos, jamais poderemos admitir que o enfraquecimento dos costumes transforme o ilícito em assunto de rotina dos lares, o que anima escrever que a multiplicidade do replay do filme do casal não imuniza os infratores que teimam em divulgá-lo.

Nesse contexto, é hora de enfrentar o grande dilema do processo: o que fazer diante de um site que se diz impotente no controle dos conteúdos lançados on line para deleite de milhões de pessoas?

O bloqueio do site, como sugerido pelo agravante, fica fora de cogitação. Embora o art. 461, § 5º, do CPC, permita que o juiz escolha, entre as medidas adequadas, uma solução drástica e radical, essa decisão somente será recepcionada pelo sistema no caso de a interdição solucionar uma crise pontual, sem prejudicar terceiros. O site que permite que o vídeo do casal seja visto hospeda esse e milhares de outros, termina prestando um serviço social de entretenimento porque aproxima o contato quando os filmes servem para encurtar a distância entre as pessoas e, principalmente, revela talentos que não despontariam para a profissão caso não existisse essa forma alternativa de apresentar roteiristas e cineastas amadores. A grande audiência é uma ótima referência para artistas, cantores e bandas; enfim, o YOUTUBE não produz somente banalidades e pornografias.

Apagar o sinal para preservar a imagem do casal não guarda razoabilidade, ainda que possa antever um certo desafio da empresa, que reafirma, em todos os seus pronunciamentos, a impossibilidade técnica de eliminar dos links o vídeo do casal, porque a sua ideologia é o de justamente facilitar o ingresso desses vídeos. Segundo os elementos dos autos, a dificuldade estaria em criar um mecanismo que identificasse todos os vídeos armazenados, porque os usuários burlam qualquer esquema de segurança aplicando diferenciais que sabotam os filtros. Não existe certeza de que é possível impedir, com absoluto sucesso, a retransmissão, até porque, como explicado, a repetição acontecerá por meio de acessos internacionais e que escapam do controle das empresas que atuam no Brasil.

O Tribunal considera que o YOUTUBE está lidando com a sentença de forma parcimoniosa e até desrespeitosa, limitando-se a excluir o vídeo dos links conhecidos ou identificados, quando essa identificação é facilitada pelas denúncias. Não fez prova de ter tentado criar um programa capaz de rastrear o filme do casal, com outros ingredientes, para sua localização, o que implica que está se omitindo ou, no mínimo, agindo passivamente, como se não lhe coubesse alguma responsabilidade pelo impasse que coloca em cheque a eficácia da coisa julgada.

Não é convincente a assertiva de que o provedor de hospedagem é como se fosse um sujeito inalcançável em termos de obrigação pela ilicitude dos que são admitidos a fazer uso do espaço concedido. A ordem jurídica foi idealizada e aperfeiçoada para se tornar invulnerável contra as ofensas aos direitos das vítimas, tendo o fenômeno da responsabilidade social evoluído para acompanhar o fantástico mundo tecnológico. A Internet desafia os juristas, e a comunidade reclama legislação que fortaleça a defesa das vítimas dos danos injustos, valendo acrescentar que de nada adiantará o Código Civil disciplinar e proteger os direitos da personalidade, em se admitindo que provedores de hospedagem permaneçam imunes ao dever de fiscalizar os abusos que são cometidos diante de seus olhos. Não custa lembrar que a rede de relacionamentos na Internet MYSPACE, controlada pela News Corp, está fornecendo informações aos promotores estaduais de Mississipi sobre as mensagens de usuários condenados por abusos sexuais, para controle das abordagens deles sobre menores [Jornal Valor. 22.5.2007, B-3].

Embora seja duvidosa a responsabilidade do provedor de hospedagem sobre ilicitudes de conteúdo, quando desconhecidas, a responsabilidade é incontroversa quando toma conhecimento da ilicitude e deixa de atuar em prol da restauração do direito violado. Nesse sentido, está a posição de MARCEL LEONARDI [Responsabilidade civil dos provedores de serviços na Internet, SP, Editora Juarez de Oliveira, 2005, p. 178]. Na obra de SOFIA DE VASCONCELOS CASIMIRO [A responsabilidade civil pelo conteúdo da informação transmitida pela Internet, Coimbra, Almedina, 2000, p. 92] foi reportado o julgamento, na Corte de Apelação de Paris, contra um provedor, por permitir que um utilizador anônimo colocasse fotografias digitalizadas de Estelle Hallyday, modelo muito conhecida, em que “ela aparecida total ou parcialmente desnuda, sem autorização da mesma”, sendo que, por sentença de 10.2.1999, aquele tribunal condenou o fornecedor de acesso a pagar uma elevada indenização à autora pelos “danos sofridos pela violação de seus direitos à imagem e à privacidade”.

O autor é titular de um direito independente do direito de sua namorada. Ele não é figura pública, tanto que está reclamando de constrangimentos em seu ambiente de trabalho. O art. 20, do Código Civil, garante a ele a tutela de que necessita para ter paz, o que não significa, necessariamente, a reparação de danos [art. 5º, V e X, da CF]. Portanto, é legítimo, sem que se reconheça qualquer forma de censura [art. 220, § 1º, da CF], estabelecer que a YOUTUBE deverá providenciar, em trinta dias, todos os vídeos do casal que se encontram nos links admitidos, para, a partir daí, impedir, a partir da identificação do HP [inclusive lan house], o acesso dos usuários que retornarem o vídeo para o site, sob pena de pagar, ao autor, a multa de R$ 250.000,00, como estabelecido. Não custa lembrar que, para o usuário instalar o vídeo deverá ser identificado, o que facilita a diligência a ser concretizada pelo YOUTUBE para que a sentença seja cumprida.

A questão do vídeo do casal ultrapassou o campo da individualidade e ganhou notoriedade pelo questionamento que se fez da capacidade de o Judiciário resguardar o direito de intimidade e de honra das pessoas, quando há violação pela Internet. Assim, na forma do art. 20, do CC, e porque se confirmou a inviabilidade de o site ser bloqueado na integralidade, caberá ao provedor atuar de forma a cumprir o que se decidiu, por ser o único com vínculo direto com a ilicitude e aquele que lucra com o negócio de risco. O YOUTUBE deverá provar que não se comporta como um negligent controller “assumindo ou endossando passivamente o conteúdo das publicações realizadas pelos usuários nos espaços privados”, conforme anota DEMÓCRITO RAMOS REINALDO FILHO [Responsabilidade por publicações na Internet, Forense, 2005, p. 215]:

“Nos ambientes eletrônicos, em razão do papel intermediário dos controladores de sistema, que tomam parte de uma certa forma nas atividades que neles são desenvolvidas, embora nem sempre exerçam um controle real sobre o conjunto das informações que neles circulam (como acontece em relação à hospedagem de páginas e armazenamento de arquivos), essa participação poderia ser interpretada como implicando um conhecimento presumido do caráter ilícito da informação que se encontra em seu sistema. Por essa razão, o controlador que tem conhecimento da natureza ilegal da informação tem o dever de tomar as medidas necessárias para preveni-la ou retirá-la do sistema, sob pena de ser responsabilizado. Essa exigência de conduta, no entanto, deve ser interpretada mais como uma obrigação de manter-se diligente, de tomar providências que sejam consideradas próprias para fazer cessar a publicação ilícita, do que o dever de intervir diretamente no conteúdo da página eletrônica hospedada em seu sistema”.

Renato poderá, em trinta dias, executar a multa, desde que confirme a permanência dos vídeos, sendo que não há motivo para diminuir o montante da multa. O YOUTUBE é uma empresa de poderio econômico e que fatura alto com o acesso dos usuários, no Brasil e no mundo; portanto, quantia inferior a essa que foi arbitrada não atingiria o objetivo de conscientizá-la de cumprir o que se decidiu. Afinal, consta do Jornal Folha de São Paulo, seção Dinheiro, edição de 21.1.2007, B-11, o seguinte:

GOOGLE QUER DOMINAR TODA A PUBLICIDADE. Nos últimos 12 meses, o Google se expandiu para o vídeo (com a aquisição do YouTube, por US$ 1,65 bilhão, para criar um veículo de publicidade em vídeo; áudio (com a aquisição, por até US$ 1,24 bilhão, da dMarc, uma rede automatizada de venda de publicidade em rádio); e mídia impressa (com um acordo para vender publicidade em 66 jornais americanos. O grupo negocia há meses para fechar acordo com um grande conglomerado de mídia que permita o YOUTUBE se integre à mídia convencional, com a exibição de conteúdo protegido pelos direitos autorais no site em troca de uma participação nas receitas publicitárias que isso possa vir a gerar”.

É interessante observar que a mesma cifra foi mencionado na nota do Herald Tribune, de 22 de abril último [https://www.iht.com/bin/print.php?id=5389504], no título “When Youtube is a threat”, de Eric Pfanner, quando veio a público a seguinte opinião: “Alan Johnson, the British Education Secretary, called on Youtube not to carry videos of students insulting each other or their teachers, apparently an increasingly popular genre of video in Britain. In several countries, individual schools have blocked access to Youtube over similar issues.

Embora tal fato tenha sido colhido da imprensa, não deixa de ser relevante para manter o valor arbitrado diante do poder financeiro do ré, sob pena de a sentença ser descumprida e, a multa, ridicularizada. É inadmissível que o Youtube nada faça e crie, com isso, um clima de insegurança social pela falsa impressão de que tudo é possível ou permitido na Internet, quando, na verdade, devesse pregar uma ideologia oposta. O seu dever é o de limpar o site do material que ofende direitos da personalidade ou pagar a multa por não fazê-lo.

Isso posto, dá-se provimento, em parte, ao agravo, determinando que a YOUTUBE promova, em trinta dias, medidas concretas de exclusão do vídeo do casal, dos links admitidos, advertindo e punindo, com exclusão de acesso de hospedagem, todos os usuários que desafiarem a determinação com a reinserção do filme, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 250.000,00.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores TEIXEIRA LEITE e FÁBIO QUADROS.

São Paulo, 28 de junho de 2007.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI
Presidente e Relator

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