A atleta paranaense Flavia Maria de Lima, velocista pentacampeã dos 800 metros, recebeu com alegria a notícia de sua convocação para as Olimpíadas de Paris em 2024. No entanto, a conquista veio acompanhada de uma séria preocupação: a possibilidade de perder a guarda de sua filha de seis anos.
Atualmente, Flavia compartilha a guarda da criança com seu ex-companheiro, que recentemente moveu uma ação na Justiça acusando a atleta de abandono parental devido às viagens necessárias para competir.
Em sua conta no Instagram, a velocista revelou que cada viagem para buscar a vaga olímpica, mesmo dentro do Brasil, tem sido usada pelo pai da criança como argumento para alegar abandono materno.
Relação abusiva
Nas redes sociais, Flavia compartilhou detalhes de seu relacionamento abusivo, que começou antes mesmo do nascimento de sua filha em 2018, dois anos após sua estreia olímpica na Rio-2016. "Quando contei para meu então companheiro que queria ser mãe, ele disse que não queria ser pai. Mas hoje usa a filha para perpetuar violência após o término do relacionamento abusivo", relatou.
A atleta descreveu a exaustiva rotina que enfrentou como mãe, atleta e dona de casa sem nenhuma ajuda.
"Lavar, cozinhar, passar enquanto o bebê dormia. Era a exaustão extrema."
As dificuldades a levaram a mudar para a prova dos 3.000 metros com obstáculos, sem o mesmo sucesso.
Em 2021, Flavia decidiu deixar a filha com sua mãe por dois meses para treinar em São Paulo, na busca por uma vaga olímpica, mas terminou em 51º no ranking, fora das 48 classificadas.
A queda de categoria no Bolsa Atleta impactou financeiramente a vida da atleta, que começou a fazer crochê para vender, além de sua rotina já sobrecarregada.
"Se eu não conseguisse fazer o almoço para terminar uma encomenda e pedisse para ele comprar uma marmita, ele reclamava. Disse com todas as letras que era minha obrigação ele chegar em casa e estar com a comida feita, a roupa lavada, servi-lo em todos os sentidos", revelou Flavia.
Apoio e lesões
A atleta só conseguiu continuar sua carreira graças ao apoio de uma amiga que cuidava de sua filha para que ela pudesse treinar.
Em 2022, uma lesão na panturrilha quase a tirou das competições. Flavia enfrentava uma rotina árdua, carregando a filha diariamente até a escola por 6 km, sem tempo para cuidados essenciais como massagem ou fisioterapia.
Mesmo após um rompimento de grau 2 na panturrilha, o pai da criança só comprou uma bicicleta com cadeirinha quando Flavia não conseguia mais andar.
Durante a reforma da pista na cidade de Campo Mourão/PR, Flavia precisou treinar cinco meses em São Paulo, deixando a filha com o então marido. Ao retornar, a criança relatou situações que a convenceram a pedir o divórcio.
Machismo e desafios
"Na história dos Jogos Olímpicos, nenhum pai foi acusado de abandonar filhos por trabalhar como atleta para o sustento deles. Eu sou, e só porque sou mãe, logo mulher", desabafou Flavia.
A atleta afirma que enfrenta "uma correnteza de acusações" do ex-companheiro, que tenta "atrapalhar sua carreira e resultados".
Segundo Flavia, o pai da criança nunca a visitou na casa da mãe de Flavia, em Campo Tenente/PR, exceto quando ela mesma levou a filha a Campo Mourão.
A cada nova convocação, ele peticiona no processo para alegar abandono. "Eu vim para a Europa com medo de perder a minha filha. O amor que tenho pela minha filha é imenso demais. Mas vim por nós duas, não vim a passeio. Eu vim pelo meu trabalho, em busca de algo melhor para nós duas", concluiu a atleta.
Olimpíadas de Paris
Nesta semana, já em Paris, a atleta afirmou que sua ida à competição é também uma forma de resistência, “um recado a todas as mulheres que estão passando por um processo de divórcio ou de guarda de filho, que vocês podem muito mais do que pensam”.
Ela também destacou que “não é um homem ou um sistema um pouquinho machista que vai diminuir seu valor. A gente tem que ser resistência, lutar pelo nosso direito e ser uma voz ativa”.