Na sessão plenária desta quarta-feira, 24, STF voltou a analisar se o MP é competente para instaurar e conduzir investigações criminais. Devido ao adiantado da hora, a sessão foi suspensa e a análise continuará na quinta-feira, 25, com voto do ministro Flávio Dino.
Nesta tarde, além das manifestações das partes e de amici curiae, proferiu seu voto, o relator, ministro Edson Fachin.
S. Exa. ressaltou que, em colaboração com ministro Gilmar Mendes, primeiro a apresentar divergência, desenvolveu um voto intermediário, com conclusões conjuntas, para pacificar a questão em debate.
Caso
A ADIn 2.943 proposta pelo PL - Partido Liberal questiona dispositivos das leis que regem os MPs estaduais e o MPU. A ação desafia especificamente o art. 26 da lei 8.625/93 (Lei Orgânica dos MPs Estaduais), que autoriza o parquet instaurar inquéritos civis e procedimentos administrativos, bem como os arts. 7º, 30 e 150 da LC 75/93, que estabelecem funções institucionais similares para o MP.
Já as ADIns 3.309 e 3.318 propostas pela ADEPOL - Associação dos Delegados de Polícia do Brasil contestam resoluções que detalham a organização, atribuições e estatuto do MPU, e que regulamentam a instauração e tramitação de procedimentos investigatórios criminais dentro do parquet.
Julgamento virtual
Originalmente realizado em plenário virtual, os julgamentos foram transferidos para o plenário físico após pedido de destaque do ministro relator, Edson Fachin. Tanto o relator como os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski (atualmente aposentado), já haviam proferido voto no plenário virtual. Entretanto, com o pedido de destaque, o placar é zerado, mantendo-se apenas o voto de Lewandowski.
No julgamento virtual, Fachin votou pela autonomia do MP para promover investigações penais, entendendo válidos os arts. contestados.
Inaugurando divergência, ministro Gilmar Mendes, entendeu que as investigações precisam ser submetidas ao controle efetivo da autoridade judicial competente. S. Exa. foi acompanhada pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
2015
Em 2015, o plenário da Corte, por maioria, reconheceu o poder investigativo de natureza penal do MP. A decisão foi proferida no âmbito do RE 593.727, com repercussão geral, que questionava se o recebimento de denúncia, com procedimento investigatório criminal realizado pelo parquet, ofenderia a CF.
Os ministros entenderam que o MP tem competência constitucional para promover investigação de natureza penal, ressalvadas as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer pessoa sob investigação do Estado.
Paradoxo da persecução penal
Nesta quarta-feira, 24, o advogado Fabio da Costa Vilar, integrante da banca Nelson Wilians Advogados, e representante da ADPF - Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, admitida como amicus curiae, destacou a necessidade de estabelecer limites objetivos ao poder investigativo do Ministério Público.
Vilar argumentou que a medida visa proporcionar segurança jurídica e evitar o viés de confirmação, que é a tendência de buscar evidências que confirmem a culpa do investigado de forma inconsciente.
Ele sugeriu que o STF considere três pontos principais em sua decisão:
- Estabelecer critérios objetivos para evitar escolhas seletivas nas investigações do MP, como a apuração de abusos em operações policiais.
- Proibir prorrogações automáticas e desproporcionais de prazos nos procedimentos investigatórios criminais.
- Gerenciar adequadamente investigações simultâneas do MP e da polícia judiciária para prevenir ineficiências e riscos de conflitos nas conclusões investigativas, através de um diálogo interinstitucional.
- A definição de critérios objetivos para prevenir a seletividade na escolha dos casos investigados pelo MP, como, por exemplo, a apuração de abusos em operações policiais.
Além disso, citando Francesco Carnelutti em "As Misérias do Processo Penal", Vilar destacou o paradoxo da persecução penal: enquanto necessária para definir penas, a própria investigação e processo penal podem em si constituir uma penalidade.
Ao final, defendeu a necessidade de estabelecer limites objetivos à atuação do MP, preferencialmente utilizando a técnica de interpretação conforme a Constituição.
Disputa de poderes
Como amicus curiae, o advogado Aristides Junqueira Alvarenga, da banca Aristides Junqueira Advogados Associados S/S, representou tanto a CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público quanto a ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República.
Em sua fala, destacou a falta de harmonia entre os órgãos de persecução penal, citando o filósofo Bertrand Russell para criticar a busca excessiva de poder além do que é estabelecido pela Constituição.
Alvarenga também esclareceu a diferença entre supervisão e controle dos atos do MP, argumentando que a supervisão administrativa, incluindo a solicitação de inquéritos, pode colidir com o princípio da autonomia funcional do órgão. Essa questão, segundo ele, compromete o equilíbrio institucional do sistema jurídico brasileiro.
Concentração de poderes
Representando a ADJ - Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária como amicus curiae, a advogada Deborah de Andrade Cunha e Toni, da DTA Soluções Jurídicas, destacou a importância da supremacia do interesse público nas investigações, uma prática que, segundo ela, não está sendo efetivamente observada.
Mencionou que, apesar de o STF ter reconhecido em 2015 a necessidade de mecanismos de controle, tais medidas ainda não foram implementadas.
Deborah também apontou a concentração de poderes em um único órgão estatal como um risco significativo que pode comprometer princípios constitucionais protegidos pela Corte.
Criticou os dispositivos legais em questão por permitirem ações sem a devida fiscalização ou controle externo, um contraste com as investigações realizadas pelas polícias judiciais, que são rigorosamente controladas. Esse desequilíbrio, segundo ela, representa um contrassenso que ameaça a integridade do sistema de Justiça.
Manifestação do PGR
Hindemburgo Chateaubriand, representando a Procuradoria Geral da República, esclareceu que as ações sob análise pelo STF não contestam a competência do MP para conduzir investigações, já reconhecida em 2015. Destacou que o foco atual é estabelecer limites objetivos para essa atuação.
Ademais, discutiu o papel do juiz das garantias, descrevendo-o como um mecanismo para supervisionar os atos do MP. Reiterou que o STF já determinou a necessidade de todos os atos do MP serem submetidos ao controle judicial e que os representantes do parquet devem encaminhar procedimentos ao juiz natural, independentemente da presença dos juízes da garantia na localidade.
Reconhecendo os desafios inerentes ao sistema judicial, o Procurador-Geral defendeu que a existência de múltiplos procedimentos não deve obstruir o poder investigativo do MP. Também advogou pela importância de diálogos institucionais para resolver essas questões e exemplificou com a eficácia de equipes conjuntas de investigação usadas internacionalmente.
Ao concluir, Chateaubriand pediu que os pedidos sejam negados, enfatizando que o MP não se opõe à fiscalização, mas busca uma modalidade apropriada de controle.
Voto do relator
Ministro Fachin, relator das ações, destacou cinco premissas relevantes para o entendimento de seu voto:
- O monopólio de poderes como um convite ao abuso de poder.
- A capacidade do MP para conduzir investigações criminais deriva de sua função essencial de proteger preceitos fundamentais.
- Todo poder-dever deve estar sujeito ao controle legítimo do Poder Judiciário.
- No Estado Democrático de Direito não há espaço para arbitrariedade ou discricionariedade no uso da força letal, sendo obrigatória a investigação pelo MP sempre que houver suspeitas de envolvimento de agentes de segurança pública em atos penais.
- A condução de investigações sérias e imparciais pelo Estado requer que os órgãos oficiais de perícia operem com independência e autonomia.
Com base nessas premissas, propôs a procedência parcial das ADIns, sugerindo que os dispositivos questionados sejam interpretados conforme a CF. Ele enfatizou que qualquer investigação realizada por membros do MP deve ser registrada junto ao órgão judiciário, garantindo que o procedimento esteja sob supervisão jurisdicional inafastável.
Veja o momento:
O ministro ainda pontuou que, em 2015, a Corte concluiu pela inexistência de monopólio policial na atividade investigativa. Além disso, explicou que a autorização para o MP conduzir ações penais deriva de poderes implícitos, e enfatizou que a participação do MP nas investigações não viola o devido processo legal, desde que se respeitem as prerrogativas dos advogados e a reserva de jurisdição.
Subsidiariedade da investigação
Fachin afirmou que a atuação investigativa do MP é de natureza subsidiária e visa promover a cooperação interinstitucional, não o isolamento. Destacou que, enquanto a polícia judiciária é responsável por esclarecer primariamente os fatos, cabe ao MP garantir que eles estejam claramente elucidados, conforme a legislação e a Constituição.
O ministro sublinhou que o MP deve intervir apenas quando a eficácia do inquérito policial for insatisfatória. Nessas circunstâncias, precisa documentar as razões que justificam a condução de uma investigação preliminar. Além disso, estabeleceu que o MP deve:
- Registrar o inquérito junto ao órgão judiciário competente.
- Respeitar os direitos e garantias durante as investigações preliminares.
- Justificar a sua aptidão para conduzir o inquérito preliminar.
- Observar os prazos estipulados para a conclusão de inquéritos policiais.
- Submeter as atividades investigativas ao controle judiciário, incluindo eventuais prorrogações de prazo.
Segundo o ministro, essas diretrizes são cruciais para assegurar a integridade e a transparência das investigações, garantindo o respeito aos princípios legais e constitucionais.
Modulação de efeitos
No seu voto, o ministro destacou a importância de preservar os atos já realizados, propondo modulação para que não seja necessário o registro de inquéritos em casos de ações penais já iniciadas ou concluídas.
Para os processos em andamento, porém sem denúncia formalizada, propôs que o registro seja feito em até 60 dias após a publicação da ata do julgamento das ADIns.
Fachin também salientou que, uma vez registrado o inquérito, torna-se obrigatória a observância dos prazos estabelecidos para a conclusão do procedimento investigativo, bem como é imprescindível um pedido judicial para qualquer prorrogação da investigação.
Tese
Ao final, o ministro propôs a seguinte tese:
"I. O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas sempre por seus agentes as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e também as prerrogativas profissionais de que se achem investidos, em nosso país, os advogados. Sem prejuízo da possibilidade, sempre presente no Estado Democrático de Direito, do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados, praticados pelos membros dessa instituição.
II. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público pressupõe:
- Comunicação ao juiz competente sobre a instauração e encerramento de procedimento investigatório com o devido registro e distribuição;
- Observância dos mesmos prazos previstos para conclusão de inquéritos policiais.
- Necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações, sendo vedadas renovações desproporcionais e imotivadas.
III. É obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, a instauração de procedimento investigatória pelo Ministério Público, sempre que houver suspeita do envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais, ou sempre que mortes, ferimentos graves ou outras consequências sérias ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes.
IV. Nas investigações de natureza penal o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, devendo a União, os Estados e o DF, no prazo de 2 anos, promoverem medidas legislativas para assegurar a independência e autonomia dos órgãos oficiais de perícias, de forma a impedir a ascendência funcional dos órgãos de polícia sobre as carreiras dos peritos técnicos científicos."