STF formou maioria de nove votos para validar entendimento veiculado pela MP 966/20 de que agentes públicos só podem ser punidos se agirem por dolo ou “erro grosseiro”.
A Corte, em plenário virtual, analisou duas ações movidas por partidos políticos que questionavam a MP, por considerarem que ela eximiu agentes públicos de responsabilidade por ações durante a pandemia de covid-19.
O término do julgamento está previsto para esta sexta-feira, 8. Os ministros seguiram o entendimento do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Ministro Cristiano Zanin acompanhou o relator com ressalvas. Ainda não votaram ministros Luiz Fux e Nunes Marques.
Voto do relator
Ministro Luís Roberto Barroso entendeu pela perda parcial do objeto das ADIns, pois a MP teve o prazo de vigência encerrado em 10/9/20.
“[...] em um extremo estão os agentes públicos incorretos; no outro extremo, existe o risco de que administradores corretos tenham medo de decidir o que precisa ser decidido, por temor de retaliações futuras. Esse último fenômeno, denominado de “apagão das canetas” ou “medo administrativo”, decorre da insegurança jurídica decisória e contribui para a inércia administrativa, com prejuízos à governabilidade, à eficiência e à efetividade de políticas públicas.”
O ministro entendeu que o art. 37, § 6º da CF carece de especificação quanto ao seu alcance, já que não define o sentido de culpa. Ela será, segundo S. Exa., dimensionada pelo legislador ordinário para definir a responsabilidade civil regressiva dos agentes públicos.
Para o relator, é necessário defini-la respeitando o princípio da proporcionalidade, pois ao restringir em demasia a culpa, a responsabilização fica inviabilizada em casos graves.
O STF, afirmou Barroso, entende possível a diferenciação do grau de culpa do agente público em certas hipóteses, como na responsabilização de pareceristas. Também pontuou que o CPC traz diferentes graus de culpa na responsabilização de agentes como juízes, membros do MP, membros da Advocacia Pública e da Defensoria Pública.
Então, afirmou que, em tese, restringir a responsabilidade pessoal do agente público às hipóteses de dolo ou erro grosseiro não é inconstitucional e que situações de incompatibilidade com a CF devem ser verificadas na qualificação do que seja erro grosseiro.
“Nesse cenário, a responsabilização do agente público por erros toleráveis pode resultar em importantes prejuízos à boa gestão pública. A adoção da categoria erro grosseiro me parece uma legítima opção legislativa, que respeita os limites de livre conformação estabelecidos pelo constituinte. Devem estar abrangidas na ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves. Ademais, a tolerância ao erro não pode significar complacência. Admite-se a falha, mas a desídia, o descuido e más gestões em geral merecem enfrentamento”, concluiu.
Assim, votou pela improcedência do pedido dos partidos que visavam a declaração da inconstitucionalidade do art. 28 da LINDB e dos arts. 12 e 14 do decreto 9.830/19, fixando a seguinte tese:
“1. Compete ao legislador ordinário dimensionar o conceito de culpa previsto no art.37, §6º, da CF, respeitado o princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente de vedação à proteção insuficiente;
2. Estão abrangidas pela ideia de erro grosseiro as noções de imprudência, negligência e imperícia, quando efetivamente graves.”
Veja o voto de Barroso.
Ressalva
Ministro Cristiano Zanin entendeu que os pedidos quanto à MP 996/20 não devem ser julgados prejudicados. Isso porque o STF deferiu uma cautelar para dar interpretação conforme à CF aos arts. 1º e 2º da medida.
A decisão liminar estabeleceu que para caracterização do erro grosseiro devem ser observados, pelas autoridades, standarts, normas e critérios científicos e técnicos, como estabelecidos por organizações e entidades internacional e nacionalmente reconhecidas e princípios constitucionais da precaução e da prevenção.
Ademais, houve fixação de tese, no mesmo sentido. Assim, para o ministro, o pronunciamento do Supremo foi importante e produziu efeitos concretos no período de vigência da MP.
Ao final, entendeu que os efeitos dessa cautelar devem ser preservados desde sua concessão até o encerramento da vigência da MP, ainda que prejudicadas as ADIns.
“Parece-me que a manutenção dos efeitos da medida cautelar representa providência fundamental para preservar a segurança jurídica no caso concreto, sobretudo porque a decisão colegiada deste Supremo Tribunal Federal fixou balizas e diretrizes de atuação dos gestores em matéria extremamente sensível e relevante”, concluiu.
Veja o voto de Zanin.
ADIn 6.421
O partido Rede Sustentabilidade é o autor da ADIn 6.421 na qual alega que a União, com a edição da MP, permitiu que danos ao erário não sejam devidamente ressarcidos e restringiu a responsabilidade administrativa dos agentes públicos.
Segundo a legenda, a MP restringe o texto do art. 37, § 6º da CF, que prevê a responsabilidade dos agentes públicos de forma ampla, sem promover diferenciação entre tipos de culpa.
Tal restrição, afirma o partido, causa prejuízos a sociedade ao blindar agentes públicos.
“[...]estamos dando um passo na linha do retrocesso da impunidade, o que causa enorme revolta ética/moral e comoção social”, afirma a inicial.
Efetividade da vacina
Em 2023, nessa ADIn, ministra Rosa Weber (atualmente aposentada) pediu esclarecimentos ao então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, acerca de nota técnica (2-22) que indicava a efetividade da hidroxicloroquina, e não da vacina, contra a covid-19.
O partido Rede Sustentabilidade, além da MP 966, questionava tal nota técnica e pedia sua anulação. O despacho foi dado pela então ministra Rosa Weber, em substituição ao ministro Luís Roberto Barroso, em razão do recesso forense.
ADIn 6.428
Ajuizada pelo partido PDT, a ação também contesta a MP editada pela união, além do art. 28 do decreto-lei 4.657/42 com a redação dada pela lei 13.655/18.
Segundo o partido, as normas suprimem do Judiciário a capacidade de fornecer proteção efetiva contra lesão ou ameaça de direito, infringindo a independência ente Poderes e deixando de observar o art. 37, § 6º da CF.
Assim, afirma que encurtam a responsabilidade de agentes públicos e excluem ilícitos e danos causados por culpa leve ou levíssima, o que poderia resultar em impunidade.