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Abordagem policial: Barbárie ou civilização?

O tema da abordagem policial é atual e de extrema importância para a sociedade brasileira, principalmente em contexto de crescente violência.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Atualizado às 09:45

O tema da abordagem policial é atual e de extrema importância para a sociedade brasileira, principalmente em contexto de crescente violência.

Assistimos, recentemente, tristes casos de escancarada abordagem indevida, abuso de poder e violência.

Não são pontos fora da curva. Não, mesmo!

É evidente que abordagens policiais têm que seguirem protocolos e regras. Não é? 

Incrível: Temos que a toda hora, no Brasil, falarmos obviedades.

O decreto do Governo Federal é muito bem-vindo; a não ser para quem aposta na morte e no faroeste à brasileira, com políticas de segurança truculentas:

"Atire primeiro, pergunte depois".

Pois é. Ordem e desordem. Civilização e barbárie caminham lado a lado na sociedade brasileira. Na linguagem freudiana: Pulsão de vida e pulsão de morte se misturam.

A quem interessa tudo isso?

Na verdade, nem precisaria de decreto se alguns policiais seguissem o bom senso, prudência e equilíbrio e os ensinamentos ministrados nas academias de polícia.

Casos trágicos de abordagem policial

A propósito, assistimos episódios trágicos em que uma pessoa foi arremessada do alto de uma ponte, que atiraram à queima-roupa em um rapaz desarmado e a jovem Juliana Leite Rangel, de 26 anos, foi ferida com tiro de fuzil na cabeça durante abordagem quando ia com a família para ceia de Natal.

Ah, não se pode esquecer que, em junho de 2023, Anne Caroline Nascimento e Silva, de 23 anos, foi morta em uma abordagem policial.

São vítimas inocentes da barbárie policial! Aliás, os agentes são pagos para proteger. Não para matar!

Os relatos e registros são os mais diversos em todo o país. Trazendo dor às famílias e consequências sociológicas e psicológicas.

A violência policial tem-se tornado um fator preocupante de demonstração de fraqueza do Estado Democrático Direito em conter essa escalada.

Há violações sistemáticas aos direitos humanos

Aumento da letalidade policial

Vale lembrar que a letalidade policial aumentou sobre o andar de baixo. O uso da força letal só pode ser feito em legítima defesa (CP, art. 25), seja ela própria ou de terceiros.

Na verdade, é a 3ª lei de Newton, da física, conhecida como lei da ação e reação: A toda força de ação surge uma reação.

Ora, se não há ação de criminosos porque a reação dos policiais?!

Pode isso?

Em consequência, não é mais tolerável a figura do policial truculento, que já chega distribuindo tiros, socos e pancadas, de preferência nos pobres e negros, totalmente despreparado para resolver os conflitos da comunidade.

Não se desconhece o agravamento da violência urbana. Sabemos da grande pressão enfrentada pelas forças policiais em contextos de violência.

Não é nada fácil!

Porém, nada justifica. Não se combate o crime com crime.

Não se trata de criar uma polícia medrosa, omissa, de braços cruzados diante da criminosos, que a cada dia estão mais organizados, mas que consiga resolver os problemas sem agredir ou matar.

Muitas vezes, o que ela faz é desrespeitar os mais elementares direitos fundamentais dos cidadãos.

Contexto legal

A ideia do decreto 12.341, 23/12/24, não é engessar o trabalho da polícia; mas traçar os limites do uso da força em uma democracia. 

Ou seja, disciplinar o uso da força e dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos profissionais de segurança pública, com vistas a promover eficiência, transparência, valorização dos profissionais de segurança pública e respeito aos direitos humanos.

Simples assim!

O decreto tem uma natureza técnica. Por exemplo: O art. 2º do decreto prevê que são princípios gerais de uso da força em segurança pública:

  1. A legalidade;
  2. A precaução;
  3. A necessidade;
  4. A proporcionalidade;
  5. A razoabilidade;
  6. A responsabilização; e
  7. A não discriminação.

Dispõe o art. 3º, que:

"A força deverá ser utilizada de forma diferenciada, com a seleção apropriada do nível a ser empregado, em resposta a uma ameaça real ou potencial, com vistas a minimizar o uso de meios que possam causar ofensas, ferimentos ou mortes".

§ 1º Os profissionais de segurança pública deverão priorizar a comunicação, a negociação e o emprego de técnicas que impeçam uma escalada da violência.

§ 2º O emprego de arma de fogo será medida de último recurso.

§ 3º Não é legítimo o uso de arma de fogo contra:

I - pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros; e

II - veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros.

§ 4º O emprego de arma de fogo ou de instrumento de menor potencial ofensivo deverá ser restrito aos profissionais devidamente habilitados para sua utilização.

§ 5º Sempre que o uso da força resultar em ferimento ou morte, deverá ser elaborado relatório circunstanciado, segundo os parâmetros estabelecidos em ato do ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública. 

Explicando os artigos

É tudo de uma obviedade óbvia dizer que:

A arma de fogo será medida de último recurso, que não é legítimo o uso de arma de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que a força deve ser empregada com bom senso, prudência e equilíbrio, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Que não é legítimo o uso de arma de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos profissionais de segurança pública ou a terceiros.

Assim, teremos que selecionar, formar e aperfeiçoar constantemente os policiais; dando condições de trabalho e, claro, pagar salários, que permitam uma vida digna.

Alguma dúvida?

Conclusão

A questão da abordagem policial deve ser discutida e assumida como tarefa e responsabilidade de todos: Governo Federal, estadual e municipal, e, da sociedade, sempre com viés técnico e não ideológico.

Deve sempre prevalecer o bom senso em prol do direito fundamental à segurança.

Aliás, só para lembrar: Não vale a fúnebre política de dar carta branca para polícia matar. Polícia para quem precisa de polícia. Ela existe para nos proteger!

Afinal, há urgência em relação à necessidade de mudanças nas práticas policiais de abordagem e, claro, no próprio sistema de segurança pública.

Por uma polícia cidadã: Eficiente, bem-preparada, bem educada e bem paga.

Renato Otávio da Gama Ferraz

VIP Renato Otávio da Gama Ferraz

Renato Ferraz é advogado, formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor da Escola de Administração Judiciária do TJ-RJ, autor do livro Assédio Moral no Serviço Público e outras obras

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