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STJ facilita acesso à cannabis medicinal ao conceder salvo-conduto

Nos últimos anos, número de pacientes que realizam tratamento com o fármaco aumentou consideravelmente.

8/1/2024

Nos últimos anos, o STJ tem sido palco de um notável avanço no panorama jurídico relacionado ao cultivo de cannabis para fins medicinais. As decisões do Tribunal da Cidadania não apenas refletem uma mudança no cenário jurídico, mas também atuam como agente de democratização do acesso à saúde.

De acordo com o 2º Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil 2023, cerca de 430 mil pessoas estão se beneficiando de derivados medicinais da planta no país. O número representa um aumento de 130% em relação ao ano anterior, em que foram registrados 188 mil pacientes.

Desses 430 mil, menos da metade são pacientes com autorização ativa na Anvisa, e podem realizar a compra online dos produtos importados até que vença a validade da permissão, dois anos após sua concessão.

A outra metade, segundo o anuário, se divide entre pacientes que compram nas farmácias, com prescrição médica; pacientes que são atendidos pelas associações; e pessoas que cultivam com autorização judicial.

Judicialização

O aumento de pacientes que usam a cannabis medicinal refletiu diretamente no Judiciário. Afinal, como dito, grande parte dessas pessoas precisam de autorização judicial para cultivar a planta.

Com efeito, o STJ testemunhou um notável aumento no número de pedidos de habeas corpus relacionados ao cultivo ou salvo-conduto. Até o final de outubro de 2023, foram registrados 51 processos, um salto significativo em comparação aos 19 do ano anterior.

Se o número de pacientes aumentou em 130%, o aumento dos pedidos no Tribunal representa mais de 168%. Entre 2018 e 2021, a Corte não passava de 10 pedidos por ano. A partir de 2022, o tema ganhou mais relevância e a população teve ainda mais conhecimento das possibilidades de tratamento. Foi quando o número quase dobrou, saltando para 19 pedidos.

A virada de chave ocorreu, de fato, em 2023. Até outubro, os pedidos já eram 51.

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STJ - Penal

Após inúmeras decisões monocráticas, recentemente, em setembro de 2023, a matéria foi pacificada no âmbito das turmas penais, quando a 3ª seção concedeu salvo-conduto em habeas corpus para permitir o cultivo doméstico de cannabis sativa para extração do óleo com finalidade medicinal.

Na ocasião, ministro Jesuíno Rissato, que deu o voto condutor do acordão, destacou que não seria conveniente "dar marcha ré" e retroceder em um entendimento que já era jurisprudência na Corte.

Ministro Rogerio Schietti também ponderou: "é razoável que compactuemos com a responsabilização penal do paciente por pretender o cultivo da cannabis sativa com finalidade exclusivamente medicinal e amparada em prescrição médica?"

Ao citar exemplos, ministro Saldanha Palheiro disse que tem acompanhado casos concretos que são de pacientes com comorbidades extremas, e que têm efeitos extremamente benéficos com a utilização do medicamento. S. Exa. citou, ainda, que casos de quimioterapia, com efeitos colaterais devastadores, têm melhora significativa. "Isso é direito à saúde, da maneira que é possível ser prestado".

Economicamente inacessível

Outro motivo que levou o STJ a decidir sobre a matéria é o fato de que a Anvisa não fornece os produtos, apenas autoriza a importação deles e que apenas em poucos Estados, é garantido o fornecimento pelo SUS.

Para muitos pacientes, a importação de medicamentos à base de cannabis é uma opção onerosa e inatingível do ponto de vista financeiro. Aqueles que enfrentam condições médicas desafiadoras muitas vezes se veem em uma situação em que o tratamento adequado é economicamente inacessível, criando barreiras significativas para o cuidado eficaz e digno.

Dados do 2º Anuário da Cannabis Medicinal no Brasil 2023 mostram que os produtos importados custam até R$ 2 mil. Os vendidos em farmácia podem chegar a R$ 5,3 mil.

A concessão de salvos-condutos pelo STJ para o cultivo caseiro da cannabis medicinal também abre uma janela de esperança para pacientes que enfrentam dificuldades financeiras.

Quando a 3ª seção decidiu pelo salvo-conduto, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca levantou a questão. S. Exa. ressaltou que é necessário evoluir na análise do tema, privilegiando-se o acesso à saúde de todos os meios possíveis.

"O direito à saúde não é direito de alguns. Não é direito daqueles que têm poder econômico para importar. O direito à saúde é de todos", disse na ocasião. O ministro ainda destacou que "não é coerente que o mesmo Estado que preze pela saúde da população e já reconhece os benefícios medicinais da cannabis sativa condicione o uso da terapia cannabis àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento".

STJ – Civil

No âmbito civil, a questão ainda vai ser debatida pela 1ª seção, a fim de também pacificar o tema nesta área.

Em março de 2023, a seção determinou a suspensão, em todo o país, da tramitação das ações individuais ou coletivas que discutem a possibilidade de autorização para importação e cultivo de variedades de cannabis para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais.

A relatora, ministra Regina Helena, ressaltou que o cultivo de variedades de cannabis é uma questão extremamente controversa e, mesmo na hipótese de reconhecimento, pela 1ª seção, da possibilidade do plantio no Brasil, a efetivação da decisão exigiria uma série de providências judiciais e administrativas.

Legislação

O assunto invade o Judiciário, principalmente, pela falta de regulamentação do tema. A alta demanda por habeas corpus para o cultivo caseiro de cannabis destaca a urgência de uma regulamentação mais abrangente sobre a cannabis medicinal no Brasil.

Atualmente, a lei antidrogas proíbe o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas. Não entram na proibição plantas usadas exclusivamente em rituais religiosos e no caso de fins medicinais e científicos.

Na Câmara e no Senado, tramitam projetos de lei com o objetivo de regulamentar a matéria.

O PL 5.511/23, no Senado, estabelece, entre outros aspectos, normas para o cultivo e importação de cannabis e de produtos à base da planta para fins medicinais, de uso humano e veterinário. A proposta aguarda designação de relator na CRA - Comissão de Agricultura e Reforma Agrária.

Também em trâmite no Senado, o PL 89/23 institui a Política Nacional de Fornecimento Gratuito de Medicamentos Formulados de Derivado Vegetal à Base de Canabidiol, em associação com outras substâncias canabinoides, incluindo o tetrahidrocanabinol, nas unidades de saúde públicas e privadas conveniadas ao SUS. A proposta está em análise na CAE - Comissão de Assuntos Econômicos.

Já na câmara, o PL 399/15 visa aterar o art. 2º da da lei antidrogas para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta cannabis sativa em sua formulação. Neste caso, apenas pessoas jurídicas seriam permitidas. A proposição está sujeita à apreciação conclusiva pelas comissões.

Em nível estadual, alguns Estados têm decidido a questão. Em dezembro de 2023, O governador Tarcísio de Freitas, de SP, regulamentou lei que prevê o fornecimento de remédios à base de cannabis medicinal pelo SUS no Estado de São Paulo.

A regulamentação acontece quase um ano depois da sanção da lei estadual 17.618/23, ocorrida em 31 de janeiro, a qual instituiu a política estadual de fornecimento gratuito desse tipo de medicamento.

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