O legado deixado por Rui Barbosa à Advocacia foi tema de evento especial realizado nesta quarta-feira, 29, durante a 24ª Conferência Nacional da OAB. O painel debateu os "Cem anos da Morte de Rui Barbosa: Seu legado à Advocacia, à Ciência Jurídica, e à História do Pensamento e da Ação Política Brasileira".
Para Paulo Roberto de Gouvêa Medina, detentor da Medalha Rui Barbosa, honraria máxima da advocacia que leva o nome do jurista, "Rui foi o maior constitucionalista de todos os tempos".
"Não só por ter sido o principal autor da CF de 1891, mas sobretudo por haver concebido algumas doutrinas fundamentais até então ignoradas pelos Tribunais brasileiros, a começar pelo STF."
Ele também destacou a importância de Rui na defesa das liberdades, ao chamá-lo de "pai do mandado de segurança". Destacou, por fim, que, no campo do Direito Constitucional, Rui defendeu teses importantíssimas ao Estado Democrático de Direito.
Participação
Ministra do STJ, Daniela Teixeira foi convidada a compor a mesa. Em sua fala, destacou que, ao longo dos 27 anos em que foi advogada, esteve em todas as Conferências da Advocacia.
"Imensa alegria estar nessa mesa com o presidente Marcus, a quem a Advocacia deve muito. Na presidência de Marcus foi criada a Comissão da Mulher Advogada, e fizemos a primeira Conferência da Mulher Advogada, em Alagoas. Minha eterna gratidão."
Daniela falou do orgulho de ser ministra do STJ pelo Quinto Constitucional. "Tive o voto de todas as seccionais, e vou trabalhar todos os dias para honrar essa esperança que foi depositada em mim - a esperança de levar a voz da Advocacia para o Judiciário."
Rui Barbosa e a questão de gênero
Também falou sobre a Águia de Haia o editor do Migalhas, Miguel Matos, presidente do Conselho de Comunicação do Congresso Nacional e organizador do livro Migalhas de Rui Barbosa.
Estudioso de Rui Barbosa, Miguel levou à mesa um panorama da vida do jurista, e contou curiosidades. Entre os dados, citou a questão de gênero e destacou que a OAB é hoje a única instituição paritária – avanço que é um marco na história do Brasil, e que todas as instituições devem seguir.
Miguel contou que, em 1919, na última campanha em que Rui participou como candidato à presidência da República, fez uma reclamação:
"Toda a vez que a indústria emprega, indistintamente, parelhamente, identicamente, nos mesmos trabalhos o homem e a mulher, sujeitando os dois à mesma tarefa, ao mesmo horário, ao mesmo regime, não há por onde coonestar a crassa absurdeza de no tocante ao salário, se colocar a mulher abaixo do homem. Nada tem que ver o sexo. A igual trabalho, salário igual."
Curiosamente, no Brasil, a igualdade salarial só se tornou lei este ano quando, em junho, foi sancionada lei pelo presidente. “Isto mostra a atualidade de Rui Barbosa, e como é importante revisitar sua obra.”
Miguel também apresentou o momento histórico em que viveu Rui Barbosa, quando Dom Pedro II, absolutista esclarecido, permitia a criação, as artes, discussões, debates políticos, e que Rui ajudou o Brasil a florescer como um país cultural. “Era um Brasil que estava nascendo para o mundo. Rui debateu o Brasil em eventos internacionais, ajudando a florescer o país.”
O painelista destacou peculiaridades da pessoa que foi Rui Barbosa.
“Nos cem anos de Rui, não há qualquer cidade que não tenha uma praça ou rua com seu nome. Como isso é possível? Para entender, é preciso estudar a pessoa. Ele era odiado e amado. Se tivesse internet naquela época, ele sofreria com os haters. Ao mesmo tempo, era amado. E o que ficou na história foi a idolatria. Ficou, a meu ver, o que era correto.” Miguel lembrou que, assim como Rui, hoje há no Brasil pessoas amadas e odiadas.
Aos cinco anos, no colégio, já chamava a atenção de seu professor, que disse nunca ter visto um aluno como aquele. Falava mais de dez línguas, e sua obra completa conta com mais de cem volumes. Ao noticiar seu falecimento, dizia a manchete do jornal: “Apagou-se o sol.”
Legado ao pensamento e ação política brasileira
Ruy Samuel Espíndola fez um paralelo entre a obra de Rui e o momento atual.
"Em tempos em que o Estado Democrático de Direito sofre duras provas, em que alguns operadores jurídicos gritaram medidas extremas contra membros do STF, e em tempos em que se falou na volta da ditadura militar, em tempos que houve o Dia da Infâmia, (...) olhar para a nossa estrada nos traz alento, coragem e esperança."
Ruy Espíndola lembrou que Rui Barbosa foi defensor do Judiciário, e que poderia haver crítica pontual, mas jamais à instituição. E citou Rui:
"É a ditadura dos tribunais a que enfia de terror as boas almas dos nossos puritanos. (...) Os tribunais não usam espadas. Os tribunais não dispõem do Tesouro. Os tribunais não nomeiam funcionários. Os tribunais não escolhem deputados e senadores. Os tribunais não fazem ministros, não distribuem candidaturas, não elegem e deselegem presidentes. Os tribunais não comandam milícias, exércitos e esquadras. Mas, é dos tribunais que se temem e tremem os sacerdotes da imaculabilidade republicana."
O advogado da Federação e da República
Ex-bâtonnier da advocacia, Marcus Vinicius Furtado Coêlho destacou que, embora fosse federalista, Rui Barbosa tornou-se o pai da República.
“Rui é conhecido como o pai da República porque, proclamada a República, obviamente nova estrutura jurídica deveria ser editada, convocada nova constituinte. (...) Os ministros do governo provisório fizeram a revisão, e dentre os ministros, Rui, ministro da Fazenda e da Justiça, foi o coordenador do projeto."
"Ele merece todos os aplausos da advocacia brasileira”, finalizou.
Discurso atual
O fechamento do painel ficou por conta do advogado criminalista e poeta Kakay. “É uma coisa inacreditável a vida desse cidadão, que embora não fosse republicano, é o pai da República.”
Kakay lembrou a atualidade da fala de Rui Barbosa, e como seu discurso em defesa do Judiciário é histórico. Destacou, ainda, a importância de seu pensamento para as liberdades.
“O direito como um todo deve muito a Rui Barbosa. Mas o direito criminal deve mais. (...) Cada um de nós tem um Rui de cabeceira. O que mais me interessa é o Rui do habeas corpus."
O evento
Belo Horizonte é palco, novamente, após 33 anos, do maior evento jurídico do mundo - a Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. Com o tema "Constituição, Democracia e Liberdades", o evento, que acontece a cada três anos, terá programação variada, composta por 50 painéis e duas conferências magnas, totalizando quase 400 palestrantes nacionais e internacionais.