Atendendo a pedido do MPF, o juiz Federal Juliano Taveira Bernardes, da 4ª vara da Cível da SJ/GO, concedeu liminar determinando à União que suspenda novos processos do MEC de autorização, reconhecimento ou renovação de cursos de graduação na área da saúde na modalidade de EAD. Como a decisão é direcionada ao MEC, a suspensão vale para novos cursos nesta modalidade em todo o Brasil.
Expedida na última sexta-feira, 20, a liminar também concedeu o prazo de 30 dias para que a União apresente as informações solicitadas pelo MPF e pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária sobre critérios para autorização de cursos EAD, parâmetros para criação de polos, parcerias com pessoas jurídicas para funcionamento dos polos, entre outros pedidos.
A decisão se deu após o ajuizamento, em 2022, de ação civil pública proposta pelo MPF contra a União e o Inep - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira para assegurar a qualidade de ensino dos cursos da saúde e o cumprimento integral das DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais. O Inep é responsável por fiscalizar presencialmente as instituições de ensino superior que oferecem cursos de graduação, inclusive EAD, e garantir que o percentual mínimo de atividades práticas esteja sendo realizado.
Cursos EAD
De acordo com informações apuradas em inquérito civil público instaurado em 2018 pelo MPF, a diminuição das atividades práticas nos cursos na área de saúde impossibilita a formação de profissionais devidamente qualificados para atender às necessidades da sociedade. Em 2019, o órgão já havia recomendado ao MEC que suspendesse a autorização para funcionamento de novos cursos de graduação EAD da área da saúde, mas não obteve resposta sobre o acatamento ou não da recomendação.
Para o MEC, assim como os cursos presenciais, os cursos na modalidade EAD passam por processos de avaliação de qualidade conforme as normas de regulação de educação superior e as diretrizes curriculares. No entanto, o CNS - Conselho Nacional de Saúde se manifestou totalmente contrário à autorização de cursos de graduação à distância da saúde, por não oferecerem a necessária integração entre ensino, serviço e comunidade considerada essencial para a formação dos profissionais da área. O CNS apoia também a Nota Pública, assinada por 57 entidades profissionais da saúde, que defende a formação dos profissionais da área unicamente pela modalidade presencial.
A procuradora da República Mariane Guimarães de Mello, que assina a ação, entende que autorizar indiscriminadamente cursos da saúde na modalidade à distância, além de infringir as diretrizes curriculares, viola a Constituição, pois “põe em xeque a qualidade de ensino, a formação profissional e, consequentemente, coloca em risco a sociedade, que será atendida por profissionais da saúde despreparados e incapacitados”. Para a procuradora, a ausência ou insuficiência de aulas práticas devidamente supervisionadas não permite a integração dos estudantes à realidade, uma vez que “não desenvolvem o olhar clínico e humanístico necessário no dia a dia da profissão”.
Crescimento
MPF também ressaltou fatos evidenciados em acórdão do TCU - Tribunal de Contas da União, deste ano, que revelaram a ausência de política pública relacionada à educação à distância, além da existência de inconsistências nos processos de regulação, supervisão e avaliação dos cursos pelo MEC, bem como o não cumprimento de exigências de transparência.
Informações de um relatório de auditoria do TCU, citadas no acórdão, demonstram que o número de cursos de graduação na modalidade EAD cresceu mais de 700% entre 2009 e 2020, enquanto os cursos presenciais cresceram, no mesmo período, 30%. Porém, alguns cursos, como os da área da saúde, exigem infraestrutura específica, como laboratórios e equipamentos científicos e técnicos, que deveriam ser oferecidos nos polos de ensino presenciais, bem como fiscalizados pelo Inep.
Entretanto, o documento concluiu que não há capacidade operacional do MEC e do Inep suficientes para regular, supervisionar e avaliar os cursos EAD. Além disso, apontou incongruências nas políticas de educação, uma vez que há exigência de visitas do Inep às sedes das instituições de ensino superior para avaliação e autorização dos cursos presenciais, mas não há esta mesma obrigatoriedade para visitas aos polos onde são desenvolvidas as atividades práticas presenciais dos cursos oferecidos na modalidade EAD.
Para o advogado José Roberto Covac, sócio da Covac – Sociedade de Advogados, escritório que atua na causa, essa decisão é um equívoco e vai trazer transtornos para alunos que estão com o curso em andamento. Para o causídico, o poder de autorizar, reconhecer e renovar cursos é do Ministério da Educação, a quem cabe definir políticas públicas.
"Quando conselhos profissionais começam a atuar nessa área, fere a competência que é do Poder Púbico, definido no art. 209 da Constituição Federal. Realmente, há uma necessidade de se rever instrumentos de avaliação e diretrizes curriculares de cursos ofertados na modalidade a distância, mas o MEC precisa dar uma resposta e a primeira resposta deve ser recorrer dessa decisão judicial em função da interferência indevida e definir uma política pública para oferta de cursos na modalidade a distância."
- Processo: 1015660-56.2022.4.01.3500
Leia a liminar.
Informações: MPF.