"Depois de bem ajustado o preço, a gente deve sempre trabalhar por amor à arte."
- Millôr Fernandes
Nesta quarta-feira, 16, Millôr Fernandes, escritor, jornalista, dramaturgo e cartunista, completaria seu centenário. Nascido em 1923, no Rio de Janeiro, ficou conhecido por suas frases memoráveis e escreveu prosa, poesia e teatro. O multifacetado artista morreu em 27 de março de 2012, deixando uma obra extensa que, aliás, já foi objeto de disputa judicial.
Após a Editora Abril publicar o projeto "Acervo Digital Veja 40 anos", em 2009, Millôr Fernandes ajuizou ação em desfavor da Editora, acusando-a de violação de direitos autorais.
Consta dos autos que o artista cedera direitos autorais para a publicação de suas obras em edições físicas específicas das revistas e, no site, por prazo determinado. Entretanto, o artista alegou que a editora teria criado, sem autorização, acervo digital com o conteúdo.
Em primeira instância, o juiz de Direito Rodrigo Garcia Martinez da 29ª vara Cível do TJ/SP julgou improcedente a ação, considerando que não se tratavam de outras obras criadas ou modificadas pela ré "mas as mesmas pelas quais o autor foi pago para produzir seus trabalhos intelectuais". O autor faleceu antes que pudesse recorrer. O espólio de Millôr, entretanto, interpôs apelação.
A 7ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reformou a sentença e condenou a Editora Abril a indenizar o espólio do artista pela publicação de seus textos no acervo digital da Revista Veja.
Conforme o relator, desembargador Luiz Antonio Costa, as cláusulas dos contratos celebrados entre as partes estipulavam que a cessão era parcial e temporária para fim especificou e que a editora, “extrapolou os termos de autorização livremente pactuados e ofendeu os direitos autorais do apelante ao disponibilizar as obras do autor na internet dentro do projeto.”
A condenação foi fixada em 20% (R$ 800) do que Millôr recebia por texto (R$ 4 mil), multiplicado pelo número de textos disponíveis no acervo da Veja, o que, segundo a defesa, eram cerca de mil publicações, totalizando, aproximadamente, R$ 800 mil.
Direito individual x direito coletivo
A Editora Abril recorreu ao STJ alegando que o projeto da Veja prestava serviço de utilidade pública, disponibilizando à população a biblioteca da revista gratuitamente. Ademais, aduziu que o direito dos autores, que contribuíram para a obra coletiva, foi respeitado e garantido, não se confundindo com o direito da Editora Abril, titular exclusiva da Veja.
O julgamento competiu à 3ª turma do STJ, que decidiu favoralmente ao espólio de Millôr.
O ministro relator, João Otávio de Noronha, arguiu que era possível identificar a obra individual dentro da obra coletiva.
"No caso dos autos, o que se tem são obras autorais individualizadas inseridas em obra coletiva, razão maior de serem asseguradas àquelas a devida proteção."
Noronha ainda ressaltou que a publicação da revista contrariava a lei de direitos autorais (lei 9.610/98). Consoante o art. 36 da referida lei, o direito de uso econômico dos escritos publicados em imprensa pertence ao editor, salvo convenção em contrário.
O parágrafo único do mesmo dispositivo aponta que a autorização dada pelo autor para publicação em diários e periódicos de artigos assinados não produz efeito para além do prazo da periodicidade, acrescido de 20 dias a contar da publicação. Após o período, o autor recobra seu direito.
S. Exa. destacou que nas cláusulas contratuais Millôr autorizou a publicação do material uma única vez em edição específica na revista Veja, de modo que a publicação na internet extrapolou o contratado.
Os ministros Sanseverino, Cueva e Moura Ribeiro seguiram o voto do relator na integralidade.
Sanseverino entendeu que o caso era difícil, tendo em vista a existência de contrato específico, cujas cláusulas seriam objeto de interpretação restritiva do art. 36 da lei de direitos autorais.
Moura Ribeiro acrescentou que se a obra fosse coletiva não haveria razão para um contrato excepcionando a regra da coletividade.
Fotografia
Já o ministro Marco Bellizze teve entendimento diverso da maioria.
S. Exa. sustentou que a Veja não poderia fazer uma coletânea individualizada de artigos de Millôr, como uma publicação especial. Mas, que a digitalização da versão física, com a mesma formatação e com os mesmos anunciantes, não seria violação.
"O que temos é a mera fotografia e reprodução digital. Não vejo violação, nem aos termos da lei, nem aos termos do contrato, com a digitalização."
- Processo: REsp 2.045.633
Confira o acórdão.