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Lei de repetitivos completa 15 anos; STJ comemora mais de 900 acórdãos

Regra que permitiu solução de demandas em massa transformou atuação da Corte da Cidadania, destaca ministra Assusete Magalhães.

7/8/2023

Na terça-feira, 8 de agosto, a lei 11.672/08 – conhecida como lei dos recursos repetitivos – completará 15 anos de sua entrada em vigor. A norma transformou a atuação do STJ ao permitir que a tese jurídica fixada em um único julgamento fosse aplicada para solucionar múltiplos processos com a mesma controvérsia.

A lei foi responsável por estabelecer um procedimento que tornou desnecessária a atuação individualizada do STJ em questões jurídicas repetitivas. Em seus 15 anos de vigência, se tornou um relevante instrumento para uniformizar a jurisprudência, aumentar a segurança jurídica e reduzir a demanda processual.

Para marcar os 15 anos da lei dos repetitivos, a Corte publicou reportagem relatando os reflexos da nova sistemática processual na organização e no funcionamento do tribunal. Com o exemplo de 15 temas repetitivos, entre os mais de 900 julgados no período, mostrou o impacto do instituto na vida das pessoas, e o esforço para reduzir a litigiosidade na sociedade brasileira.

STJ: Lei dos recursos repetitivos completa 15 anos.(Imagem: Carlos Felippe/STJ)

Repetitivos em questões de grande relevância

Embora todos os 1.204 temas cadastrados até hoje tenham relevância do ponto de vista jurídico, alguns foram cercados de grande repercussão, quer pelo número de processos com a mesma controvérsia, quer pelo impacto da tese na vida das pessoas.

Foi sob o rito dos repetitivos que o STJ definiu que o motorista não pode ser compelido a colaborar com teste do bafômetro ou com exame de sangue, em respeito ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a se autoincriminar (Tema 446). Foi também nesse rito que a corte reconheceu a tipicidade da conduta de atribuir-se falsa identidade perante a polícia, ainda que em situação de alegada autodefesa (Tema 646).

Ao julgar o Tema 585, a 3ª seção estabeleceu que é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação integral da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, seja ela específica ou não. Todavia, nos casos de multirreincidência, deve ser reconhecida a preponderância da agravante prevista no artigo 61, I, do CP, sendo admissível a sua compensação proporcional com a atenuante da confissão espontânea, em estrito atendimento aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.

Outros casos analisados pela seção especializada em direito penal foram o Tema 1.139, no qual foi vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a caracterização do tráfico privilegiado (art. 33, parágrafo 4º, da lei 11.343/06), e o Tema 190, em que o colegiado concluiu que o critério trifásico de individualização da pena, trazido pelo artigo 68 do CP, não permite ao Judiciário extrapolar os tempos mínimo e máximo abstratamente previstos para a sanção penal.

Quando ainda tinha competência para questões previdenciárias, a Terceira Seção julgou o Tema 297, no qual se definiu que a prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar a atividade rurícola, para efeito de obtenção da aposentadoria rural.

No Tema 1.144, foram estabelecidas quatro teses sobre a circunstância majorante quando o furto é praticado durante a noite. Nesse caso, a Terceira Seção definiu que é irrelevante a vítima estar ou não dormindo no momento do crime, bem como ele ser cometido em estabelecimento comercial, via pública, residência desabitada ou veículo – bastando, para o aumento de pena, que o furto ocorra à noite e em situação de repouso.

A seção de Direito Penal também definiu, no Tema 177, a natureza da ação nos crimes de lesão corporal cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar. No julgamento, o colegiado mudou o entendimento anterior, de que a ação tinha natureza pública condicionada à representação da vítima, e passou a considerar que a ação é pública incondicionada.

Tema repetitivo em audiência pública

Na área de Direito Privado, um julgamento de destaque foi o que tratou da legalidade da prática comercial que atribui pontuação aos consumidores conforme avaliação de risco para concessão de crédito (Tema 710). Por ser um julgamento de alta complexidade técnica e grande relevância social, a Segunda Seção promoveu uma audiência pública – a primeira na história da corte – para ouvir especialistas com opiniões contrárias e favoráveis ao sistema.

Em 2022, a 2ª seção definiu tese de grande impacto social a respeito dos planos de saúde coletivos. No Tema 1.082, o colegiado decidiu que a operadora deve custear o tratamento de paciente grave mesmo após a rescisão unilateral do plano de saúde coletivo. Para a seção, a assistência médica ao usuário internado ou em tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua integridade física deve ser mantida até a alta, desde que ele arque com as mensalidades.

Em outro repetitivo, de grande repercussão no meio jurídico (Tema 988), a Corte Especial definiu que o rol do artigo 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

Outra controvérsia analisada pela Corte Especial no rito dos repetitivos foi sobre a possibilidade, ou não, de fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais por apreciação equitativa quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico forem elevados (Tema 1.076). O colegiado decidiu que, em tais hipóteses, essa forma de arbitramento de honorários não é admissível.

Milhões de processos em um único julgamento

Entre os julgamentos com impacto em maior número de processos semelhantes, destaca-se o da 1ª seção nos Temas 566 e 571, que tratavam da contagem da prescrição intercorrente prevista na lei de execução fiscal (lei 6.830/80). No primeiro tema, ficou definido que o prazo de um ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, parágrafos 1º e 2º, da lei 6.830/80 tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução.

No Tema 571, foi firmada a tese segundo a qual a Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos, ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da lei de execução fiscal, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial, em que o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.

Estima-se que as teses estabelecidas pelo STJ nessas questões tenham resolvido mais de 27 milhões de processos de execução fiscal em curso no país.

No julgamento do Tema 444, a Primeira Seção definiu três teses sobre a prescrição do redirecionamento da execução fiscal para o sócio de empresa devedora. Com a fixação desses entendimentos, calcula-se que cerca de 6 milhões de execuções tenham tido uma solução uniforme.

O ano judiciário de 2023 foi reaberto no STJ na última terça-feira (1º), após as férias de julho, com a previsão de julgamento de vários temas repetitivos de grande repercussão jurídica e social no segundo semestre.

Afetações, julgamentos e cancelamentos

O assessor-chefe do Nugepnac - Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas do Tribunal, Marcelo Marchiori, explica que, com a sistemática dos repetitivos, diversas questões deixaram de tramitar em processos judiciais simplesmente porque houve uma definição pelo STJ, Corte incumbida de dar a última palavra na interpretação da lei Federal.

De acordo com o Nugepnac, até julho deste ano, 1.204 temas repetitivos foram afetados no STJ, tendo sido proferidos 911 acórdãos. Entre os órgãos colegiados competentes para o julgamento dos recursos repetitivos, a 1ª seção, especializada em Direito Público, foi a responsável pela maior parcela desses precedentes (526), seguida pela 2ª seção, de Direito Privado (217), pela 3ª seção, de Direito Penal, e pela Corte Especial (83).

A diferença entre o número de temas afetados e a quantidade daqueles efetivamente julgados ocorre principalmente devido ao cancelamento de alguns (182). Tanto o relator do recurso repetitivo quanto o colegiado podem decidir cancelar um tema.

O julgamento da mesma questão jurídica pelo STF, o não conhecimento do recurso representativo da controvérsia pelo relator ou o cancelamento da afetação de um recurso sem a sua substituição são algumas outras razões que podem levar um tema a ser cancelado.

O intervalo de tempo entre a afetação do tema e a publicação do respectivo acórdão de mérito também explica, em parte, a diferença entre o número de temas afetados e o de julgados. Atualmente, um tema repetitivo fica, em média, 391 dias aguardando julgamento. Hoje, há no STJ 111 temas nessa situação.

Construção da sistemática no STJ

A lei 11.672/08 foi o primeiro passo para a construção da sistemática de recursos repetitivos existente hoje no Tribunal, o qual se deve também a outros importantes normativos, acordos, projetos e núcleos de trabalho. Logo após a publicação da lei dos recursos repetitivos, o STJ, por meio da resolução 8/08, estabeleceu os primeiros procedimentos relativos a esse rito de processamento e julgamento.

Quatro anos mais tarde, em 2012, o STJ firmou um acordo de cooperação com os cinco TRFs então existentes e com 16 TJs, estabelecendo procedimentos para seleção de recursos, critérios sobre juízo de admissibilidade e suspensão de processos, além da forma de julgamento dos processos suspensos.

Em 2013, por meio da resolução 2/13, foi instituído o Nurer - Núcleo de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, unidade que ficou responsável por gerenciar os processos submetidos à sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos no STJ, além da admissibilidade prévia de recursos especiais e respectivos agravos. No ano seguinte, foi criada no Tribunal a Crer - Coordenadoria de Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, unidade gestora dos repetitivos subordinada ao Nurer.

STJ auxiliou CNJ na gestão nacional de precedentes qualificados

Com auxílio direto do STJ, em 2016, o CNJ publicou a resolução 235/16, que padronizou – no âmbito dos tribunais superiores, dos TJs, dos TRFs e dos Tribunais Regionais do Trabalho – os procedimentos administrativos relacionados aos julgamentos de repercussão geral, de repetitivos e de incidentes de assunção de competência (IACs).

A resolução também obrigou as cortes a organizarem, como unidade permanente, seus Nugep - Núcleos de Gerenciamento de Precedentes. Em consequência, no mesmo ano, o STJ transformou a Crer em Nugep, passando o núcleo a integrar a estrutura administrativa subordinada diretamente à presidência.

Ainda em 2016, por meio da Emenda Regimental 24, o Tribunal alterou seu regimento interno para estabelecer, nos artigos 256 a 256-X, toda a sistematização dos repetitivos, desde sua indicação pelos tribunais de origem, passando pela afetação, julgamento, publicação do acórdão, até a possível revisão do seu entendimento. A emenda de 2016 também acrescentou o artigo 121-A ao RISTJ para designar a nomenclatura "precedentes qualificados" aos acórdãos proferidos sob o rito dos repetitivos.

Três anos depois, em 2019, o STJ passou a utilizar o sistema de inteligência artificial Athos, desenvolvido no próprio Tribunal para localizar, antes da distribuição aos gabinetes, processos que pudessem ser afetados para julgamento sob o rito dos repetitivos.

Além disso, possibilitou a formatação do Projeto Accordes pela Secretaria de Jurisprudência, em que servidores, com o auxílio do Athos, monitoram, antes da distribuição aos ministros, os processos com entendimentos convergentes ou divergentes entre os órgãos fracionários da corte, casos com matéria de notória relevância e, ainda, possíveis distinções ou superações de precedentes qualificados.

O ano de 2020 foi marcado pela criação do Nugepnac, que surgiu após a integração do Núcleo de Ações Coletivas (NAC) à estrutura organizacional do Nugep. Desde então, o Nugepnac é o responsável pela gestão dos precedentes qualificados previstos no CPC/2015 – repercussão geral, recurso repetitivo, IAC e suspensão em incidente de resolução de demandas repetitivas (SIRDR) –, bem como pelas ações destinadas a ampliar a eficácia do julgamento das demandas de massa e de casos de grande relevância.

Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas

Outro grande avanço na construção do sistema de recursos repetitivos no STJ foi a criação da Cogepac - Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas.

Instituída em 2014 como unidade temporária, a comissão tinha o propósito de atuar na integração interna e externa da Corte, com ações voltadas a ampliar a formação de recursos repetitivos e a gestão dos processos correlatos a essa sistemática.

A ideia de formar um colegiado administrativo integrado por ministros das três seções da Corte partiu do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que presidiu a Cogepac desde a primeira composição até a sua morte em abril de 2023.

Além de Sanseverino, a comissão foi formada inicialmente pelo ministro Rogerio Schietti Cruz e pela ministra Assusete Magalhães. Em 2016, o ministro Moura Ribeiro passou a integrá-la na condição de suplente. Desde maio de 2023, devido ao falecimento de Sanseverino, Assusete Magalhães assumiu a presidência e Moura Ribeiro se tornou membro efetivo.

A emenda regimental 26/16 transformou a Cogepac em unidade permanente do STJ, encarregada de atuar exclusivamente na gestão dos precedentes qualificados, exercendo atividades como supervisionar os trabalhos do Nugep (hoje Nugepnac;) promover a integração jurisdicional e administrativa interna (entre os gabinetes de ministros) e externa (mediante a interlocução com os TJs e TRFs); acompanhar os processos com potencial de repetitividade ou com relevante questão de direito; e desenvolver trabalhos de inteligência a fim de identificar matérias aptas a serem submetidas à sistemática dos repetitivos ou da assunção de competência.

Cultura de precedentes

A Cogepac tem ainda as funções de sugerir medidas para aperfeiçoar a formação e a divulgação de precedentes qualificados; desenvolver trabalho de inteligência para identificar matérias aptas a serem julgadas pelas técnicas do recurso repetitivo e do IAC; acompanhar os recursos representativos de controvérsia e deliberar sobre questões afetas aos precedentes qualificados que excedam a competência do Nugepnac. Em 2020, com a resolução 29, o Tribunal atribuiu à Cogepac a gestão das ações coletivas.

À presidência da comissão, cabe sugerir a afetação de recursos ao rito dos repetitivos quando identificada multiplicidade de processos ou de julgados no STJ; analisar todos os recursos indicados como representativos de controvérsia pelos tribunais de origem; examinar e qualificar como representativos os recursos ainda não distribuídos aos relatores.

Esse trabalho de seleção prévia de matérias mudou sensivelmente a prática do STJ: nos últimos anos, as afetações de recursos ao rito dos repetitivos decorreram mais de sugestões da presidência da Cogepac do que de propostas dos relatores.

Para o futuro, o objetivo é continuar expandindo a atuação da comissão dentro e fora do STJ, como forma de estimular uma mudança de comportamento entre os profissionais do direito. O desenvolvimento da cultura de precedentes e a ampliação do papel da corte na formação de precedentes qualificados, tal como se verificou no I Congresso Sistema Brasileiro de Precedentes e nas visitas da comissão a outros tribunais, é um dos maiores propósitos da Cogepac e do Nugepnac.

Informações: STJ.

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