É possível confiar em um Direito que não decide a partir da mesma razão em casos análogos? Resposta ínsita à questão – posta em termos algo prosaicos, porém eloquentes –, demonstra a grandiosidade do papel desempenhado pelas Cortes Superiores no Brasil. No caso do Superior Tribunal de Justiça, o da uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional, um cabedal de “leis ordinárias, complementares e delegadas, medidas provisórias, decretos autônomos e regulamentadores [...] que ultrapassam 30 mil normas de natureza federal e tratam de temas que regulam [...] as relações jurídicas em todo o território nacional”, na irretocável definição dos coordenadores da obra.
Em um dos muitos textos substanciosos que compõem a coletânea “Direito Federal Brasileiro: 15 anos de jurisdição no STJ dos Ministros Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques”, a ministra do STJ Assusete Magalhães recupera o contexto em que foi pensado e criado o STJ, os debates ocorridos durante a assembleia constituinte, como solução para a imensa gama de processos que aportavam no STF. Em pouco tempo a realidade suplantou as previsões do legislador originário, e conforme quadro demonstrativo por ela trazido à baila, houve evolução geométrica dos processos julgados a cada ano pelo “novo” tribunal: 3.711, em 1989, ano de sua criação; 449.948 em 2022!
Em meio a tanto processo, é preciso coerência nas decisões. Nas bem escolhidas palavras do também ministro do STJ Marco Aurélio Buzzi, em ensaio em coautoria com a juíza Aline Ávila Ferreira dos Santos, atribuir “segurança e unidade ao sistema revela-se um importante instrumento de tutela de direitos [...], conferindo credibilidade ao Poder Judiciário e permitindo que os jurisdicionados pautem suas condutas a partir de teses firmadas no âmbito de precedentes qualificados”. Há um nítido paralelo, concluem, entre a padronização decisória e a missão contemporânea do processo civil: efetivar direitos, à luz da isonomia e da segurança jurídica.
Nesse caminho, vários dos artigos encartados nesta grande homenagem ao aniversário de Corte dos ministros Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Mauro Campbell Marques lembram que o STJ vem se empenhando na busca por solução que lhe permita ao mesmo tempo atender à descomunal demanda que a sociedade brasileira vem lhe apresentando – não só em termos numéricos, mas também em complexidade –, e a preservação de sua missão constitucional de entregar a cada cidadão o que lhe é devido. Em parênteses muito pertinentes, comenta-se que da participação da eminente ministra do STJ Nancy Andrighi na coletânea, ao tratar de tema relevantíssimo e extremamente atual, a chamada herança digital, extrai-se excelente demonstração da sofisticação dos temas sobre os quais a sociedade clama a atenção dos tribunais.
Sob esse norte, o caminho da formação dos precedentes qualificados, iniciado ainda sob a égide do Código de Processo anterior, vem sendo sistemática e cuidadosamente aperfeiçoado, tendo recebido, por meio da recentíssima EC 125/2022, o filtro de relevância da questão de direito federal como requisito de admissibilidade de recursos especiais, à semelhança da sistemática da repercussão geral já existente no STF.
O importante, já sabem os julgadores, é evitar que as Cortes superiores façam papel de terceira instância para questões corriqueiras, e antes, desempenhem o exame profundo e coerente de temas revestidos de acentuado valor para a sociedade.
- Clique aqui e adquira a renomada obra.