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Genocídio: Para Eugênio Aragão, situação Yanomami é plano orquestrado

Para ex-ministro da Justiça, houve “omissão proposital” do governo, com um plano de ocupação dessas áreas mesmo sabendo que a convivência seria desastrosa.

15/2/2023

Houve omissão proposital por parte do governo Bolsonaro sobre a situação dos povos Yanomami. É essa a dura opinião de Eugênio Aragão, advogado e ex-ministro da Justiça.

Recentemente, a tragédia humanitária vivida pelos indígenas estampou os jornais. A área é marcada por garimpo ilegal, alta taxa de mortalidade infantil, falta de acesso à Saúde, ameaças e violência sexual de mulheres e crianças.

Em entrevista à TV Migalhas, o advogado explica que o problema é antigo: surge na década de 70, quando os militares acreditavam na ocupação da área como forma de impedir uma invasão do Brasil pelo Norte.

O plano voltou com força no governo Bolsonaro. Este, por sua vez, se não agiu pelo extermínio, assumiu o risco, sabendo que a ocupação seria incompatível com a existência dos Yanomami. É o chamado "dolo eventual"  suficiente para configurar o crime de genocídio.

Tudo isso seria parte de um projeto maior – o de exterminar a população local e abrir a região para exploração predatória.

Ao Migalhas, o advogado deslinda a espinhosa questão que levou os Yanomami à atual situação, traz o contexto histórico do problema, e opina sobre o papel do Judiciário nesta causa.

Assista:

Problema antigo

Eugênio Aragão conta que o problema dos Yanomami surge no início dos anos 70, durante a ditadura, a partir de uma intenção de militares de ocuparem a Amazônia com “presença humana não indígena" contra uma possível invasão do Brasil pelo Norte do país.

A partir daí surge o projeto "Calha Norte", que previa a construção de infraestrutura e exploração das riquezas locais a fim de “ocupar” a região. Mas, segundo o advogado, o resultado foi desastroso, com grande impacto ambiental e conflitos de terra que levaram a muitas mortes. Neste contexto, Aragão explica que os Yanomami sofreram muito, porque têm uma terra muito extensa e de difícil monitoramento.

Analisando a atual situação destes povos, Eugênio Aragão conclui que o que se dá hoje é um reflexo do que já se desejava naquela época. No governo Bolsonaro, esse plano de ocupação do Norte foi retomado com intensidade. Foram liberadas áreas para garimpo adjacentes ao Parque – na visão de Eugênio, um convite claro para os garimpeiros entrarem.

O advogado afirma que o contato dessa massa de pessoas levadas a essas áreas com os Yanomami era conhecidamente desastroso, e a falta de reação do governo, que deixou os indígenas à míngua, foi proposital.

“A ideia do Calha Norte não saiu da cabeça dos militares até hoje. Então, sim, há uma responsabilidade do comando da Amazônia; há uma responsabilidade do Batalhão de Infantaria da Selva; e há uma responsabilidade do governo, de ter facilitado a nova intrusão em massa de garimpeiros, não ter feito nada para tirá-los dali. (...) Não vou dizer que o propósito era necessariamente de extermínio dos Yanomamis, mas que esse propósito de ocupação era incompatível com a existência dos Yanomamis ali. É um convívio desastroso, o governo sabe disso e nada fez para impedir."

Aragão não concorda com os que dizem tratar-se de efeito do crescimento populacional da área de forma orgânica. Ao contrário, para ele há responsabilidade, incluindo autoridades envolvidas, e o Judiciário deve apurar.

Questão de Justiça

Entre 1989 e 1991, Eugênio Aragão atuou diretamente na defesa dos povos indígenas, na extinta Secretaria de Coordenação da Defesa dos Interesses Difusos e Direitos Coletivos da Procuradoria Geral da República. Ele foi responsável, junto com a procuradora Deborah Duprat, pela propositura da primeira ação coletiva para demarcação de terra indígena, o Parque Indígena Yanomami, na fronteira da Venezuela. 

Tratavam-se de duas ações, uma declaratória e outra cautelar, para fazer a demarcação e extrusão dos garimpeiros da área – pleitos que foram atendidos pelo Supremo. E foi em 92 que o governo Collor decidiu, efetivamente, fazer a demarcação da área do Parque Indígena Yanomami.

A situação que se vê agora, na opinião de Aragão, é caso de Justiça.

O professor explica que genocídio é o crime praticado com escopo de extinção de um grupo humano, seja por sua morte, seja por expô-lo a condições incompatíveis com sua existência. Para ele, toda a situação Yanomami configura o crime de genocídio com "dolo eventual".

Portanto, cabe, sim, ao STF atuar sobre o tema, já que há autoridades envolvidas e que devem ser responsabilizadas.

A questão do garimpo

Um dos grandes problemas da área são os garimpos. Aragão explica que os garimpeiros são também vítimas da situação: em geral, vivem na miséria. A responsabilidade é, de fato, dos donos dos garimpos. "Sempre faço questão de distinguir."

"Os garimpeiros não vão pedir Uber para ir ao supermercado. Eles vão ter que comprar seus víveres a partir daquilo que os aviões dos donos dos garimpos levam, vão comprar do dono do garimpo. Que vende, evidentemente, esses produtos, muito mais caro do que os supermercados. Então eles se endividam com o dono do garimpo e acabam tendo uma relação de quase escravos com os donos dos garimpos."

Na opinião do ex-ministro da Justiça, cabe à pasta da Justiça tirar essas pessoas de lá.

Ele destacou que a solução para o problema é complexa, mas que é necessário buscar uma solução sustentável, de recomposição do meio ambiente.

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