Destruição. Foi tudo o que se viu na tarde de ontem no ataque aos prédios públicos em que estão as sedes dos três Poderes. Não restou nada. Vidraças, portas, armários, móveis, vitrines, janelas, obras, galerias e eletrônicos foram esfacelados.
Os gastos são incalculáveis, pois muitos itens depredados possuem, além de alto valor monetário, grande valor histórico. Afinal, quem vai pagar a conta destas avarias?
Migalhas conversou com o professor Carlos Ari Sundfeld, um dos fundadores da FGV Direito SP. Segundo ele, os prédios públicos são unidades da União Federal que possuem seu próprio orçamento e vão ter que fazer os reparos baseado nele.
O orçamento, eventualmente, terá de ser suplementado por novas verbas devido à despesa imprevista.
"Vão ter que fazer o reparo mais emergente e haverá reparos mais demorados, como a restauração de obras de arte, por exemplo. É a União quem vai arcar com ônus de imediato da reparação. Não tem como eles deixarem de fazer isso com suas próprias forças e orçamentos. E depois, claro, que podem tentar cobrar os danos dos autores do crime."
Indenização
Para o advogado, os vândalos poderão ser condenados a indenizar dentro do próprio processo penal ou em separado. Contudo, o professor acredita que será muito difícil cobrar a indenização.
"É uma multidão de pessoas. As pessoas possivelmente são recrutadas justamente por estarem no extrato da população mais sem recursos. Portanto dificilmente terão patrimônio para pagar nada disso, mesmo que seja como indenização. Então isso vai acabar onerando os cofres da União e, portanto, o bolso da população que paga impostos."
Carlos Ari explica que o STF, por exemplo, não tem no orçamento dele, que é todo comprometido com o dia a dia, recursos para reconstruir o que foi destruído.
"O Plenário foi completamente destruído e precisa ser reconstruído. Os danos foram importantes se considerado o orçamento do Supremo. O orçamento vai ter que ser reforçado para poder fazer isso, inclusive emergencialmente."
Danos irreparáveis
O professor ainda cita que há danos irreparáveis e destruição de obras e itens históricos que tem um alto custo para restaurar. "O orçamento público terá de arcar com isso", finaliza.
Os vândalos que invadiram os prédios públicos destruíram parte importante do acervo artístico e arquitetônico ali reunido e que representa um capítulo importante da história nacional.
Ainda não é possível ter um levantamento minucioso de todas as pinturas, esculturas e peças de mobiliário destruídas, mas avaliação preliminar feita pela equipe responsável aponta os seguintes estragos em peças icônicas do acervo do Palácio do Planalto:
- Obra "Bandeira do Brasil", de Jorge Eduardo, de 1995 — a pintura, que reproduz a bandeira nacional hasteada em frente ao palácio e serviu de cenário para pronunciamentos dos presidentes da República, foi encontrada boiando sobre a água que inundou todo o andar, após vândalos abrirem os hidrantes ali instalados.
- Galeria dos ex-presidentes — totalmente destruída, com todas as fotografias retiradas da parede, jogadas ao chão e quebradas.
- O corredor que dá acesso às salas dos ministérios que funcionam no Planalto foi brutalmente vandalizado. Há muitos quadros rasurados ou quebrados, especialmente fotografias. O estado de diversas obras não pôde ainda ser avaliado, pois é necessário aguardar a perícia e a limpeza dos espaços para só daí ter acesso às obras.
- Obra "As mulatas", de Di Cavalcanti — a principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto foi encontrada com sete rasgos, de diferentes tamanho. A obra é uma das mais importantes da produção de Di Cavalcanti. Seu valor está estimado em R$ 8 milhões, mas peças desta magnitude costumam alcançar valores até 5 vezes maior em leilões.
- Obra "O Flautista", de Bruno Giorgi — a escultura em bronze foi encontrada completamente destruída, com pedaços espalhados pelo salão. Está avaliado em R$ 250 mil.
- Escultura de parede em madeira de Frans Krajcberg — quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira, que foram quebrados e jogados longe. A peça está estimada em R$ 300 mil.
- Mesa de trabalho de Juscelino Kubitscheck — exposta no salão, a mesa foi usada como barricada pelos terroristas. Avaliação do estado geral ainda será feita.
- Mesa-vitrine de Sérgio Rodrigues — o móvel abriga as informações do presidente em exercício. Teve o vidro quebrado.
- Relógio de Balthazar Martinot — o relógio de pêndulo do Século XVII foi um presente da Corte Francesa para Dom João VI. Martinot era o relojoeiro de Luís XIV. Existem apenas dois relógios deste autor. O outro está exposto no Palácio de Versailles, mas possui a metade do tamanho da peça que foi completamente destruída pelos invasores do Planalto. O valor desta peça é considerado fora de padrão.
O diretor de Curadoria dos Palácios Presidenciais, Rogério Carvalho, diz que será possível realizar a recuperação da maioria das obras vandalizadas, mas estima como "muito difícil" a restauração do Relógio de Balthazar Martinot.
"O valor do que foi destruído é incalculável por conta da história que ele representa. O conjunto do acervo é a representação de todos os presidentes que representaram o povo brasileiro durante este longo período que começa com JK. É este o seu valor histórico", comenta Carvalho.
"Do ponto de vista artístico, o Planalto certamente reúne um dos mais importantes acervos do país, especialmente do Modernismo Brasileiro."