Quais crimes foram cometidos no 8 de janeiro? Criminalistas analisam
Especialistas em Direito Penal avaliam que não se trata de ato terrorista, mas de atentado ao Estado Democrático de Direito, tipificado no Código Penal.
Da Redação
segunda-feira, 9 de janeiro de 2023
Atualizado em 11 de janeiro de 2023 07:50
O que se viu em Brasília no dia 8 de janeiro foram verdadeiras cenas de terror. As sedes dos três Poderes foram destruídas.
Quem poderá ser responsabilizado pelas cenas de barbárie? Quais crimes cometeram os envolvidos? Trata-se de ato terrorista? Os financiadores também poderão ser punidos?
Para esclarecer estas questões, Migalhas conversou com especialistas do Direito Penal.
Para a advogada Maíra Salomi, especialista em Direito Penal, os atos ocorridos neste domingo, 8, podem configurar os crimes previstos nos artigos 359-l e 359-m, do Código Penal, quais sejam: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, "já que claramente atentaram contra as instituições democráticas e contra o governo legitimamente constituído".
Segundo a advogada, as condutas dos vândalos também podem se enquadrar nos crimes de dano qualificado e dano contra patrimônio histórico, previstos nos artigos 163, parágrafo único, inciso III e 165 do Diploma Penal. Igualmente poderão ser punidos pelas lesões corporais eventualmente praticadas.
Para além disso, poderão, na visão da especialista, responder pelo crime de quadrilha ou bando, ou até mesmo pelo delito de organização criminosa, tendo em vista sua estrutura aparentemente ordenada e bem dividida em termos de tarefas e seu objetivo de praticar infrações com penas máximas maiores de 4 anos.
Por fim, poderão também os agentes públicos envolvidos responder por todos esses delitos, pela omissão em impedir, com os instrumentos que tinham ao seu alcance e consideradas suas competências, as práticas dos atos atentatórios às instituições, à luz do artigo 13 do Código Penal. "Não me parece, contudo, ter havido prática de crime de terrorismo, nos termos da lei 13.260/16, porquanto, conforme veiculado pela mídia, não estariam presentes razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça cor etnia ou religião, ainda que a finalidade de provocar terror social ou generalizado esteja evidente."
No mesmo sentido é a opinião de Alberto Zacharias Toron, para quem, malgrado a gravidade dos fatos, há dúvidas sobre a aplicação da lei antiterrorismo. "Acho que tudo se afina mais com a ofensa ao Estado de Direito democrático."
Veja o que diz a criminalista Priscila Pamela dos Santos sobre o ato e sua responsabilização. A advogada aponta, em tese, crimes de atentado contra a estabilidade das instituições e tentativa forçada e violenta contra o Estado Democrático de Direito. Eventualmente, pode-se falar em associação criminosa, crimes contra a honra, lesão corporal, ato obsceno. Para além dos presentes, os financiadores também deverão ser punidos, na visão da advogada, além dos que incitam esses crimes e, evidentemente, os agentes públicos que podem estar envolvidos.
Claudio do Prado Amaral, na condição de professor de Direito Processual Penal da USP, também fez uma análise sobre os fatos deste domingo.
Ele esclarece que todos os que contribuíram de alguma forma pela prática dos crimes deve responder por ele. "A contribuição pode ser intelectual, de planejamento; pode ser emocional, ou psicológica, que significaria, por exemplo, instigar alguém a praticar, ou apoiar com palavras, aconselhando a prática de crime; e pode ser, inclusive, omissiva, quando se deixa de praticar um ato de oficio que poderia impedi-lo."
O professor esclarece que o uso da expressão "terrorismo", neste caso, é tecnicamente inadequado, mas pode ser usado em sentido amplo, não-técnico. Do ponto de vista leigo, os atos contêm elementos sociais do terrorismo, de percepção social, mas não jurídicos.
Isto porque existe uma lei específica para o terrorismo (13.260/16), que limita ao terrorismo atos ligados a xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, preconceito de etnia ou religião. Essa lei não fala sobre intenções políticas, ou de desconstituição do Estado Democrático - não fala em golpe.
Quem fala em golpe é o Código Penal.
O professor explica que a lei 14.197/21, acrescentou mais um título ao CP, o título 12, que fracionou o art. 359, trazendo os crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Para ele, as condutas de ontem podem se enquadrar nestes crimes.
O professor Claudio Amaral também observa que o CP não prevê o crime de financiamento de atos contra o Estado Democrático de Direito - que a lei do terrorismo prevê, e pune duramente com 15 a 30 anos de reclusão.
Não há dispositivo semelhante no CP. Mas isto significa que seria atípico, ou que não pode ser punido? Não. Neste caso, poderá ser punido com outro título - como participação do crime, por exemplo.
Marina Coelho Araújo, advogada criminalista e conselheira do IASP também analisou o episódio. Para ela, os atos estão inseridos no contexto dos crimes contra a democracia. "Terá que existir investigação e devido processo legal, claro, mas entendo que os crimes previstos nos arts. 359 L e 359 M devem ser os principais a tipificar as condutas dos depredadores ontem."
Quanto aos financiadores dos atos, a advogada afirma que se restar comprovado que aderiram ao comportamento e estrutura violenta do ato, eles devem responder também pelos mesmos crimes.
Por fim, a especialista pontuou que ainda é muito difícil a conceituação do termo terrorismo no Brasil. Assim, ela entende que o melhor é conceituar o ocorrido como atos contra a democracia e fatos com potencial para serem tipificados como crimes contra a democracia.
Para o criminalista Antônio Ruiz Filho, são inúmeros os crimes praticados com as bárbaras invasões que ocorreram na Capital Federal.
"Pode-se mencionar furtos qualificados e crimes de dano ao patrimônio público, além de associação criminosa e eventual constituição de milícia. Além disso, também podem restar tipificados os crimes incluídos no Código Penal pela lei 14.197/21, cujo bem juridicamente tutelado é o Estado Democrático de Direito e as penas cominadas são expressivas, dada a gravidade dessas condutas."
No mais, o advogado pontua que autoridades que tenham sido coniventes ou omissas podem responder por crimes de responsabilidade nos termos da Lei Orgânica do Distrito Federal. "O enquadramento como ato terrorista da lei 13.260/16 tem de ser também investigado e incluído na acusação a depender das provas", destaca o criminalista.
Para o criminalista Leonardo Magalhães Avelar, "a utilização do termo manifestante é eufemismo indevido para caracterizar a criminosa invasão e destruição da sede dos três Poderes da República".
"Na verdade, está-se diante de crime contra as instituições democráticas, consubstanciado pelo emprego de violência e grave ameaça para tentar abolir o Estado Democrático de Direito e depor o governo legitimamente constituído (artigos 359-L e 359-M, do Código Penal)."
O advogado avalia que "a ignóbil conduta golpista relembra a invasão do Capitólio dos EUA e deve ser rigidamente apurada para identificação e punição dos envolvidos". Ele destaca a possibilidade de responsabilização criminal por ação ou omissão. "Desta forma, a responsabilidade penal não deve se limitar àqueles indivíduos que participaram da invasão, mas também poderá recair nas Autoridades Públicas (Governador e Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal) que tinham obrigação de agir para evitar a ocorrência dos crimes e se omitiram de suas atribuições administrativas."