Nesta sexta-feira, 9, o plenário virtual do STF começaria a analisar o mérito de ação que questiona a tese da legítima defesa da honra. O processo, entretanto, foi retirado de pauta ontem e agora não tem data para retornar.
Em março de 2021, por unanimidade, os ministros firmaram o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. A decisão referendou liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli.
Na ação, o PDT argumenta que há decisões de Tribunais de Justiça que ora validam, ora anulam vereditos do Tribunal do Júri em que se absolvem réus processados pela prática de feminicídio com fundamento na tese. O partido apontou, também, divergências de entendimento entre o Supremo e o STJ.
Argumento odioso, desumano e cruel
Na decisão liminar, o ministro Dias Toffoli deu interpretação conforme a Constituição a dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa.
Acolhendo sugestão do ministro Gilmar Mendes, o voto de Toffoli determinou que a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo não podem utilizar, direta ou indiretamente, o argumento da legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais nem durante julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.
Segundo Toffoli, além de ser um argumento “atécnico e extrajurídico”, a tese é um “estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida” e totalmente discriminatório contra a mulher.
A seu ver, trata-se de um recurso argumentativo e retórico “odioso, desumano e cruel” utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil.
Ao ressaltar que o argumento não é, tecnicamente, legítima defesa (essa, sim, causa de excludente de ilicitude), o ministro registrou que, para evitar que a autoridade judiciária absolva o agente que agiu movido por ciúme, por exemplo, foi inserida no Código Penal a regra do artigo 28 de que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal.
“Portanto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma, desproporcional, covarde e criminosa.”
Ranços machistas
Para o ministro Alexandre de Moraes, o Estado não pode permanecer omisso perante a naturalização da violência contra a mulher, sob pena de ofensa ao princípio da vedação da proteção insuficiente e do descumprimento ao compromisso adotado pelo Brasil de coibir a violência no âmbito das relações familiares.
A ministra Cármen Lúcia, por sua vez, afirmou que a tese não tem amparo legal e foi construída como forma de adequar práticas de violência e morte “à tolerância vívida”, na sociedade, aos assassinatos de mulheres tidas por adúlteras ou com comportamento que destoe do desejado pelo matador.
Já o ministro Gilmar Mendes ressaltou que a tese é pautada “por ranços machistas e patriarcais, que fomentam um ciclo de violência de gênero na sociedade”.
Na época da liminar, também acompanharam integralmente o relator a ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Nunes Marques e Ricardo Lewandowski.
Absolvição por clemência
Naquela ocasião, os ministros Luiz Fux, Edson Fachin e Roberto Barroso votaram pela concessão da liminar pedida pelo PDT em maior extensão, para também dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 483, inciso III, parágrafo 2º, do CPP e determinar que o quesito genérico de absolvição previsto no dispositivo não autoriza a utilização da tese de legítima defesa da honra, permitindo, assim, ao Tribunal de Justiça anular a absolvição manifestamente contrária à prova dos autos.
Ao apresentar a ressalva, Fachin explicou que, ainda que fundada em eventual clemência, a decisão do júri deve ser minimamente racional, e deve ser assegurado ao Tribunal de Justiça o controle mínimo dessa racionalidade, para evitar que a absolvição ocorra com base na tese inconstitucional.
Para o ministro Fux, deve-se impedir a interpretação do dispositivo que impeça a interposição de recurso contra a absolvição por clemência em casos de feminicídio tentado ou consumado.
- Processo: ADPF 779