Migalhas Quentes

Maria da Penha: STJ dispensa citação em medidas protetivas de urgência

Por maioria de votos, o colegiado considerou que as medidas protetivas de urgência especificadas na lei possuem natureza cautelar.

11/11/2022

A 5ª turma do STJ considerou incabível, após a decretação das medidas protetivas de urgência previstas na lei 11.340/2006 (Maria da Penha), a adoção de procedimento para que o suposto ofensor tenha ciência da decisão e, caso não apresente defesa, seja decretada a sua revelia, nos moldes estabelecidos pelo CPC.

Por maioria de votos, o colegiado considerou que as medidas protetivas de urgência especificadas na lei possuem natureza cautelar – ou seja, são concedidas sem a manifestação da parte contrária (inaudita altera pars). Além disso, a turma reforçou que especialmente as medidas fixadas nos incisos I a III do artigo 22 apresentam natureza criminal – cujo descumprimento, inclusive, pode acarretar a prisão preventiva do suposto agressor.

"Deve-se aplicar às medidas protetivas de urgência o regramento previsto pelo CPP no que tange às medidas cautelares. Dessa forma, não cabe falar em instauração de processo próprio, com citação do requerido, tampouco com a possibilidade de decretação de sua revelia em caso de não apresentação de contestação no prazo de cinco dias", afirmou o ministro Joel Ilan Paciornik, autor do voto que prevaleceu no julgamento.

No caso em exame, o juízo de primeiro grau, após conceder medidas protetivas de urgência em favor de vítima de violência doméstica, determinou a citação do requerido para tomar ciência da decisão e para apresentar contestação no prazo de cinco dias, sob pena de revelia.

A decisão foi mantida pelo TJ/GO, segundo o qual a lei Maria da Penha não determina o procedimento cabível nas medidas preventivas de urgência e, ainda, autoriza a aplicação do CPC. Dessa forma, para o TJ/GO, a aplicação do rito das tutelas de urgência previsto nos artigos 294 e seguintes do CPC, na parte que não conflita com a Maria da Penha, não geraria tumultos no processo.

Diferenças

Em seu voto, Paciornik afirmou que a lei deve ser aplicada "em consonância com a interpretação histórica e teleológica de seus dispositivos", levando em consideração o contexto em que foi aprovada e, principalmente, a sua finalidade – que, no caso da Maria da Penha, é "tutelar, de forma efetiva e integral, a liberdade, a dignidade e a integridade física e psíquica da mulher vítima de violência doméstica".

Em relação às medidas preventivas do ordenamento jurídico, o ministro explicou que a tutela inibitória consiste em provimento satisfativo, cujo objetivo é impedir, de forma definitiva, a prática, a continuação ou a reiteração de um ato ilícito.

Já no caso das tutelas antecipadas de urgência, o magistrado destacou que sua finalidade é a antecipação total ou parcial dos efeitos da tutela judicial definitiva, motivo pelo qual também são chamadas de tutelas satisfativas. Hipótese diferente, completou, ocorre com as tutelas cautelares, as quais buscam preservar o resultado útil do processo, conservar direitos ou evitar o dano gerado pela demora no julgamento definitivo da ação.

Urgência

Segundo o ministro, não seria viável incluir as medidas protetivas de urgência da Maria da Penha como espécies de tutela inibitória, já que são concedidas em caráter provisório, a título precário, tendo em vista que se baseiam em um juízo não de certeza, mas de probabilidade, fundado em elementos indiciários colhidos de forma preliminar. "Dessa forma, as medidas devem ser, por sua natureza, revogáveis e reversíveis, quando constatada a superveniente ausência dos motivos autorizadores de sua aplicação", acrescentou.

Paciornik esclareceu que o objeto das medidas protetivas de urgência, diferentemente das tutelas antecipatórias, não coincide com o objeto da tutela jurisdicional final, pois, com a sua decretação, busca-se proteger a vida e a incolumidade física e psíquica da vítima e, por consequência, preservar a própria ordem pública.

O descumprimento da medida pode acarretar a prisão preventiva do suposto agressor.(Imagem: Freepik)

Nesse contexto, o magistrado defendeu o caráter cautelar das medidas protetivas, como forma de interromper o risco de reiteração na prática delitiva pelo suposto agressor.

Como consequência, o ministro enfatizou que as medidas protetivas não poderiam ser admitidas como de natureza satisfativa, exatamente por causa de seu caráter preventivo, e não definitivo – ainda que, em certo sentido, elas também possam gerar a satisfação do direito da vítima.

Prisão

Paciornik lembrou jurisprudência do STJ no sentido de que as medidas previstas no artigo 22, incisos I a III, da lei Maria da Penha têm natureza criminal, enquanto as descritas nos demais incisos são de natureza cível. Entre as medidas consideradas penais, apontou, estão a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, o afastamento do lar e a proibição de aproximação entre o suposto ofensor e a vítima.

De acordo com o ministro, a justificativa para que essas medidas tenham natureza penal é a restrição à liberdade de ir e vir do acusado, em conjunto com a necessidade de preservar os direitos fundamentais à vida e à integridade da vítima. Em caso de descumprimento, ressaltou Paciornik, é possível, inclusive, a decretação da prisão do suposto agressor – opção que não existiria se as medidas tivessem caráter cível.

Ao afastar a necessidade de citação do acusado para oferecimento de contestação, Paciornik concluiu que é "aplicável, sim, o regramento do código processual penal que, em caso de risco à efetividade da medida, determina a intimação do suposto agressor após a decretação da cautelar, facultando-lhe a possibilidade de manifestar-se nos autos a qualquer tempo, sem a aplicação dos efeitos da revelia".

Informações: STJ.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

PL garante medida protetiva a quem denunciar violência contra a mulher

13/9/2022
Migalhas de Peso

STJ entende, pela primeira vez, que Lei Maria da Penha é aplicável também para proteger mulheres trans

14/4/2022
Migalhas Quentes

STJ: Lei Maria da Penha pode ser aplicada para mulheres transexuais

6/4/2022

Notícias Mais Lidas

Aprovado em concurso do TRT-2 descobre que homônimo “roubou” sua vaga

4/11/2024

Inseminação caseira: Veja impacto jurídico da prática não regulada no país

4/11/2024

Justiça faz "milagre" frente à alta demanda do Brasil, diz desembargadora

4/11/2024

Gilmar Mendes suspende julgamento sobre igualdade de aposentadoria de policiais

4/11/2024

CNJ abre PAD contra magistrados que disseram que assédio virou "moda"

5/11/2024

Artigos Mais Lidos

Tema 1348 do STF: Imunidade do ITBI nas holdings e seus impactos

4/11/2024

É constitucional a proposta de “só preto pode falar”?

5/11/2024

Direito ao distrato em casos de atraso na obra: O que diz a lei

4/11/2024

Seria o vínculo trabalhista a única forma de proteção social?

4/11/2024

Vini, non vidi, perdere

5/11/2024