Para a 5ª turma do STJ, caso o MP – titular da ação penal – tenha pedido a absolvição do réu, como regra, não cabe ao juiz condená-lo, sob pena de violação do princípio acusatório e da separação entre as funções de acusar e julgar. O colegiado entendeu que, para se contrapor à posição do MP, a sentença condenatória deve ser fundamentada de forma especialmente robusta, com a indicação de provas capazes de sustentar essa situação excepcional.
Com esse entendimento, fixado por maioria de votos, a turma concedeu habeas corpus de ofício para anular a sentença condenatória em relação a um réu acusado de crime tributário (o corréu também teve a condenação revertida, mas por outras razões). No processo, o MPF pediu a absolvição de um dos acusados com base em depoimento da testemunha de defesa – a mesma prova utilizada pelo juiz para decidir pela condenação.
"A acusação não é atividade que se encerra com o oferecimento da denúncia, já que a atividade persecutória persiste até o término da ação penal. Assim, considero que, quando o MP requer a absolvição do réu, ele está, de forma indireta, retirando a acusação, sem a qual o juiz não pode promover decreto condenatório, sob pena de acusar e julgar simultaneamente", afirmou o ministro João Otávio de Noronha no voto que prevaleceu no colegiado.
O ministro reconheceu a existência de precedentes do STJ que admitiram a possibilidade de prolação de sentença condenatória ainda que, nas alegações finais, o MP tenha pedido a absolvição do réu.
Viés inquisitório do sistema criminal
Entretanto, Noronha apontou que, na CF/88, houve clara opção pelo sistema acusatório, em detrimento do viés inquisitório, com a reserva, em favor do MP, do monopólio da titularidade da ação penal pública (art. 129, inciso I, da CF/88).
Segundo o ministro, essa definição constitucional exige do Poder Judiciário a construção gradual de uma jurisprudência que adeque as legislações recepcionadas pela Carta Magna, às novas diretrizes do ordenamento jurídico.
Noronha também citou precedente do STF no sentido de que, embora o art. 385 do CPP seja considerado constitucional, permitindo ao juiz proferir sentença condenatória em contrariedade à posição do MP, a situação exige do magistrado um ônus de fundamentação mais elevado, como forma de justificar a excepcionalidade da decisão.
Nesse contexto normativo e jurisprudencial, o ministro afirmou que não seria possível, no caso dos autos, confirmar uma sentença penal que, sem o devido embasamento, divergiu do pedido de absolvição feito pelo MP e condenou o réu.
"A condenação com amparo exclusivo em frágil depoimento de uma testemunha de defesa (que leva a conclusões contraditórias entre a acusação e o julgador) e que se baseia na presunção da prática de uma conduta-meio, sem indicação da presença do elemento subjetivo do tipo, não pode prosperar, especialmente frente ao pedido de absolvição formulado pelo MPF", concluiu Noronha.
- Processo: AREsp 1.940.726
Leia o acórdão.
Informações: STJ.