O juiz de Direito Manoel Atila Araripe Autran Nunes, da vara única de São Gabriel Cachoeira/AM, condenou um advogado ao pagamento de multa por litigância de má-fé estipulada em 10% do valor da causa. A ação em questão era contra um banco e o magistrado entendeu que houve advocacia predatória no caso.
Na avaliação do juiz, houve visível captação ilícita de clientela, falta de consentimento livre e esclarecido do suposto cliente no ajuizamento das ações, utilização indevida do direito de ação, abuso do direito de litigar, entre outras irregularidades.
Trata-se, no caso em tela, de ação declaratória de nulidade/exigibilidade de débito cumulada com repetição de indébito e danos morais ajuizada contra a instituição financeira demandada.
Ao analisar os autos, o juiz verificou o ajuizamento de ações em massa patrocinadas pelo mesmo advogado.
“Cabe mencionar que foram ajuizadas nesta comarca, de fevereiro a maio de 2022, portanto, em apenas 4, patrocinadas meses, 980 ações com causa de pedir semelhante pelo advogado (...) e contra instituições bancárias/financeiras variadas, dentre as mais demandadas o Banco (...), o Banco (...) e o Banco (...). Esse número corresponde a 87,7% do acervo comum cível ajuizado nesta Vara no ano de 2022 sendo patrocinado por um único patrono.”
Segundo o magistrado, a comarca de São Gabriel da Cachoeira possui vários outros advogados atuantes, além de defensores públicos, o que denota “ser ao menos curioso o fato de tão alta parcela de jurisdicionados serem patrocinados exclusivamente por este advogado”.
“Ocorre que ao longo da tramitação destes processos algumas circunstâncias chamaram a atenção e ensejaram diligências que avultam a conclusão de captação ilícita de clientela, utilização indevida dos serviços judiciais, abuso do direito de litigar e inexistência de litígio real entre as partes.”
Captação indevida de clientela
Conforme afirmou o juiz, o causídico montou um escritório em frente à agência do banco réu e, com isso, sua equipe tinha a prática de abordar as pessoas que saiam da agência, indagando-lhes se tinham descontos de tarifas e empréstimos em sua conta bancária e prometendo-lhes a retirada de tais descontos, independentemente de perquirir se eram legítimos ou não.
“Registre-se que em todas as ações ajuizadas por tal patrono há a alegação genérica de nunca ter contratado os referidos serviços ou de que houve falha no dever de informação referente aos contratos. Ou sejam, alegam uma lide temerária em descompasso com a pretensão de fato do autor. Além disso, todas as pessoas ouvidas informaram que nunca tiveram contato com o referido advogado (...), apenas com sua equipe e que assinaram a procuração sem ter exato conhecimento do seu teor e dos poderes que estavam sendo outorgados.”
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Perfil dos autores e da hipervulnerabilidade
Mais adiante, o magistrado abordou o perfil dos consumidores abordados por este advogado: pessoas indígenas e idosas, sendo que muitos não dominam de forma completa o português e não tinha o necessário conhecimento das procurações assinadas, tampouco tinham ciência das demandas que seriam ajuizadas e das consequências destas ações.
“Ante o exposto, tem-se claro que houve vício de consentimento e aproveitamento da hipervulnerabilidade indígena e idosa dos demandantes por parte do referido advogado para a obtenção de objetivo ilícito, em contrasenso com o ordenamento jurídico.”
O juiz registrou, ainda, que 100% das ações deste causídico que se encontraram aptas à análise do mérito foram julgadas improcedentes, com a condenação em multa por litigância de má fé, uma vez que os bancos demandados juntaram o contrato referente aos serviços, comprovantes de saques e utilização do crédito, provando a regularidade da contratação.
“Dessa forma, o advogado fraciona a relação jurídica da pessoa com a instituição e promove demandas autônomas, como se fossem vários contratos discutidos, induzindo o Juiz a erro e visando obter locupletamento ilícito com demandas deveriam ser discutidos no mesmo feito, já que são apenas desdobramentos da mesma relação jurídica. (...) Resta-me nítido que o aludido advogado está fazendo uso predatório da Justiça.”
Ante o exposto, extinguiu o caso sem resolução de mérito e condenou o advogado ao pagamento de multa no importe 10% sobre o valor atualizado da causa. Também determinou que os órgãos competentes sejam oficiados para eventual apuração da conduta do profissional.
- Processo: 0601425-20.2022.8.04.6900