Advocacia predatória: Advogado indenizará banco em R$ 30 mil
Juiz também fixou multa por má-fé e determinou que órgãos competentes sejam oficiados.
Da Redação
terça-feira, 24 de maio de 2022
Atualizado às 13:51
Advogado que agiu de forma fraudulenta terá de indenizar banco em R$ 30 mil por danos morais presumidos. O juiz de Direito Wendel Alves Branco, da vara Única de Ouroeste/SP, considerou que houve advocacia predatória no caso.
No processo em questão, o autor dizia não ter celebrado contrato de cartão de crédito com a financeira ré. Por isso, o consumidor pediu a devolução em dobro das quantias descontadas, além de danos morais.
Antes de entrar no caso em si, o magistrado discorreu sobre a advocacia predatória, referenciando, inclusive, matérias publicadas por Migalhas.
De acordo com o juiz, tem-se percebido na comarca e no Noroeste Paulista de uma forma geral uma distribuição elevada, massiva e absolutamente anormal de processos por parte de uma minoria de advogados em curto espaço de tempo, que, "longe de indicar possível popularidade ou sucesso do profissional, na verdade caracterizam, a prática da chamada 'advocacia predatória'".
"Uma prática que se tornou realidade em nosso sistema de Justiça e precisa ser coibida fortemente com os instrumentos ordinários da legislação, à míngua de tipificação exclusiva deste abuso, sob pena de COLAPSO DO SISTEMA JUDICIÁRIO e de se estimular a má-fé processual."
Conforme afirmou o magistrado, de alguma forma, provavelmente criminosa ou fraudulenta (já que os dados são protegidos por sigilo), o advogado obtém o vazamento de mídias contendo dados de clientes de instituições financeiras, instituições de crédito e empresas de telefonia. De posse dessas informações, entra em contato com os clientes de cada empresa com a promessa ilusória de que possuem dinheiro a receber no fórum, mas que para isto precisam assinar uma procuração autorizando o advogado a levantar a quantia.
"Não raro, acontecem também falsificações de assinaturas em procurações. No entanto, com apenas uma procuração, o advogado, que já tem o CPF e outros dados da pessoa, passa a distribuir ações em massa, questionando toda e qualquer relação jurídica que o cliente tenha constituído em sua vida."
Na avaliação de Wendel, são processos completamente artificiais, com petições padronizadas, desprovidas das especificidades do caso e recheadas de teses genéricas em nome de pessoas vulneráveis, a indicar o caráter fraudulento das ações.
Advocacia predatória no caso em questão
Sobre o patrono da ação em tela, o magistrado pontuou que o advogado passou a distribuir em Ouroeste e em dezenas de cidades do Estado de São Paulo centenas de processos idênticos a um só tempo, questionando toda e qualquer relação jurídica de consumidores, sempre com petições padronizadas, artificiais e teses genéricas.
"Suspeitei de sua conduta e determinei fosse diligenciado junto aos requerentes dos processos para esclarecer as circunstâncias da contratação. E, como já esperava, vários clientes confirmaram a inexistência de interesse de agir, uma vez que foram procurados pelo advogado e seus representantes com documentação e procuração já prontos para assinatura para retirada de indenização no fórum."
O magistrado ressaltou, ainda, que o advogado sequer é da comarca, "não me parecendo razoável supor que tenha sido procurado no mesmo período de tempo por inúmeras pessoas de uma cidade que não é a sua relatando exatamente os mesmos problemas".
"Portanto, resta-me nítido que o advogado da parte autora está fazendo uso predatório da Justiça. E, pelas evidências oras reveladas, não há dúvidas de que realizou captação ilícita de clientela a partir de uso de dados vazados de instituições para distribuir demandas completamente artificiais, que, pela ausência de interesse real de agir (porque não houve efetiva contratação tradicional; o interesse, em verdade, é do advogado), todas devem ser extintas sem resolução de mérito."
Sem resolução de mérito
Diante da fraude, Wendel determinou que o processo fosse extinto sem resolução de mérito e considerou que é inadmissível que o Poder Judiciário seja conivente com isto. "Todos devem ser responsabilizados", afirmou.
"A parte autora, por ter aceitado participar do esquema, ou ao menos por ter assumido esse risco, haja vista que pessoas honestas não aceitariam outorgar procuração sem maiores critérios, ou para propositura de lide temerária para se beneficiar com enriquecimento sem causa. O advogado também precisa ser responsabilizado, pois é o principal responsável pela fraude e, sem ele, não seria possível o envolvimento de outras pessoas. A responsabilidade disciplinar somente com expedição de ofícios para a OAB não se mostra adequada e suficiente à solução do caso, pois, na prática, constata-se que nada acontece e, na semana seguinte, o advogado torna a comparecer perante o juízo para distribuir mais uma centena de ações."
Com efeito, decidiu: a) condenar a autora e seu advogado, solidariamente, por litigância de má-fé no valor de R$ 5 mil; b) condenar o causídico a indenizar o banco por prejuízos morais presumidos em R$ 30 mil; c) que os órgãos competentes e a polícia civil sejam oficiados para apurar o caso.
O escritório Arruda Dias Lemos Advogados defende o banco na ação.
- Processo: 1000198-03.2022.8.26.0696
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