Nesta segunda-feira, 2, um documento revelado pelo site Político causou uma grande movimentação nos Estados Unidos, tanto nas redes sociais quanto fora delas. Trata-se de um rascunho de decisão apontando que os juízes da Suprema Corte podem derrubar o direito ao aborto no país, garantido desde a década de 70.
- Leia a íntegra do documento em inglês, clique aqui.
A decisão de 22 de janeiro de 1973 que legalizou a interrupção voluntária da gravidez nos Estados Unidos é conhecida mundialmente como “Roe versus Wade”. Na ocasião, a Suprema Corte do país entendeu que o direito ao respeito à vida privada, garantido pela Constituição, se aplicava ao aborto.
Já no documento revelado pelo site Político, o juiz conservador Samuel Alito classificou a “Roe versus Wade” como “extremamente errada”.
"Roe estava extremamente errada desde o início. Seu raciocínio foi excepcionalmente fraco e a decisão teve consequências prejudiciais. E longe de trazer um acordo nacional para a questão do aborto, Roe e Casey [outro processo sobre aborto, de 1992] inflamaram o debate e aprofundaram a divisão."
Caso a Corte estadunidense derrube o precedente, leis existentes em 22 Estados poderiam instantaneamente tornar o aborto ilegal. Entretanto, ainda não se sabe quando o tema será alvo de um veredito.
A decisão de 1973 está sendo analisada pela Corte como parte de um processo contra a proibição do aborto no Mississippi, que está em curso.
Documento verídico
O chefe de Justiça John G. Roberts Jr. emitiu um comunicado nesta terça-feira, 3, confirmando a autenticidade do rascunho vazado.
“Ontem, um órgão jornalístico publicou cópia de um projeto de decisão em processo pendente. Os ministros circulam internamente minutas de decisão como rotina e parte essencial do trabalho deliberativo confidencial da Corte. Embora o documento descrito nos relatórios de ontem seja autêntico, não representa uma decisão do Tribunal ou a posição final de qualquer membro sobre as questões do caso."
Posicionamento do presidente
Após toda a repercussão do caso, nesta terça-feira, 3, o presidente Joe Biden emitiu um comunicado no qual afirmou que protegerá “o direito da mulher a escolher” caso a Suprema Corte derrube o aborto de forma legal.
Veja a postagem do presidente:
Manifestações
Ainda na noite de ontem, depois que o documento veio à tona, manifestantes foram até a Suprema Corte se posicionar contra o fim do direito. O The New York Times afirmou que o clima no local era uma mistura de “raiva e luto”.
Composição da Suprema Corte
Atualmente, o Tribunal é composto por nove juízes, sendo seis conservadores (nomeados por presidentes republicanos) e três liberais (nomeados por presidentes democratas), todos com cargo vitalício.
Em julho, o liberal Stephen Breyer se aposentará e será substituído por Ketanji Brown Jackson, 1ª mulher negra a assumir o posto. A juíza foi indicada por Joe Biden e aprovada pelo Senado americano em abril.
"Úteros a serviço da sociedade"
Trazendo a discussão para o Brasil, em 2020, quando o STF rejeitou a possibilidade do direito ao aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika, ministro Luís Roberto Barroso apresentou uma reflexão sobre o aborto. Para S. Exa., o debate transcende a questão da zika e da microcefalia, alcançando os direitos reprodutivos das mulheres de maneira geral.
O ministro destacou ser o aborto fato indesejável, e que "o papel do Estado e da sociedade deve ser o de procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres". Reiterou, por sua vez, que a criminalização do ato "não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto". Ao contrário, países em que foi descriminalizada a interrupção da gestação até a 12ª semana conseguiram melhores resultados, proporcionando uma rede de apoio à gestante e à sua família.
"Para que não haja dúvida: mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade."