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STJ adia decisão sobre rol da ANS ser taxativo para planos de saúde

Ministros retomaram o julgamento com o voto-vista da ministra Nancy Andrighi, para quem o rol é exemplificativo. Ministro Cueva pediu vista.

23/2/2022

Os ministros do STJ retomaram nesta quarta-feira, 23, julgamento que analisa se o rol da ANS é taxativo ou exemplificativo para planos de saúde.

O relator ministro Luís Felipe Salomãovotou pela taxatividade da lista. No entanto, o relator ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos na lista.

Nancy Andrighi proferiu seu voto-vista no sentido de que o rol da ANS tem natureza meramente exemplificativa, "pois só dessa forma se concretiza a politica de saúde idealizada pela Constituição".

Após o voto, o ministro Villas Bôas Cueva sinalizou pedido de vista, tornando-se vista coletiva, e suspendendo o julgamento.

STJ adia decisão sobre rol da ANS ser taxativo para planos de saúde.(Imagem: Istock Photo.)

Manifestação

Um grupo de mães se acorrentaram em frente ao STJ em protesto. “O lucro dos convênios não pode estar acima do direito à saúde”, diz faixa carregada por elas. A #RolTaxativoMata, usada pelas ativistas, é dos assuntos mais comentados do Twitter durante todo o dia.

O caso

Na prática, a 2ª seção deve definir se as operadoras são ou não obrigadas a cobrir o que não está no rol de procedimentos estabelecidos pela agência. Os processos são o EREsp 1.886.929 e o EREsp 1.889.704, ambos de relatoria do ministro Salomão. Julgamento se inicia às 13h.

O entendimento consolidado nos tribunais nos últimos 20 anos é de que a interpretação deve ser mais ampla. A Justiça considera a lista de procedimentos como referência mínima ou exemplificativa, e em geral concede a obrigatoriedade de cobertura para além do rol.

Mas, no STJ, há divergência entre turmas. Enquanto a 3ª turma tem decisões no sentido de que a lista seria meramente exemplificativa, a 4ª turma adotou, em 2019, entendimento de que o rol não é meramente exemplificativo, tratando-se de mínimo obrigatório para as operadoras.

O caso aportou, então, à 2ª seção, para uniformização sobre o tema. A decisão é importante pois servirá como precedente às instâncias inferiores.

Firmou-se a tese de que é abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de arcar com a cobertura de medicamento prescrito pelo médico para o tratamento do beneficiário, sendo ele off label, de uso domiciliar ou, ainda, não previsto no rol da ANS, e, portanto, experimental, quando necessário o tratamento de enfermidade objeto de cobertura pelo contrato.

Mas o entendimento da 4ª turma, posteriormente, foi de que é inviável o entendimento de que o rol é apenas exemplificativo, pois teria o condão de encarecer e padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência, negando a vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano referência de assistência à saúde e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.

Taxatividade

O julgamento teve início no ano passado, quando votou o relator, ministro Salomão, pela taxatividade da lista. No entanto, o relator ressalvou hipóteses excepcionais em que seria possível obrigar uma operadora a cobrir procedimentos não previstos na lista.

Além disso, o magistrado considerou imprescindível reforçar o papel regulatório da autarquia – que, segundo ele, tem competência técnica para verificar a pertinência, o respaldo científico e a viabilidade da incorporação de novos procedimentos à lista.  

Por outro lado, Salomão apresentou uma série de hipóteses excepcionais em que seria possível determinar à operadora de saúde a cobertura de procedimentos não previstos expressamente pela ANS. Entre essas hipóteses, apontou, estão terapias com recomendação expressa do Conselho Federal de Medicina (CFM) que possuam comprovada eficiência para tratamentos específicos.

O relator também considerou possível a exceção para fornecimento de medicamentos relacionados ao tratamento do câncer e de prescrição off label – quando o remédio é usado para um tratamento não previsto na bula.

Nova MP

Em seu voto, Salomão lembrou que a MP 1.067/21, que alterou pontos da lei dos planos de saúde (9.656/98), explicitou que a amplitude da cobertura no âmbito do sistema de saúde suplementar deve ser estabelecida em norma editada pela ANS. A mesma MP instituiu a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, à qual compete assessorar a ANS na identificação de evidências científicas sobre eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, produto ou procedimento analisado.

O ministro destacou que a lista mínima obrigatória de procedimentos é uma garantia de preços mais acessíveis, já que a segurança dada às operadoras pela definição prévia das coberturas evita o repasse de custos adicionais aos consumidores – situação que favorece, principalmente, a camada mais vulnerável da população.

"Considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do 'rol mínimo' e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população."

Tratamento reconhecido pelo CFM

Em um dos recursos analisados, o relator entendeu que a excepcionalidade da situação autorizava a determinação de cobertura, pela operadora, de procedimento não previsto no rol da ANS. No processo, o autor, com quadro depressivo grave e esquizofrenia, pleiteou a cobertura do tratamento de Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), prescrito pelo psiquiatra.

Segundo o ministro, o CFM passou a reconhecer a eficácia da EMT para uso no Brasil, com indicação para doenças psíquicas – como depressão e esquizofrenia – e no planejamento de neurocirurgias. Ele também ressaltou estudos científicos que demonstram a indicação do tratamento nas situações em que o paciente não responde adequadamente à intervenção com medicamentos antidepressivos.

"No caso, como o rol não contempla procedimento devidamente regulamentado pelo CFM, de eficácia comprovada, que, em caso de depressão profunda, pode se mostrar realmente como solução imprescindível ao tratamento de enfermidade, notadamente por não haver nas diretrizes da relação editada pela autarquia circunstância clínica que permita essa cobertura, é forçoso o reconhecimento do estado de ilegalidade, para excepcional imposição do procedimento vindicado – que, como visto, também não tem preço significativamente elevado", afirmou Luis Felipe Salomão.

Definição

Nesta quarta-feira, 23, o julgamento continua com o voto da ministra Nancy Andrighi, que está com a vista do julgamento.

Nancy citou voto da ministra Rosa Weber que diz que hierarquicamente subordinado à lei, o poder normativo atribuído às agências reguladoras não lhes faculta impor restrições à liberdade, igualdade e propriedade ou determinar alteração do estado das pessoas.

Para a minitra, quando o legislador transfere para a ANS a função regulamentar às exceções e as exigências mínimas a serem observadas pelo plano de referência de assistência à saúde, não cabe àquele órgão ampliá-las ou agravá-las, de modo a restringir ainda mais a cobertura determinada por lei, em prejuízo do consumidor aderente.

A ministra considerou que qualquer norma infralegal editada pela ANS que restrinja a cobertura de tratamento para as pessoas listadas no CID, fora aquelas hipóteses excepcionadas pela própria lei (9.656), extrapola os limites materiais no seu poder normativo e, portanto, configura atuação abusiva e ilegal, que coloca o consumidor aderente em desvantagem exagerada.

"Se a lei 9.656 estabelece que todas as doenças classificadas na CID estão incluídas no plano referência, só se excluem da cobertura aqueles procedimentos e eventos relativos ao segmento não contratado pelo consumidor, nos termos do art. 12 e dos incisos do art. 10. Sendo vedada à operadora, para justificar eventual negativa de cobertura, alegar outras hipótese de exclusão inseridas no contrato ou em normas regulamentares, mas que sejam ofensivas à lei."

A ministra citou entendimento do STF no julgamento da ADIn 1.931, cujo objeto são alguns dispositivos da lei 9.656, que assim se manifestou:

"Verifica-se, mediante a leitura do diploma impugnado, ter o legislador atentado para o objetivo maior do Estado: proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a satisfazer valor maior – a preservação da dignidade do homem. Surge impertinente atribuir ao diploma a pecha de desproporcional por obrigar o plano de saúde a cobrir, sem limitação, a quantidade de exames e internações estipulada pelo médico responsável. A observância do que determinado pela autoridade clínica consiste em pressuposto mínimo de qualidade do serviço prestado."

Para a ministra, não é razoável impor ao consumidor aderente, no ato da contratação, quase 3 mil procedimentos elencados pela ANS para que ele possa decidir, no momento da contratação, sobre as possíveis alternativas de tratamento para eventuais enfermidades que possa vir a acometê-lo, como sugeriu a ANS.

A ministra indagou: "Quem de nós sabe se amanhã seremos acometidos por câncer para poder dizer antecipadamente qual tratamento estamos escolhendo?"

"Chama atenção que, ao defender a natureza taxativa do rol de procedimentos e ventos em saúde, a ANS considera a incerteza sobre os riscos assumidos pelas operadores de plano de saúde, mas estranha e lamentavelmente desconsidera que tal solução implica a transferência dessa mesma incerteza para o consumidor aderente, sobre o qual passam a recair os riscos que ele, consumidor, diferentemente daquelas operadores do plano de saúde, não tem condições de antever."

Lucro das operadoras

A ministra enfatizou que, em uma análise superficial dos números mostra que, a despeito do aumento das despesas da última década, mantem-se o lucro das operadores, o qual, ultimamente, gira em torno de bilhões de reais ao ano.

"Ao analisar os dados disponibilizados pela própria ANS, o Ipea concluiu que o lucro liquido per capita de planos de saúde mais do que dobrou em quatro anos e que a receita do setor aumentou mesmo com queda no número de usuários."

Houve queda, os brasileiros não conseguem mais contratar os planos, mas o lucro das operadores continuou”, enfatizou a ministra.

As entidades defensoras do SUS (Conselho Federal de Medicina, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Associação Nacional do MP do Consumidor e o Conselho Federal da OAB.) conclamaram para que refutem falsos argumentos de que a liberação de planos segmentados irá exonerar ou desafogar o SUS.

“O mercado de planos de saúde dobrou e tamanho nos últimos anos, e o SUS não se beneficiou com nada disso. Pelo contrário, os planos irão empurrar cada vez mais para o SUS, os doentes que os planos não irão atender”

A ministra concluiu que o rol de procedimentos e eventos do rol em saúde da ANS, enquanto referência básica para os fins do disposto na lei 9.656, tem natureza meramente exemplificativa, "porque só dessa forma se concretiza a politica de saúde idealizada pela Constituição".

O ministro Salomão fez um aditamento de seu voto após o voto da ministra Nancy. Confira aqui.

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