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PGR se manifesta contra marco temporal em terras indígenas

“A terra, para os índios, é sagrada”, disse Augusto Aras nesta quinta-feira. Para o PGR, a questão possessória deve ser analisada caso a caso.

2/9/2021

Nesta quinta-feira, 2, o plenário do STF voltou a julgar a questão do marco temporal em terras indígenas. Hoje, foram finalizadas as sustentações orais dos amici curiae e o PGR Augusto Aras se manifestou sobre a questão.

A Procuradoria se posicionou contra o marco temporal; ou seja, para o órgão, não é correta a tese de que os indígenas só podem ter as terras demarcadas se comprovado que a ocupavam antes da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988).

(Imagem: Reprodução/YouTube)

A quem pertence a terra?

Em 2009, a FATMA - Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina buscou a Justiça, por meio de ação de reintegração de posse, dizendo que é legítima possuidora de uma área de mais de 80 mil m² localizada na linha "Esperança-Bonsucesso". Segundo a Fundação, essa área compõe uma gleba maior, chamada de "Reserva Biológica do Sassafras".

Acontece que, naquele ano, 100 indígenas ocuparam a referida área, "ali se instalando, e acabaram por derrubar a mata nativa do interior da reserva, construíram picadas e montaram barracas".

A FUNAI - Fundação Nacional do Índio rebateu o argumento da FATMA alegando que aquela área, na verdade, é protegida pela portaria 1.182/03, do ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37 mil hectares, localizada nos municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, todos em Santa Catarina.

Em 1º e 2º graus a Justiça entendeu que a área deveria ser reintegrada à FATMA - Fundação do Meio Ambiente, sob o seguinte fundamento:

"não há elementos que permitam inferir que as terras referidas na petição inicial sejam tradicionalmente ocupadas pelos índios, na forma do art. 231 da Constituição Federal, máxime porque quem as vem ocupando, ainda atualmente, para fins de preservação ambiental, como visto, é a parte autora."

Em 2019, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria por unanimidade. Naquela oportunidade, o relator, ministro Fachin, frisou que não estão pacificadas pela sociedade, nem mesmo pelo Poder Judiciário, questões como o acolhimento pelo texto constitucional da teoria do fato indígena, os elementos necessários à caracterização do esbulho possessório das terras indígenas, a conjugação de interesses sociais, comunitários e ambientais, a configuração dos poderes possessórios aos índios e sua relação com procedimento administrativo de demarcação.

Marco temporal: controvérsia

O julgamento vai requerer dos ministros uma extensa e profunda análise do artigo 231, da CF/88, o qual dispõe o seguinte:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

O grifo "tradicionalmente ocupam" é o ponto sensível da questão. Em 2017, a AGU emitiu o parecer 1/17 trazendo à tona o marco temporal.

O marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem comprovadamente sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Tal parecer foi aprovado pelo então presidente da República Michel Temer.

Atualmente, este parecer está suspenso por ordem do ministro Edson Fachin. Ao suspender o texto, o ministro considerou que o parecer poderia prejudicar diversas comunidades indígenas, que poderiam deixar de receber o tratamento adequado dos poderes públicos, "em especial no que se refere aos meios de subsistência, se a demarcação de suas terras não foi ainda regularizada".

Para os indígenas, a aprovação do marco temporal seria uma forma de estrangular o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras.

PGR

“Este procurador-Geral manifesta concordância com o afastamento do marco temporal, quando se verifica, de maneira evidente, que já houve apossamento ilícito da terra dos índios”. Assim afirmou o PGR Augusto Aras na tarde de hoje.

O PGR Augusto Aras iniciou sua manifestação explicando a importância da terra para os povos originários. Aras salientou que é diretamente da terra que os indígenas extraem sua sobrevivência e a partir dela preservam suas tradições culturais intergeracionais. “A terra, para os índios, é sagrada”, disse.

Para o representante da PGR, a fruição dos direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam não depende da prévia demarcação das glebas. A medida demarcatória, para Aras, apenas atribui segurança jurídica; ou seja, esclarece e facilita a reivindicação dessas terras em um eventual conflito possessório.

“Demarcar uma terra indígena equivale reconhecer um status preexistente. Consiste em atestar a ocupação dos índios como circunstância anterior à demarcação.”

Augusto Aras também explicou que a preservação das terras indígenas está intrinsecamente ligada à proteção do meio ambiente, já que a cuidar da terra faz parte da tradição dos povos originários.

Por fim, Aras propôs a seguinte tese para o julgamento:

“O art. 231 do texto constitucional impõe o dever estatal de proteção dos direitos das comunidades indígenas antes mesmo da conclusão do processo demarcatório, dada sua natureza declaratória. Por motivos de segurança jurídica, a identificação e delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios há de ser feita no caso concreto com a regra tempus regit actum, aplicando-se a cada caso a norma constitucional vigente no seu tempo.”

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