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O marco temporal e a fixação das terras indígenas

A teoria do "marco temporal", como apresentada, manterá o histórico de negação dos direitos indígenas por meio de uma interpretação restritiva.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Atualizado às 12:38

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Em 2009, após decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF) à criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, reconhecendo a legalidade dos povos indígenas residentes à época da promulgação da Constituição de 1988 (PET. 3.388/RR), criou-se a tese do ''marco temporal'', teoria da qual diz que o direito à terra indígena só poderá ser garantido quando esta estiver ocupada pelos nativos na data da promulgação da Constituição de 1988, ou comprovado o ''renitente esbulho'', isto é, a reivindicação por terem sido expulsos, ou obrigados a abandoná-las por conflitos territoriais.

A FUNAI é a responsável pela instauração destas áreas, onde realizam um estudo e propõem a delimitação da localidade dos nativos. Assim, enviam um ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que repassa o projeto para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que pode reassentar não-indígenas que estavam no local. Depois de finalizada a trama burocrática, o presidente da República pode sancionar ou não a criação.¹

Entretanto, a tese político-jurídica visa principalmente ideais da bancada ruralista no Congresso Nacional, grupo de parlamentares que atuam em defesa dos interesses dos proprietários rurais, na tentativa de delimitar ainda mais as terras dos nativos com fundamentos na exploração destes territórios para serem utilizados, por exemplo, pelos grileiros e garimpeiros, com ideais agropecuários e exploratórios esquecendo-se dos valores históricos e multiculturais dos povos e de seus ancestrais.  

A Comissão Nacional da Verdade apontou em seus documentos que os povos indígenas no Brasil sofreram graves violações de direitos humanos entre 1946-1988.² Profanação fundada em planos de expansão territoriais internas, como ampliação de negócios, criação de rodovias, áreas agricultáveis e retirada de minérios e matéria-prima.  Foram décadas de sucessivos crimes, como: assassinatos, massacres, prisões e torturas, para afastar os indígenas de suas tradicionais terras e apropriar-se de maneira perversa e colonial de suas riquezas.

Segundo o artigo 231 da Constituição, deve-se visar o reconhecimento aos índios de sua organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições e seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo dever da União demarcá-las e protegê-las.  A garantia e a prevalência do índio perante sua terra é um direito originário que deve ser respeitado e resguardado.

Colocar uma linha temporal para demarcar terras é violar a própria Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas em seu décimo quarto artigo, que diz respeito aos povos indígenas e o direito de manter sua relação com suas terras, territórios e recursos, inclusive direito reconhecido pelo Brasil na ONU e em nossa Carta Magna.

Seria digno, vincular um marco ao território de pessoas que foram julgadas, expulsas, violentadas sendo que o direito de agir juridicamente dependia exclusivamente de ações de órgãos governamentais?

A própria Corte salienta que o marco temporal foi utilizado apenas para o caso da Raposa Serra do Sol e que esta decisão não valeria para as demais, mas o tema em si continua sendo considerado de repercussão geral. Caso isso ocorresse, estaríamos assinando um extermínio de povos e sua ancestralidade. Não são interesses dos ruralistas que devem ditar as normas ou o destino dos povos indígenas, mas sim a lei, os tratados, a história, suas origens, crenças e principalmente suas terras e o respeito a elas.

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1. Disponível aqui.

2. Disponível aqui.

Matheus Lucca

Matheus Lucca

Advogado. Pós graduado em Direito Constitucional e em Direito Ambiental e Urbanístico pela Damásio. Membro da Comissão de Meio Ambiente - OAB de Sto Amaro e membro da LACLIMA.

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