Migalhas Quentes

STJ: Criptografia em app de mensagem não permite multa cominatória

Segundo o relator, ministro Ribeiro Dantas, a existência de ordem judicial baseada na lei 9.296/96, que regula a quebra de sigilo, não é suficiente para justificar a fixação de astreintes no caso de aplicativo que usa criptografia de ponta a ponta.

24/6/2021

(Imagem: Freepik)
Para a 5ª turma do STJ, a empresa fornecedora de aplicativo de mensagens não pode ser multada por descumprir ordem judicial para interceptação e acesso ao teor das conversas de usuários sob investigação, se tais providências são impedidas pelo emprego de criptografia de ponta a ponta.

Por unanimidade, o colegiado confirmou decisão do relator, ministro Ribeiro Dantas, que, em março, negou provimento ao recurso especial do Ministério Público de Rondônia. No recurso, o MP pedia a reforma do acórdão do TJ/RO que afastou integralmente a multa cominatória (astreintes) aplicada em primeira instância contra o WhatsApp.

Segundo Ribeiro Dantas, a existência de ordem judicial baseada na lei 9.296/96, que regula a quebra de sigilo, não é suficiente para justificar a fixação de astreintes no caso de aplicativo que usa criptografia de ponta a ponta.

Impossibilidade técnica de quebra de sigilo

O relator explicou que a criptografia utilizada no aplicativo protege os dados nas duas extremidades do processo, no polo do remetente e no do destinatário da mensagem.

S. Exa. lembrou que a 3ª seção do STJ, no julgamento do REsp 1.568.445, decidiu sobre a possibilidade de aplicação, em abstrato, da multa cominatória. Todavia, ressalvou, é preciso fazer uma distinção entre aquele caso e a situação do recurso em julgamento.

"Diversamente do precedente, a questão posta nestes autos é a alegação, pela empresa que descumpriu a ordem judicial, da impossibilidade técnica de obedecer à determinação do juízo, haja vista o emprego da criptografia de ponta a ponta."

Proteção de direitos fundamentais

Ribeiro Dantas reconheceu que, no caso julgado, o não atendimento da ordem judicial pode ser visto como obstrução de uma medida legítima, admitida pela Constituição, que é o fornecimento de dados para persecução penal. Por isso, em tese, seria juridicamente possível impor a multa cominatória à empresa, mesmo diante da impossibilidade técnica da quebra de sigilo.

Segundo o ministro, se a própria empresa, agindo com a finalidade de lucro, gera uma situação em que fica impossibilitada de identificar o conteúdo requisitado pela Justiça – conteúdo este importante para a investigação de crimes e cujo sigilo pode ser legalmente afastado –, "seria razoável proibi-la de alegar obstáculo que ela mesma criara".

Por outro lado – observou –, ao buscar mecanismos que protegem a intimidade da comunicação privada e a liberdade de expressão, por meio da criptografia de ponta a ponta, as empresas estão assegurando direitos fundamentais reconhecidos expressamente na Constituição Federal. Diante disso, S. Exa. entende que a aplicação da multa não deve ser admitida, pois a realização do impossível, sob pena de sanção, não encontra guarida na ordem jurídica.

Benefícios da criptografia superam prejuízos

O relator citou dois julgamentos em andamento no STF – ADPF 403 e ADIn 5.527 – que caminham para o entendimento de que a ciência corrobora a impossibilidade técnica de interceptar dados criptografados de ponta a ponta.

De acordo com Ribeiro Dantas, os relatores desses dois processos no STF, o ministro Edson Fachin e a ministra Rosa Weber, chegaram à mesma conclusão, de que o ordenamento jurídico brasileiro não autoriza que, em detrimento dos benefícios trazidos pela criptografia para a liberdade de expressão e o direito à intimidade, as empresas de tecnologia sejam multadas por descumprimento de ordem judicial incompatível com a encriptação.

Na mesma linha dos ministros do STF, Ribeiro Dantas comentou que os benefícios representados pela criptografia de ponta a ponta se sobrepõem aos eventuais prejuízos causados pela impossibilidade de quebra de sigilo das mensagens.

"Diante da fundamentação ora apresentada, a despeito da boa argumentação da acusação, não se pode falar em ofensa ao artigo 10, parágrafos 1º e 2º, da Lei 12.965/2014", declarou o magistrado ao negar provimento ao recurso do Ministério Público.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Informações: STJ.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Especialista avalia que nova política de privacidade do WhatsApp "não será muito bem vista"

11/1/2021
Migalhas Quentes

STJ afasta multa de empresa que deixou de cumprir interceptação de mensagens criptografadas

1/1/2021
Migalhas de Peso

Bloqueios de aplicativos: o que realmente está em jogo na ADIn 5.527 e na ADPF 403 é o direito à criptografia de ponta-a-ponta

19/5/2020

Notícias Mais Lidas

Leonardo Sica é eleito presidente da OAB/SP

21/11/2024

Justiça exige procuração com firma reconhecida em ação contra banco

21/11/2024

Ex-funcionária pode anexar fotos internas em processo trabalhista

21/11/2024

Câmara aprova projeto que limita penhora sobre bens de devedores

21/11/2024

PF indicia Bolsonaro e outros 36 por tentativa de golpe em 2022

21/11/2024

Artigos Mais Lidos

A insegurança jurídica provocada pelo julgamento do Tema 1.079 - STJ

22/11/2024

O fim da jornada 6x1 é uma questão de saúde

21/11/2024

ITBI - Divórcio - Não incidência em partilha não onerosa - TJ/SP e PLP 06/23

22/11/2024

Penhora de valores: O que está em jogo no julgamento do STJ sobre o Tema 1.285?

22/11/2024

A revisão da coisa julgada em questões da previdência complementar decididas em recursos repetitivos: Interpretação teleológica do art. 505, I, do CPC com o sistema de precedentes

21/11/2024