A 7ª turma do TRT da 1ª região condenou a Prosegur Brasil S/A Transportadora de Valores e Segurança em R$ 60 mil pela discriminação de gênero sofrida por um ex-empregado. Os desembargadores acompanharam o voto da relatora, desembargadora Carina Rodrigues Bicalho, que reforçou o caráter nefasto da discriminação por identidade de gênero, ao retirar das pessoas a legítima expectativa de inclusão social em condições iguais aos que compõem o tecido social.
Na inicial, o trabalhador informou que, em 2018, deu início ao processo de transição de gênero, submetendo-se a um tratamento hormonal, a fim de garantir visibilidade à identidade masculina. Com as características gradualmente reveladas, entendeu que seria melhor ser tratado pelo seu nome social, solicitando isso aos seus supervisores e aos demais colegas.
A partir disso, ele afirmou ter sofrido resistência, exclusão, situações vexatórias, proibição de uso de banheiro masculino, fazendo com que precisasse recorrer ao uso de medicamentos contra ansiedade e fazer tratamento contra depressão. Relatou, ainda, que a empresa marcou uma reunião para que se discutissem como seria tratado o caso, como se houvesse alternativa. Poucas semanas após essa reunião, ele foi demitido.
Uma testemunha ratificou os fatos narrados pelo autor, confirmando que um dos supervisores se negava a chamar o colega pelo nome social. Ela relatou que alguns colegas do mesmo nível hierárquico faziam piadas, como, por exemplo: "Bolsonaro vai acabar com isso" e "isso é palhaçada, não existe". A despeito dessas situações, a testemunha confirmou que não houve por parte da direção da empresa qualquer atitude no sentido de conscientizar o quadro funcional e incentivar o respeito ao profissional e a obediência à lei.
Em sua contestação, a empresa negou que tenha havido discriminação com o trabalhador, que, segundo ela, sempre foi tratado pelo nome social desde o momento que assim o requereu. Alegou, ainda, que não foi possível realizar a entrega de carta de referência com o nome social do empregado, na ocasião da sua demissão, porque na sua documentação ainda constava o nome de registro. De acordo com a Prosegur, a demissão foi motivada pela necessidade de reduzir o quadro de pessoal.
No primeiro grau, a empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil reais. O juiz que proferiu a sentença observou que a simples recusa da empresa em tratar o empregado pelo seu nome social nos documentos que emitia (contracheque, TRCT, e carta de referência) já era um comprovante da resistência enfrentada pelo profissional em relação à sua identidade de gênero no ambiente de trabalho. A indenização por danos materiais foi fixada em R$ 4.540,75, exato valor constante do líquido rescisório (TRCT).
Inconformada, a empregadora recorreu da decisão e o empregado também, sendo que este pleiteou a majoração dos valores das indenizações por danos morais e materiais. Segundo o trabalhador, a sentença condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos materiais, não observando o pedido inicial de condenação com base na lei 9.029/95. Essa lei assegura ao empregado que teve o contrato de trabalho rompido por ato discriminatório a faculdade de optar entre a reintegração, com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento.
No segundo grau, o caso foi analisado pela desembargadora Carina Bicalho.
“A discriminação por identidade de gênero é nefasta, porque retira das pessoas a legítima expectativa de inclusão social em condições iguais aos que compõem o tecido social. Dói. Mas dói na alma, no desejo e no sentido de contribuir para construir uma sociedade vocacionada à promoção do bem de todos e sem preconceitos de qualquer ordem, que assegure o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos e a resguardar os princípios da igualdade e da privacidade, como quer a Constituição que organiza esse tecido social.”
A magistrada pontuou, ainda, que os tribunais que tratam do assunto na esfera social reconhecem que os indivíduos transgêneros têm o direito de usar seu nome social, preservando, assim, seus direitos constitucionais individuais, com base nos artigos 5º e 3º, IV, ambos da Constituição Federal.
Em seu voto, a desembargadora reformou a sentença, majorando o valor da indenização por danos morais para R$ 30 mil. Ela também divergiu do primeiro grau, optando pela aplicação da lei 9.029/95. No seu entendimento, como o trabalhador obteve um novo emprego – ficando assim prejudicada a reintegração –, ele faria jus ao pagamento de indenização equivalente ao dobro da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.
O período abrangido, no entanto, foi considerado de 20 de maio a 10 de setembro de 2019 (do aviso prévio indenizado à data da obtenção do novo emprego), diferente do pleiteado pelo empregado na inicial (de 8 de abril a 19 de outubro de 2019).
A 7ª turma do TRT/RJ, por unanimidade, reconheceu ser válida a aplicação da lei 9.029/95 e fixou o valor da condenação em R$60 mil.
O número do processo foi omitido para proteger a intimidade da parte.
Sobre o caso, a Prosegur se manifestou em nota de esclarecimento:
A Prosegur informa que o processo que corre na Justiça do Estado do Rio de Janeiro foi instaurado em julho de 2019 contra a empresa Transvip. Na ocasião, a empresa ainda não pertencia à Prosegur Brasil S/A, portanto, não tendo assim a responsabilidade sob o pleito. A aquisição da empresa Transvip foi efetivada em 31 de janeiro de 2020.
A Prosegur esclarece que promove o respeito aos direitos humanos como elemento essencial no desenvolvimento de suas atividades e aplica em suas práticas os direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A partir da dita declaração, a empresa estabeleceu sua Política de Direitos Humanos, que está publicada no site da empresa, e destaca o item 2.5. Não discriminação:
“A Prosegur, em concordância com as regras e normas relativas aos Direitos Humanos assumidos, garante a ausência de discriminação com base em gênero, raça, religião, origem, estado civil, status social ou qualquer outra diferenciação pessoal, concedendo proteção especial a qualquer grupo especialmente vulnerável a tais comportamentos. A companhia fomenta a diversidade entre seus colaboradores e garante igualdade de oportunidades no acesso ao trabalho e à promoção profissional. O compromisso assumido abrange manter um ambiente de trabalho livre de assédio, abuso, intimidação ou violência.”
Informações: TRT-1.