Na sucessão por falecimento, a extinção do condomínio em relação a imóvel sobre o qual recai o direito real de habitação contraria a própria essência dessa garantia, que visa proteger o núcleo familiar. Também por causa dessa proteção constitucional e pelo caráter gratuito do direito real de habitação, não é possível exigir do ocupante do imóvel qualquer contrapartida financeira em favor dos herdeiros que não usufruem do bem.
A tese foi reafirmada pela 3ª turma do STJ ao reformar acórdão do TJ/SP que havia declarado a extinção do condomínio e condenado a companheira do falecido e a filha do casal, que permaneciam no imóvel, ao pagamento de aluguel mensal às demais herdeiras.
Apesar de reconhecer o direito real de habitação da companheira, o TJ/SP entendeu que essa prerrogativa não impede a extinção do condomínio formado com as demais herdeiras, filhas de casamento anterior do falecido. Em consequência, o Tribunal determinou a alienação do imóvel, com a reserva do direito real de habitação.
Moradia digna
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que o direito real de habitação reconhecido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente decorre de imposição legal (artigos 1.831 do CPC/15 e 7º, parágrafo único, da lei 9.278/96) e tem natureza vitalícia e personalíssima, o que significa que ele pode permanecer no imóvel até a morte.
"Sua finalidade é assegurar que o viúvo ou viúva permaneça no local em que antes residia com sua família, garantindo-lhe uma moradia digna", afirmou a ministra, lembrando que esse direito também é reconhecido aos companheiros – mesmo após a vigência do CC/02, o qual, segundo o STJ, não revogou da lei 9.278/96.
De acordo com a relatora, a intromissão do Estado na livre capacidade das pessoas de disporem de seu patrimônio só se justifica pela proteção constitucional garantida à família. Dessa forma, apontou, é possível, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles – relacionado aos direitos de propriedade – para assegurar o outro – a proteção do grupo familiar.
Nancy Andrighi também destacou que o artigo 1.414 do CC é expresso em relação ao caráter gratuito do direito real de habitação. Para a ministra, de fato, seria um contrassenso atribuir ao viúvo a prerrogativa de permanecer no imóvel e, ao mesmo tempo, exigir dele uma contrapartida pelo uso do bem.
Irmãs
Em seu voto, a ministra chamou a atenção para o fato de que o TJ/SP condenou não só a companheira do falecido ao pagamento de aluguéis, mas também a filha do casal – que é irmã por parte de pai das demais herdeiras. Nesse ponto, a ministra destacou que o artigo 1.414 do CC assegura ao detentor do direito real a prerrogativa de habitar na residência não apenas em caráter individual, mas com a sua família.
"Sendo assim, não podem os herdeiros exigir remuneração da companheira sobrevivente, nem da filha que com ela reside no imóvel", concluiu a magistrada ao reformar o acórdão do TJ/SP e julgar improcedentes os pedidos de extinção do condomínio e arbitramento de aluguéis.
- Processo: REsp 1.846.167
Informações: STJ.