Nesta sexta-feira, 30, os muros da Escola Secundária da Portela, em Lisboa, capital de Portugal, amanheceram pichados com frases racistas e xenofóbicas. A cena de 2020 remete à própria criação dos cursos jurídicos no Brasil.
Tão logo o Brasil conquistou sua independência em relação a Portugal, em 1822, ficou evidente a necessidade do estabelecimento do ensino do Direito em terras tupiniquins.
Devido aos acontecimentos políticos, os estudantes brasileiros que cruzavam o Atlântico para cursar Direito na Universidade de Coimbra passaram a ser oprimidos e hostilizados pelos cidadãos da outrora metrópole, e que não estavam habituados com a recente autonomia de nosso país. A hostilidade com os brasileiros era tanta que muitos voltaram ao Brasil para concluir o curso de Direito, o que explica haver formados já nos anos seguintes à criação dos cursos, pois alguns voltaram ao Brasil faltando apenas um ano para se formar, e concluíram os estudos em Olinda ou São Paulo.
"Uma porção escolhida da grande família brasileira, a mocidade a quem um nobre estímulo levou à Universidade de Coimbra, geme ali debaixo dos mais duros tratamentos e opressão, não se decidindo, apesar de tudo, a interromper e a abandonar sua carreira, já incertos de como será semelhante conduta avaliada por seus pais, já desanimados por não haver ainda no Brasil institutos onde prossigam e rematem os seus encetados estudos”, dizia José Luiz Nogueira, em sua obra “A Academia de S. Paulo - Tradições e Reminiscências”, de 1907.
Assim, o deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro, conhecido como Visconde de São Leopoldo, iniciou uma discussão, em 14 de junho de 1823, propondo à Assembleia Constituinte a criação de um curso jurídico no Brasil.
Um projeto de lei apresentado em 19 de agosto de 1823 determinava a criação de duas Universidades: uma em Olinda e outra em São Paulo. A partir daí seguiram-se inúmeras deliberações, sendo que a maioria reclamava para outros lugares a sede do primeiro curso jurídico brasileiro.
Entre as localidades cogitadas pelos deputados estavam Rio de Janeiro, então capital do Império, Minas Gerais e Bahia. E os motivos para a instalação nessas cidades eram diversos, como transportes, clima, comércio e até mesmo o linguajar do local.
Para o deputado Silva Lisboa, a província de São Paulo deveria ser preterida em relação ao Rio de Janeiro em virtude da pronúncia paulista. "Sempre, em todas as nações, se falou melhor o idioma nacional nas cortes. Nas províncias há dialetos, com os seus particulares defeitos. É reconhecido que o dialeto de S. Paulo é o mais notável. A mocidade do Brasil, fazendo ali os seus estudos, contrairia pronúncia muito desagradável".
Nessa disputa de reivindicações, destacou-se a prudente argumentação do deputado Luís José de Carvalho e Mello, o Visconde de Cachoeira, conforme narrado por Spencer Vampré:
"A cidade de S. Paulo é muito próxima ao porto de Santos, tem baratos viveres, tem clima saudável e moderado e é muito abastecida de gêneros de primeira necessidade, e os habitantes das Províncias do sul, e do interior de Minas, podem ali dirigir os seus jovens filhos com comodidade. O estabelecimento da outra em Olinda apresenta semelhantes circunstâncias, e é a situação apropriada para ali virem os estudantes das Províncias do Norte."
Acredita-se também que a cidade pernambucana foi credenciada como opção desde o início devido ao Seminário de Olinda, criado pelo bispo Dom Azeredo Coutinho, em 1789, cuja excelência das disciplinas ministradas sinalizava um esboço do ensino superior, e que futuramente foi instalado no Mosteiro de São Bento.
O fato é que terminada a discussão, o projeto de lei foi aprovado em 4 de novembro de 1823 e viu sua sanção falir quando, uma semana depois, D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte para outorgar uma nova Constituição, em 25 de março de 1824, enterrando assim a primeira tentativa de fundação dos cursos jurídicos brasileiros.
Em 9 de janeiro de 1825, um decreto assinado pelo então Ministro do Império, Estevam Ribeiro de Rezende, reacendeu o debate sobre a instalação de um curso jurídico no país, determinando, desta vez, a criação de uma Faculdade no Rio de Janeiro.
Apesar de o decreto não ter tido execução, o estatuto escrito pelo Visconde de Cachoeira para a ocasião não foi perdido, visto que seria adotado posteriormente, com algumas adaptações (para pior), para reger os dois primeiros cursos jurídicos do Brasil.
Um novo fôlego para a empreitada tomou-se em 1826 quando o deputado Lúcio Soares Teixeira de Gouveia propõe a revisão do projeto de lei do Visconde de São Leopoldo, o primeiro documento a abordar a questão.
Novamente, o conflito de opiniões e interesses em relação à localização atrasou a instalação dos cursos jurídicos e, após acalorada disputa prevaleceu a inicial ideia da criação em Olinda e São Paulo, como defendeu Francisco de Paula Souza e Mello, considerado benemérito fundador das Arcadas.
Dessa forma, em 11 de agosto de 1827, foi aprovada a lei que criou os dois primeiros cursos jurídicos brasileiros.
Mas se na teoria ambas as cidades, SP e Olinda, ganham mérito pelo vanguardismo na criação de um curso de Direito, na prática quem teria, enfim, iniciado primeiro suas atividades?
De acordo com a obra "A Academia de S. Paulo - Tradições e Reminiscências", de Almeida Nogueira, a solenidade de instalação do curso jurídico em São Paulo ocorreu em 1º de março de 1828, quando já se havia definido o Largo S. Francisco como abrigo do curso.
Em São Paulo, a turma que iniciou os estudos em 1828 graduou-se cinco anos depois, em 1832. Contudo, a primeira turma a formar-se pelas Arcadas não foi a dos acadêmicos que ingressaram em 1828, mas, sim, seis estudantes brasileiros transferidos de Coimbra, que concluíram seus estudos em 1831.
Em Olinda, como informa o jurista Clóvis Beviláqua em sua obra “História da Faculdade de Direito do Recife", a instalação do curso, no Mosteiro de São Bento, aconteceu aproximadamente dois meses após São Paulo, em 15 de maio de 1828. E a primeira turma de 37 bacharéis em Ciências Jurídicas formou-se em 1832.