Recentemente, o Estado do RJ sancionou a lei 9.014/20, que determina que síndicos e administradores de condomínios encaminhem à polícia, imediatamente, ocorrências ou indícios de casos de violência doméstica e familiar durante o período de isolamento social.
A lei fluminense surge em um importante momento, em que as denúncias de lesão corporal caíram 27% durante a pandemia. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública atribui a queda nas denúncias ao isolamento social imposto pela covid-19, pois muitas mulheres não conseguem sair de casa para fazê-las ou têm medo de realizá-las pela aproximação do parceiro. Paradoxalmente à diminuição das denúncias, os casos de feminicídio aumentaram 2%, ainda segundo dados do Fórum.
Para o advogado Luiz Kgnel, do escritório PLKC Advogados, apesar de relevante, a lei demanda cuidados. Segundo ele, normas como essa podem ser um desestímulo para que as pessoas assumam a função de síndico.
“O síndico no mais das vezes atua em caráter voluntário em benefício de todos. Já tem para si uma série de responsabilidades. Agora estão lhe imputando mais um encargo que na verdade não seria necessário. Qualquer pessoa que tenha ciência de violência doméstica e familiar pode fazer a denúncia e não deveria se colocar esse ônus para ele.”
O advogado observa ainda que qualquer pessoa que tenha a informação do fato pode e deve comunicar às autoridades.
Sobre o perigo de denúncias anônimas, Kgnel comenta:
“E se alguém quiser prejudicar um vizinho e fizer ao síndico uma informação falsa? Então o síndico comunica algo que não aconteceu porque simplesmente não viu? Acho o tema sério demais para ser atribuída a responsabilidade para quem eventualmente sequer estava no local dos fatos.”
O advogado acredita que esse tipo de lei pode oferecer um perigo à integridade física dos síndicos.
"Se o agressor souber que essa obrigação é do síndico pode ser que ele tente uma vingança contra ele."
Caráter pedagógico
Já para a advogada criminalista e professora Adriana Filizzola D’Urso, do escritório D'Urso e Borges Advogados Associados,“a legislação vai ter muito mais um caráter pedagógico, no sentido de auxílio às vítimas de violência doméstica e familiar, do que efetivamente um caráter punitivo aos síndicos de condomínio".
Projetos semelhantes
- Senado: Em 8/7, o Senado aprovou o substitutivo ao PL 2.510/20, que obriga moradores e síndicos de condomínios a informarem casos de violência doméstica às autoridades competentes. O projeto, aprovado em votação simbólica, foi encaminhado à Câmara dos Deputados.
- Câmara dos Deputados: Tramita o PL 4.286/20, que altera a Lei Maria da Penha para expandir o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Hoje, pela lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Pela proposta, o conceito também abrangerá a violência sofrida na comunidade, no local de trabalho, em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local, sendo perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes.
- Piauí: Em Teresina, foi sancionada a lei municipal 5.540/20, que obriga condomínios residenciais e comerciais a comunicarem aos órgãos de segurança a ocorrência ou indícios de ocorrência de violência doméstica ou familiar contra mulher, criança, adolescente ou idoso em seu interior.
- Bahia: Em agosto, a Assembleia Legislativa da Bahia promulgou a lei 14.278/20, que obriga os condomínios residenciais do Estado a comunicarem a ocorrência de casos de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes ou idosos.
- Distrito Federal: A lei 6.539/20, já em vigor, também aborda o dever de síndicos comunicarem imediatamente à autoridade policial casos de violência doméstica. Caso o condomínio não cumpra lei, pode ser penalizado com advertência e multa, que pode variar entre R$ 500 e 10 mil.
_________