Em votação no plenário virtual, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, pediu vista em julgamento que discute a liberdade de expressão e o direito à indenização por danos morais, em razão da publicação de matéria jornalística que imputa prática de ato ilícito a determinada pessoa.
O pedido se deu após voto-vista de Alexandre de Moraes, que negava provimento ao RE por entender que o veículo de comunicação atuou com negligência ao publicar a entrevista concedida por terceiro, sem, ao menos, ouvir o imputado.
Histórico do caso
O ex-deputado Federal Ricardo Zarattini Filho ajuizou ação contra jornal Diário de Pernambuco S.A., alegando que matéria jornalística lhe teria imputado falsamente o cometimento de crime. Enfatizou que nem ao menos lhe foi dado o direito de se manifestar a respeito da matéria, o que ofendeu sua honra, intimidade e privacidade.
Consta nos autos que em dezembro de 1968, quando foi preso em Recife pela prática de crime político, um delegado, sem qualquer prova ou indício, divulgou que o ex-parlamentar seria um dos responsáveis pelo atentado à bomba, ocorrido em 25 julho de 1966 no Aeroporto de Guararapes.
A 1ª instância julgou o pedido procedente. A decisão foi reformada pelo TJ/PE, que assentou a ausência do dever de indenizar por parte da empresa, ao entender que a publicação tratava de entrevista de terceiro e que o meio de comunicação deixou de se manifestar quanto ao conteúdo. Já no STJ, a 3ª turma julgou procedente o pedido de indenização, compreendendo que os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto.
No âmbito do Supremo, a PGR opinou pelo desprovimento do extraordinário, sublinhando haver responsabilização da empresa jornalística ante a ausência do dever de averiguação da veracidade das alegações.
Liberdade de expressão
No julgamento no plenário virtual, o relator, ministro Marco Aurélio, votou por reformar a decisão e julgar improcedente o pedido de indenização. Para S. Exa. “à liberdade de expressão estabelece ambiente no qual, sem censura ou medo, várias opiniões e ideologias podem ser manifestadas e contrapostas, caracterizando processo de formação do pensamento da comunidade política.”
Ao analisar o caso concreto, o ministro não observou excessos na publicação realizada pelo jornal, na qual não foi emitida opinião que influenciasse os leitores. Para o ministro, em um Estado democrático de direito, a publicação de uma entrevista, por si só, não pode ser objeto de indenização e sim, quando a divulgação é feita de maneira abusiva e violenta. Neste sentido, S. Exa. fixou a seguinte tese:
“Empresa jornalística não responde civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa.”
- Veja a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio.
A ministra Rosa Weber seguiu o voto do relator.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu a divergência. Para S.Exa., o regime jurídico de proteção da liberdade de expressão garante, por um lado, a impossibilidade de censura prévia, e, por outro, a possibilidade de que os direitos da personalidade se façam respeitar, a posteriori, através de responsabilização civil e penal.
No entendimento do ministro, a liberdade de imprensa goza de um regime de prevalência, sendo exigidas condições excepcionais para seu afastamento quando em conflito com outros princípios constitucionais. "Para além da configuração de culpa ou dolo do agente, é necessário também que as circunstâncias fáticas indiquem uma incomum necessidade de salvaguarda dos direitos da personalidade", completou.
Com estas considerações, S.Exa. defendeu a tese de que "somente é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção."
Na análise do caso concreto, o ministro concluiu que o veículo não examinou o potencial lesivo da informação divulgada, nem tampouco empregou os mecanismos razoáveis de aferição da veracidade das informações. Por isso, negou provimento ao recurso.
- Veja a íntegra do voto do ministro Edson Fachin.
A ministra Cármen Lúcia segiu a divergência.
Voto-vista
Em julho, também no plenário virtual, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do julgamento. Em seu voto, S. Exa. destacou que não se tratava de um fato inédito em que ainda se apuravam as responsabilidades; pelo contrário, sobreleva notar que o acontecimento já estava coberto pelo manto da anistia.
Para Moraes, o veículo de comunicação atuou com negligência ao publicar a entrevista concedida por terceiro, sem, ao menos, ouvir o imputado.
“Não merece relevo a circunstância de o jornal não ter emitido juízo de valor sobre as declarações do entrevistado, o silêncio, às vezes, pode ser mais eloquente do que muitas palavras. Não se está aqui a cuidar de censura prévia, mas sim de reconhecer a posteriori a responsabilidade civil da empresa jornalística.”
Assim, votou por negar provimento ao RE, fixando a seguinte tese:
“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.”
O voto-vista de Moraes foi acompanhada pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
- Veja a íntegra do voto.
A Advocacia Velloso defende o Diário de Pernambuco no processo.
- Processo: RE 1.075.412