Reflexões sobre a teoria da perda de uma chance
A teoria da perda de uma chance busca reparar a frustração de expectativas causadas por eventos danosos, distinguindo chance perdida do resultado final.
sexta-feira, 22 de novembro de 2024
Atualizado em 21 de novembro de 2024 14:45
A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida na França (la perte d'une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.
O precedente mais antigo no Direito francês foi um caso apreciado em 17/7/89 pela Corte de Cassação, que reconheceu o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um auxiliar de justiça que tirou da parte a possibilidade de ganhar o processo.
Saliente-se que houve uma dedicação maior do tema por parte da doutrina e da jurisprudência francesa que, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou -se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, um dano decorrente da perda da chance.
Assim, passou a ser desenvolvida uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem que não pôde ser realizada, fazendo-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.
Na Itália, a inicial resistência ao acolhimento da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance sucumbiu às consistentes manifestações favoráveis de importantes juristas, como Adriano De Cupis e Maurizio Bocchiola.
Segundo os autores italianos, existem características comuns entre a chance e o lucro cessante no que tange a prova do dano, pois em ambos os casos a prova da certeza não poderá ser mais do que uma prova da verossimilhança.
No entanto, no lucro cessante, o autor não deve provar o lucro em si, mas os requisitos necessários à verificação desse lucro , enquanto na perda de uma chance o acontecimento do resultado útil é impossível por definição. Assim, a perda de uma chance não poderia ser indenizável como lucro cessante, mas como dano emergente, pois a "chance" já fazia parte dos bens da vítima. Como uma espécie de dano emergente restaria superado o problema da certeza do dano para concessão da indenização.
No Brasil, nessa mesma linha, Sérgio Savi defende que, quando a perda da chance causar danos materiais, os mesmos devem ser considerados danos emergentes e, como tais, encontram previsão legal na primeira parte do art. 402 do CC. Para o autor, ao se inserir a perda da chance no conceito de dano emergente, "elimina-se o problema da certeza do dano".
Com efeito, se o dano material causado pela perda da chance enquadra-se no conceito de dano emergente, não haveria como se admitir o posicionamento contrário à integral reparação do dano sofrido pelas vítimas nesses casos, desde que as chances sejam sérias e reais.
De todo modo, a natureza jurídica do dano pela perda da chance é um tema que não possui unanimidade. Na doutrina a quem entenda, em razão das peculiaridades desse dano, impossível adequá-lo às noções estabelecidas do dano emergente ou lucro cessante, por isso propõem a criação de uma terceira modalidade dano, constituída exatamente pela perda das chances.
Sílvio de Salvo Venosa, afirma ser a perda da chance um terceiro gênero de indenização, que estaria "a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante" e que havendo certo grau de probabilidade, a mesma passa a entrar na esfera do dano ressarcível.
Nessa linha, Caitlin Sampaio Mulholland, ao tratar da situação em que um advogado contratado para ajuizar uma determinada ação, deixa de intentá-la no prazo tempestivo, levando à impossibilidade de conhecimento do pedido, afirma que existirá a hipótese de perda da chance do seu cliente ter a demanda devidamente ajuizada e discutida. Nesse caso, a indenização arbitrada não se confunde com o valor do dano emergente e do lucro cessante sofrido, na medida que não se sabe se de fato a demanda seria vencedora.
Isto porque, com a perda da chance não ocorre uma diminuição do patrimônio do lesado (dano emergente), nem se representa a hipótese de uma perda de vantagem futura e certa (lucro cessante), mas a perda da possibilidade de alcançar uma vantagem futura ou evitar uma perda. Nessa linha, faltariam requisitos para que o dano pelas chances perdidas possa ser considerado um dano emergente ou lucro cessante, até porque a forma de apreciação do quantum debeatur seria diversa da metodologia utilizada para apuração do montante indenizatório do dano pela perda da chance.
A indenização pela perda de uma chance ou de uma oportunidade pode ser entendida, assim, como um tertium genus na teoria da responsabilidade civil , já que constitui o ressarcimento pela privação das chances de se obter um lucro ou de se evitar um determinado prejuízo.
Esse posicionamento conjuga as duas teses (lucro cessantes e dano emergente), observando na perda da chance características únicas e inerentes a modalidades diversas de danos. Reconhece a chance com uma parte atual do patrimônio, mas também lhe atribui a característica de incerteza, demonstrada pela possibilidade de ocorrência.
Nesse diapasão, se a vítima comprovar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), restarão configurados os pressupostos do dever de indenizar.
Sublinhe-se que a definição se o dano gerado pela perda da chance possui natureza patrimonial ou extrapatrimonial, deve ser feita tendo por base o bem, direito ou interesse violado.
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Mauro Dibe
Sócio da Barreto Advogados & Consultores Associados.