Na tarde desta quinta-feira, 20, o plenário do STF deferiu liminar para suspender qualquer ato do ministério da Justiça que tenha por objetivo produzir ou compartilhar informações sobre a vida pessoal, as escolhas pessoais e políticas sobre servidores identificados com o movimento antifascista. Por 9x1, os ministros verificaram desvio de finalidade na produção do dossiê por parte da pasta.
Entenda
A ação foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade para questionar investigação sigilosa que teria sido aberta pelo ministério da Justiça e Segurança Pública contra um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários identificados como integrantes do "movimento antifascismo".
De acordo com o partido, a imprensa noticiou que a Seopi - Secretaria de Operações Integradas, subordinada ao ministro André Mendonça, produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas, todos críticos do governo do presidente Jair Bolsonaro. Um relatório teria sido distribuído às administrações públicas Federal e estaduais.
Para a Rede, o ministério da Justiça, sob a desculpa do exercício da atividade de inteligência, se utiliza do aparelhamento estatal para perseguições políticas e ideológicas, sem que haja qualquer risco considerável à segurança pública e à integridade nacional que justifique a abertura de procedimentos investigativos.
Relatora
Na sessão de ontem, a ministra Cármen Lúcia, relatora, votou pelo deferimento de medida cautelar para suspender qualquer ato do ministério da Justiça e Segurança Pública que tenha por objetivo produzir ou compartilhar informações sobre a vida pessoal, as escolhas pessoais e políticas, as práticas cívicas de cidadãos e de servidores públicos federais, estaduais ou municipais identificados como integrantes do movimento político antifascista, professores universitários e quaisquer outros que exerçam seus direitos políticos de se expressar, se reunir e se associar, dentro dos limites da legalidade.
“O uso ou abuso da máquina estatal, mais ainda para a colheita de informações de servidores com postura política contrária a qualquer governo, caracteriza, sim, desvio de finalidade, pelo menos em tese.”
Voto a voto
O ministro Alexandre de Moraes votou no mesmo sentido da relatora, ou seja, para impedir o MJ de elaborar dossiês com informações pessoais de cidadãos considerados antifascistas. Segundo o ministro, não é possível que qualquer sistema de inteligência possa atuar fora dos limites da legalidade e começar a produzir e compartilhar informações sobre vida pessoal. "Não há a mínima razoabilidade", disse.
"(...) não se autoriza bisbilhotar e supor se essas pessoas, principalmente, servidores públicos da área de segrurança são a favor ou contra o governo, são a favor ou contra essa ideologia e outra, isso é grave, certo que como foi feito estava mais para fofocaiada do que um relatório de inteligência, mas poderia avançar num sentido mais profissional e muito mais perigoso."
O ministro Edson Fachin acompanhou a relatora em razão do aparente desvio de finalidade do órgão de inteligência do MJ. Segundo ressaltou o ministro Fachin, a administração pública não pode ter o direito de listar inimigos do regime; "só em governos autoritários é que se pode cogitar dessas circunstâncias", afirmou.
"(...) a mera possibilidade de existencia de um dossiê, num país que chamou para si a expressão "nunca mais" em matéria de autoritarismo, essa situação já mostraria o embasamento jurídico na CF/88 sobre as pretenções legítimas formuladas na inicial."
O ministro Luís Roberto Barroso seguiu a relatora e explicou que, sempre que se lida com a atividade de inteligência, é preciso ter em conta o risco que ela oferece de abuso de poder a todos os governos e governantes. "Serviço de inteligência é uma atividade de Estado e não de governo", afirmou. Para o ministro, o passado do Brasil condena em matéria de utilização indevida de informações por parte dos órgãos de segurança.
"Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários desse grupo antifascismo é incompatível com a democracia, a menos que se tivesse elementos para comprovar que eles iriam contra as atividades democráticas. Nesse sentido, seria mais viável monitorar os grupos fascistas, e não os antifascistas."
A ministra Rosa Weber votou no mesmo sentido da relatora. De acordo com a ministra, não acatar a ADPF seria acobertar o que só pode ser descrito, na melhor das hipóteses, "como bisbilhotisse e na pior como perseguição política e ideológica", disse. Rosa Weber disse que a aparente modalidade do desvio de finalidade no caso parece intimamente ligada a uma cultura de autoridade que se revela como resíduo do patrimonialismo.
"Não pode ser lícito, numa democracia, incitar ou praticar atos de violência. Se isso acontece, nesse momento deve intervir o Estado agindo em nome do interesse da sociedade. Já o pensamento deve permanecer livre."
Ao votar pelo deferimento da cautelar nos mesmos moldes da relatora, o ministro Luiz Fux afirmou que, em comparação com a investigação do inquérito que apura ameças contra os ministros do STF, o documento em julgamento se mostra inócuo. Para que não serve um relatório de inteligência?, indagou Fux e, posteriormente, respondeu: para os fins deste dossiê.
"Os fatos [deste dossiê] são impassíveis de ser categorizados como relatório de inteligência, deveria, sim, ser nomeado como relatório de desinteligência, pois demonstrou para que não serve, ou seja, para os fins a que foram submetidos."
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou a relatora. Seu voto, segundo explicou S. Exa., vai no sentido de impedir que a inteligência do Estado extrapole os limites constitucionais.
"Num Estado Democrático de Direito não é legítimo que se elabore dossiê sobre cidadãos em que neles constem informações pessoais, como caráter afetivo, religioso, fatos que ocorreram num passado recente no regime militar."
O ministro Gilmar Mendes votou por suspender a produção de dossiê por parte do MJ. Para S. Exa., a simples defesa de uma ideia que vai contra às ideias de governo deve ser livre de qualquer constrangimento. Ao entender que há plausibilidade jurídica no pedido, Gilmar Mendes afirmou que a indevida intervenção estatal, com mecanismos de vigilância, é incompatível com a liberdade constitucionalmente concedida. "Os mecanismos estatais de inteligência devem ser submetidos a limites", declarou.
"O próprio presidente da República declara opiniões negativas contra os grupos antifa que se manifestam contra o atual governo, os critica 'marginais e terroristas'."
Gilmar Mendes relembrou que em 24/4 foi elaborado documento denominado "pedido de busca", no qual solicitou-se obtenção de informações sobre o denominado movimento antifascista.
"(...) essa data coincide com o último dia da gestão do ex-ministro Sergio Moro no ministério da Justiça, ou seja, dias antes da nomeação de André Mendonça para o cargo, portanto, conclui-se a produção desses relatórios tenha ocorrido durante grande parte do tempo na instalação do atual governo, não se tratando apenas de atos na atual gestão da pasta da Justiça."
O ministro Marco Aurélio abriu a divergência votando pela inadequação da ação ajuizada e, por conseguinte, pela extinção do processo sem apreciação do mérito. Para o vice-decano, a ADPF existe para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato Federal. O ministro ainda afirmou que o objeto da ação é pouco para respaldar o uso e o ajuizamento da ADPF.
"A Rede Sustentabilidade levanta a bola da imprensa meio à síntese dos fatos que motivaram o ajuizamento dessa ADPF, de tédio nós não morremos. A Rede estava entediada para saber todos os incluídos no documento realizado pela inteligência?"
O presidente do STF Dias Toffoli votou seguindo a relatora, no sentido de acolher a medida cautelar. O presidente da Corte registrou reverência à conduta e atuação do atual ministro da Justiça, André Mendonça. Ressalvou, ainda, que é necessário um sistema de inteligência, mas com limites.
“necessário registrar que o ministro atual tem a conduta ilibada, atuou da maneira mais correta e deu toda transparência ao STF, encaminhou tudo que foi devido e mostrou que isso não foi algo que ele que criou.”
- Processo: ADPF 722