Cármen Lúcia vota para suspender dossiê do MJ contra servidores antifascistas
Ação foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade contra investigação sigilosa do ministério da Justiça contra servidores antifascistas.
Da Redação
quarta-feira, 19 de agosto de 2020
Atualizado em 21 de agosto de 2020 10:01
Na tarde desta quarta-feira, 19, o plenário do STF deu início ao julgamento de ação que contesta investigação sigilosa do ministério da Justiça contra servidores antifascistas.
Única a votar na sessão de hoje, a relatora Cármen Lúcia deferiu liminar para suspender qualquer ato do ministério da Justiça que implique em produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, escolhas pessoais e políticas, práticas cívicas dos cidadãos de servidores públicos, professores universitários e quaisquer outros identificados com o movimento antifacista.
Entenda
A ação foi ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade para questionar investigação sigilosa que teria sido aberta pelo ministério da Justiça e Segurança Pública contra um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários identificados como integrantes do "movimento antifascismo".
De acordo com o partido, a imprensa noticiou que a Seopi - Secretaria de Operações Integradas, subordinada ao ministro André Mendonça, produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas, todos críticos do governo do presidente Jair Bolsonaro. Um relatório teria sido distribuído às administrações públicas Federal e estaduais.
Para a Rede, o ministério da Justiça, sob a desculpa do exercício da atividade de inteligência, se utiliza do aparelhamento estatal para perseguições políticas e ideológicas, sem que haja qualquer risco considerável à segurança pública e à integridade nacional que justifique a abertura de procedimentos investigativos.
Relatora
A ministra Cármen Lúcia deferiu liminar para suspender qualquer ato do ministério da Justiça que implique em produção ou compartilhamento de informações pessoais ou políticas, práticas cívicas dos cidadãos identificados do movimento político antifascista.
S. Exa. iniciou seu voto fazendo um esclarecimento, de que ao contrário do que circulou na imprensa, não decretou sigilo em nenhum documento. Cármen Lúcia trouxe a conhecimento informação prestada pelo ministro da Justiça no âmbito do processo de que ele não sabia da existência de nenhum relatório/dossiê, até a imprensa noticiar o caso. "Benza Deus a imprensa livre de meu país", disse Cármen Lúcia.
Segundo a relatora, a argumentação do ministério da Justiça - de que o socorro ao poder Judiciário, neste caso, teria de ser a última opção - escancara a violação do acesso à jurisdição. A ameaça também pode ser levada à jurisdição, explicou a S. Exa.
A ministra observou que não há negação peremptória de que inexiste dossiê e observou que em 4 de agosto de 2020 o ministro da Justiça André Mendonça exonerou o diretor de órgão de Inteligência do MJ como medida preventiva de integridade para apuração dos fatos. "Se não há dossiê, do que estamos falando em matéria administrativa que levou até o afastamento de um servidor?", questionou.
Para a relatora, ao menos na fase cautelar, há plausibilidade nos dados e dos fatos noticiados pela imprensa. "O Estado não pode ser infrator", afirmou.
"O uso ou abuso da máquina estatal, mais ainda para a colheita de informações de servidores com postura política contrária a qualquer governo, caracteriza, sim, desvio de finalidade, pelo menos em tese."
Sustentações orais
Pela requerente Rede Sustentabilidade, o advogado Bruno Gonçalves defendeu que a CF assegura a liberdade de expressão e resguarda discursos plurais, inclusive daqueles que se declaram publicamente serem antifacistas. "Sem divergência saudáveis de ideias, não há democracia", disse. Para o advogado, a elaboração de um dossiê contra os servidores que se declaram antifacistas se caracteriza como uma perseguição ideológica.
A Conectas Direitos Humanos, admitida como amicus curiae e representada pelo advogado Gabriel Sampaio, explicou que as pessoas citadas no dossiê em questão são todas identificadas como oposição ao atual governo. Para o causídico, o ministério de Justiça não tem competência para a produção de material de inteligência de Estado. "Há o desvio de finalidade", argumentou o advogado, para atender interesses que não comportam amparo na lei.
Representando a União, o advogado José Levi rejeitou a alegação de autoritarismo por parte do governo. Pediu o indeferimento da concessão da liminar e rogou ao STF a avaliação de relatório da diretoria de inteligência, de modo a julgar o acerto ou desacerto "de uma prática que pode e deve ser controlada".
O PGR Augusto Aras esclareceu que relatório de inteligência não se confunde com investigação criminal. Aras enfatizou a importância da atividade de inteligência ao dizer que tal atividade antecipa atividades de risco. A PGR não admite que o governo espione opositores do governo, argumentou. Ao pleitear o indeferimento da cautelar, Aras disse que a ação foi embasada exclusivamente por notícias da internet, oriundas de fontes abertas, tais como Facebook, Instagram e YouTube.
- Processo: ADPF 722
- Registro e homenagem
Antes da sessão jurisdicional, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, fez um registro de homenagem ao decano Celso de Mello. No último dia 17/8, o ministro completou 31 anos no STF. O ministro Toffoli afirmou que o decano segue contribundo de forma determinada para a efetividade da CF/88 e para a densificação de seus preceitos. Altivez, retidão e seriedade foram algumas qualidades que o presidente Toffoli atribuiu ao trabalho de Celso de Mello. "V. Exa. dignifica a democracia brasileira", disse.
O PGR Augusto Aras e o AGU José Levi também registraram suas homenagens ao decano ao enfatizar a importância do trabalho de Celso de Mello para a democracia.
Veja a íntegra do discurso.