Migalhas Quentes

STJ nega direito ao esquecimento a condenada por morte de Daniella Perez

Mesmo mantendo condenação em danos morais por matéria que expôs a autora e seus filhos, 3ª turma concluiu que proibir futuras reportagens sobre o crime configuraria censura prévia.

28/4/2020

Em uma decisão paradigmática, capitaneada pelo voto do relator, ministro Ricaro Cueva, a 3ª turma do STJ negou a aplicação do direito ao esquecimento a mulher condenada pelo assassinato de Daniella Perez, filha da escritora Gloria Perez, ocorrido em 1992.

Paula Thomaz foi condenada, junto com o ator Guilherme de Pádua, com quem era casada à época, pelo assassinato de Daniella, que tinha 22 anos e foi morta com 18 punhaladas. 

Paula, o atual marido e filhos ajuizaram ação pela publicação, na revista IstoÉ, em outubro de 2012, de uma reportagem com informações acerca do rumoroso crime. A autora alegou que a referida reportagem apresentou imagem atual, sem o seu consentimento, bem como expôs, de maneira sensacionalista, sua vida contemporânea e a de seus familiares, ocasionando danos à esfera íntima dos autores.

Em 1º grau, a ação foi julgada parcialmente procedente, condenando a ré a retirar a referida matéria do site na internet, e a pagar à primeira autora a quantia de R$ 30 mil por danos morais, e aos demais autores, cada um, o valor de R$ 20 mil. A decisão de mérito foi mantida pelo TJ/RJ.

No recurso, os autores buscaram majorar as indenizações e condenar a editora a não mais publicar reportagens a respeito do crime.

Direito ao esquecimento e censura prévia

O relator, ministro Ricardo Cueva, de início citou dois julgados paradigmáticos, ambos do ministro Luis Felipe Salomão: o caso da Chacina da Candelária e o caso Aída Curi.

O caso de Paula Thomaz, destacou S. Exa., se diferencia dos casos paradigmáticos julgados pela 4ª turma a respeito do direito ao esquecimento, pois a parte interessada foi efetivamente condenada pelo crime correlato, enquanto, nos outros, tratou-se ou de acusado posteriormente absolvido ou de pleito oriundo da família da vítima.

Ao tratar da vedação à estigmatização e à pena perpétua, Cueva concluiu não restar dúvida de que a reportagem da IstoÉ não apresenta conteúdo informativo ou de interesse histórico acerca do crime, situação que, caso observada, seria acobertada pela razoabilidade e pelos limites do direito à informação.

De fato, a notícia, ao contrário, destina-se exclusivamente a explorar a vida contemporânea dos autores, dificultando, assim, a superação de episódio traumático.”

Cueva destacou que o Tribunal de origem fixou o entendimento de que a reportagem se limitou a descrever hábitos rotineiros da autora do crime, de seu esposo e de seus filhos, “utilizando o delito como subterfúgio para expor o cotidiano da família, inclusive crianças e adolescentes”. Apesar disso, prosseguiu S. Exa., é inviável o acolhimento da tese do direito ao esquecimento.

Isso porque, muito embora cabível reconhecer e reparar as violações constatadas no presente caso, é inadmissível a fixação, ao veículo de comunicação, de antemão, de um dever geral de abstenção de publicar futuras reportagens relacionadas com o ato criminoso.”

Além de mencionar julgados do STF e do STJ reiterando a importância de proteção ao direito à informação, ministro Cueva ressaltou ser indiscutível a relevância nacional atribuída ao assassinato de Daniella Perez - reconhecida, inclusive, pela própria turma quando da análise de recurso interposto pela mãe da vítima, que tratou de reportagem da TV Record com exposição da vida prizada da atriz e seus familiares.

Tamanha foi a relevância do caso, lembrou Cueva, que em virtude da mobilização popular iniciada por Gloria Perez à época do crime, homicídio qualificado foi reconhecido como crime hediondo, conforme previsto no artigo 1º, inciso I, da lei 8.072/90.

Desse modo, sob pena de apagamento de trecho significativo não só da história de crimes famosos que compõem a memória coletiva, mas também de ocultação de fato marcante para a evolução legislativa mencionada, não há razões para acolher o pedido concernente à obrigação de não fazer.

No detalhado voto, S. Exa. destacou ainda que a análise concreta da historicidade de crimes famosos deve perpassar a aferição do genuíno interesse público presente em cada caso.

Tal dimensão apenas pode ser constatada nas situações em que os fatos recordados marcaram a memória coletiva e, por isso, sobrevivem à passagem do tempo, transcendendo interesses individuais e momentâneos.

Assim, sob pena de imposição de indevida censura prévia e por existir evidente interesse social no cultivo à memória do mencionado fato notório, não é possível restringir de antemão a veiculação de quaisquer notícias e matérias investigativas sobre o tema, notadamente aquelas voltadas à preservação da dimensão histórica e social referente ao caso em debate.”

Dessa forma, Cueva negou o pleito pela abstenção de publicar novas reportagens informativas a respeito do crime. O valor do dano moral fixado nas instâncias de origem também foi mantido, por aplicação da súmula 7.

O processo estava com pedido de vista para a ministra Nancy que, em sessão por videoconferência realizada nesta terça-feira, 28, seguiu inteiramente o relator. A decisão do colegiado foi unânime.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Enxergar censura no direito ao esquecimento é confusão na tese, afirma ministro Salomão

3/4/2018
Migalhas Quentes

Direito ao esquecimento não permite apagar fatos ou reescrever a própria história

1/3/2018
Migalhas Quentes

Direito ao esquecimento permite ocultar links em pesquisa, mas não retirar notícia do ar

15/1/2018
Migalhas Quentes

Glória Perez não será indenizada por reportagem da Record sobre morte da filha

8/11/2017
Pílulas

Caso Daniella Perez

23/8/2017
Conversa Constitucional

O direito ao esquecimento e a questão da mulher no Brasil

20/6/2017
Migalhas Quentes

PGR: Direito ao esquecimento não pode limitar liberdade de expressão

12/7/2016
Migalhas Quentes

Professor analisa constitucionalidade da invocação do direito ao esquecimento

13/2/2015
Migalhas Quentes

Manuel Alceu Affonso Ferreira: O direito ao esquecimento não é absoluto

14/5/2014
Migalhas Quentes

STJ reúne julgados sobre a questão do direito ao esquecimento

21/10/2013
Migalhas Quentes

Processos contra a Globo evocam direito ao esquecimento

7/6/2013
Migalhas Quentes

Homem inocentado da chacina da Candelária receberá R$ 50 mil da Globo

5/6/2013
Migalhas Quentes

Uso de imagem de Aida Curi no programa Linha Direta não gera dano

4/6/2013

Notícias Mais Lidas

"Vale-peru"? TJ/MT fixa R$ 10 mil de auxílio-alimentação em dezembro

19/12/2024

Bosch é condenada a pagar R$ 1,7 mi por fraude em perícias judiciais

19/12/2024

iFood é multada por designar representante hospitalizado em audiência

19/12/2024

PEC que limita supersalários de servidores é aprovada pelo Congresso

20/12/2024

MP/BA investiga Claudia Leitte por retirar "Iemanjá" de música

19/12/2024

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Atualização do Código Civil e as regras de correção monetária e juros para inadimplência

19/12/2024

5 perguntas e respostas sobre as férias coletivas

19/12/2024

A política de concessão de veículos a funcionários e a tributação previdenciária

19/12/2024

Julgamento do Tema repetitivo 1.101/STJ: Responsabilidade dos bancos na indicação do termo final dos juros remuneratórios

19/12/2024